<b>ANTES...</b> Sixto Rodriguez na década de 70, em Londres: documentário vencedor de Oscar reacendeu uma carreira quase esquecida - theo jemison/divulgação

A Vida Depois Sugar Man

Como o cantor e compositor Rodriguez se tornou um astro improvável aos 70 anos

Andy Greene | Tradução J.M. Trevisan Publicado em 14/05/2013, às 17h00 - Atualizado às 17h01

Naquela que deveria ter sido a noite mais importante da vida dele, o cantor e compositor de 70 anos Sixto Rodriguez estava mais uma vez desaparecido. Searching for Sugar Man, o filme de 2012 que milagrosamente apresentou a música dele ao mundo, estava prestes a ganhar o Oscar de Melhor Documentário. Mas Rodriguez não decidiu apenas faltar à festa: ele estava em casa, em Detroit, dormindo. “Perdi o programa”, diz. “Tínhamos chegado da África do Sul um dia antes. Minha filha Sandra ligou para me contar. Eu nem tenho TV a cabo.”

Duas semanas mais tarde, ele está nos mostrando Detroit, onde viveu a vida inteira. “Vamos andar por aí”, diz, acendendo o primeiro de vários baseados, que fuma tanto por prazer (ele chama de “dar um trago no dragão mágico”) quanto por conta da dor de um glaucoma que o deixou quase cego. Ele está apertado no banco de trás de um Jeep Laredo prata com a namorada, Bonnie – na frente está a filha dele, Regan, grávida, e no volante o marido dela. É um dia atipicamente quente em Detroit, e o artista está todo vestido de preto: calças pretas, óculos escuros grossos, um casaco esporte e um colar com uma águia indígena de madeira. O cabelo, talvez de maneira suspeita, não tem nem um fio branco. “Isso tudo tem a ver com a minha imagem”, ele diz. “É tudo cena.”

Depois de quatro décadas no anonimato quase total – ele não grava um disco desde 1971 e vinha ganhando a vida neste tempo trabalhando com construção e demolição –, Rodriguez tornou-se um astro de verdade. Os shows dele, que se esgotam instantaneamente, pularam das casas noturnas para ginásios para 20 mil pessoas. Na cidade natal dele, os fãs surgem aonde quer que ele vá. Quando paramos em um café na Wayne State University (onde Rodriguez formou-se em Filosofia em 1981), uma fã o encurrala, lamentando: “Tentamos comprar

ingressos, mas estão esgotados”.

Apesar da recente fortuna financeira – ganhou mais de US$ 700 mil nos cinco shows recentes na África do Sul –, Rodriguez continua a viver como antes. Não tem computador nem carro, e continua na mesma casa em que mora desde o começo dos anos 70. “Ele leva uma vida simples”, diz Regan. “Boa parte do dinheiro ele simplesmente dá aos amigos e à família. Queria muito que ele gastasse com ele mesmo.”

Rodriguez está a dois dias do início de uma turnê mundial, que começará pela Nova Zelândia e Austrália e tem mais 40 shows agendados, incluindo nos festivais Coachella e Glastonbury. “O dinheiro, eu admito, é obsceno”, ele diz, antes de explodir de rir. “Tenho muitos compromissos e a lista continua crescendo. Temos de aproveitar a boa fase.”

A carreira, que finalmente está estourando, quase terminou antes mesmo de começar. Nos anos 60, Rodriguez tocava nos cafés de Detroit, e gravou um compacto de folk, em 1967, sob o pseudônimo Rod Riguez. “Foi coisa do produtor”, diz ele sobre a mudança de nome. “Ele achou que seria mais atraente.”

Enquanto a cena do rock de Detroit explodia, Rodriguez tocava em bares com nomes como Sewer (esgoto) e mantinha um emprego em uma lavanderia. “Vi-o em um lugar chamado Anderson’s Garden”, diz Mike Theodore, que coproduziu o LP de estreia de Rodriguez, Cold Fact (1970). “O bar estava cheio de prostitutas, e lá estava Rodriguez cantando, com um cara tocando órgão e um saxofonista sem dente.”

Rodriguez não era dos artistas mais dinâmicos ao vivo, quase sempre tocando virado para a parede. “Tive de aprender a ganhar mais confiança”, diz. “Eu não encaro o público. Fico em harmonia com os olhos fechados, e ouço a música para que eu possa recriá-la.”

Quando Clarence Avant, executivo da Motown, contratou Rodriguez para um novo selo, o Sussex, achou que tinha uma grande estrela em mãos. “Juro por Deus, achei que ele ia ser enorme”, diz Avant. “Ele é um gênio.” Mas uma apresentação para promotores de shows, executivos de gravadoras e figurões de Los Angeles foi um fiasco. “Ele estava bêbado, e ficou de costas para a plateia”, diz Avant. “Era uma coisa meio Miles Davis. A reação foi zero. Não, menos que zero.”

O álbum seguinte, Coming from Reality (1971), também não emplacou, e assim acabou a carreira de Rodriguez na América. Estranhamente, na Austrália as coisas foram diferentes. Depois que um DJ de Sydney começou a tocar “Sugar Man” em 1972, Cold Fact tornou-se um sucesso inesperado. “Todos os meus amigos tinham esse disco”, diz Rob Hirst, baterista do Midnight Oil. “Ouvíamos Bruce Springsteen, Billy Joel... e Rodriguez.”

O último suspiro antes do revival aconteceu em 1979 e 1981, quando ele agendou uma turnê na Austrália. “Ele nunca tinha feito um show de verdade, só em bares e casas noturnas”, o produtor Michael Coppel declarou à Billboard na época. “Ele ficou chocado com o que estava sendo preparado para ele.” Quando Rodriguez voltou ao país em 1981, dividiu o palco com o Midnight Oil. “Achei que era o auge da minha carreira”, ele diz hoje. “Eu havia concluído uma missão épica. Não aconteceu muita coisa depois disso. Nenhum telefonema nem nada.”

Ao mesmo tempo (como retratado em Searching for Sugar Man), fãs sul-africanos descobriram a música dele e os dois LPs que haviam sido relançados por lá. Rodriguez não conhecia a própria fama, e abandonou a música nos anos 80 – embora nunca tenha perdido a esperança de voltar aos palcos. “Ele levava eu e minha irmã até a biblioteca toda semana para ler revista de parada de sucessos”, conta a filha Regan. “Falava o quão lucrativa seria a indústria dos shows se ele conseguisse entrar no meio. Ele nunca disse em voz alta, mas o sonho ainda estava ali.”

Em outra decisão que quase deu errado, Rodriguez chegou a considerar não participar do filme Sugar Man. Em 2008, o cineasta sueco Malik Bendjelloul entrou em contato com Rodriguez com a ideia de um documentário sobre a fama do cantor na África do Sul. Rodriguez recusou a proposta de entrevista até Bendjelloul visitá-lo em Detroit três vezes. “Ele sentiu pena da gente”, diz Bendjelloul. “Ele ficou tipo: ‘Melhor eu ajudar essas pessoas, porque elas são loucas’. Rodriguez participou do filme por bondade.”

Depois de pegar um visto de trabalho para a nova turnê australiana, seguimos até a casa de um amigo de Rodriguez. Enquanto o pai fica no pátio fumando, Regan reflete sobre o quanto a vida deles mudou desde que o filme foi lançado. “De repente recebo notícias de amigos que nem sabia que tinha”, diz. “Tudo tem sido muito positivo, mas ainda não arrumamos um empresário porque essa sempre foi uma palavra malvista na nossa casa.”

Nos shows atuais, Rodriguez não tem banda fixa – em vez disso, grupos de músicos o acompanham em cada cidade. Na Austrália, membros do Midnight Oil se incumbiram da tarefa. “Ele quer ensaiar pouco, será tudo no improviso”, diz Hirst. “Vai ser demais.”

O antigo produtor dele, Theodore, adoraria levar Rodriguez de volta aos estúdios, mas sabe o quão improvável isso é. “Imagine a pressão que ele está sofrendo”, diz. “Nem sei se ele iria querer viajar para promover um disco novo. Além disso, as pessoas só estão ouvindo as músicas antigas agora. Uma vez ele me disse que ia compor 30 canções e elas o levariam ao redor do mundo. E quer saber? Ele estava certo.”

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