As constantes mudanças de humor e a inexplicável tristeza de Lana Del Rey
Brian Hiatt | Tradução: J.M. Trevisan
Publicado em 12/09/2014, às 18h42 - Atualizado às 18h57“Não sei se deveriam publicar esta entrevista”, diz Lana Del Rey, esparramada em um sofá marrom, vestindo short jeans e camiseta branca de gola em V e fazendo pequenas bolas de chiclete. A essa altura ela havia passado sete horas conversando comigo. Às vezes, até parecia que a conversa estava indo bem.
“Talvez devêssemos esperar até que haja alguma coisa boa para falar a respeito”, ela continua, em um tom aéreo que se transforma em súplica. “Sabe como é? Só queria que você pudesse escrever sobre outra coisa. Deve ter alguma outra pessoa. Tem que ter. Qualquer um.” Talvez tudo isso não devesse soar tão chocante. O tipo de estrelato pop do qual Lana faz parte é repleto de autossabotagens, além de ser ambivalente e precário: no nebuloso núcleo do seu ser, debaixo de uma camada considerável de glamour, ela é mais Cat Power ou Kurt Cobain do que Rihanna ou Katy Perry, sofrendo inclusive com um misterioso problema estomacal, como Kurt, que a atormenta durante as turnês.
Ainda assim, um dia antes, tudo foi diferente. Em uma tarde de céu completamente limpo e ofensivamente quente no meio de junho em Nova York, dia do lançamento do disco Ultraviolence, ela abre a porta verde de madeira da casa onde está hospedada. “Sou a Lana, prazer”, ela diz, oferecendo um aperto de mão macio e um sorriso grande, branco e esperançoso, que instantaneamente sugere que tudo o que se sabe sobre ela é mentira: que você leu demais nas entrelinhas quando ela colocou as músicas “Sad Girl” (Garota Triste) e “Pretty When You Cry” (Bonita Quando Você Chora) uma após a outra no novo álbum; que você certamente levou a sério demais algumas frases de entrevistas recentes (principalmente “Queria já estar morta”, que rendeu a ela uma bronca de Frances Bean Cobain no Twitter); que é um engano presumir que a postura distante no palco é um indicativo de sua verdadeira personalidade. Ela se mostra tão leve e confortável que em dez minutos me parece seguro quebrar o gelo: “Então, numa escala de 1 a 10, o quanto você gostaria de estar morta no momento?” Os olhos verde-acastanhados dela ficam ainda mais arregalados. Então, ela solta um delicado resmungo de divertimento. “Sendo 10 estar morta?”, ela diz. “Você é engraçado! Hoje é um bom dia.” Hoje ela escolhe a vida? “Sim, hoje escolho a vida.” Então a resposta é 1? “Dez. Dez!”, ela diz cantarolando. “Sete. Doze!” Ela joga a cabeça para trás e ri, aparentemente começando a se divertir.
Mas, quando se trata de Lana Del Rey, quem pode ter certeza de alguma coisa? Ela emite um surpreendente conjunto de sinais contraditórios. Lana pode até se parecer um pouco com Nico, mas na verdade está mais para Lou Reed. É nervosa e insegura no palco, porém é destemida em seus versos (“Minha boceta tem gosto de Pepsi-Cola”; “Eu era um anjo querendo ser fodida com força”). Ela é uma estrela do pop sem praticamente nenhum sucesso emplacado nas rádios dos Estados Unidos, apenas um remix de “Summertime Sadness” que só ouviu depois do lançamento. E, talvez mais do que qualquer outra artista pop deste século, foi mal compreendida, e até odiada. Foi alvo de uma revolta indie-nerd antes mesmo da maior parte do mundo ouvi-la. A estreia trêmula e apática dela no Saturday Night Live foi tratada como uma emergência nacional nos Estados Unidos, gerando semanas de discussões. Ela teve a mudança de nome (antes, atendia por Lizzy Grant) apresentada como evidência de falsidade e não como ato costumeiro do showbusiness.
Lançado em 2012, ainda no rastro da apresentação no SNL, Born to Die, o primeiro disco por uma grande gravadora, recebeu avaliações céticas da crítica. As músicas e os vocais cheios de camadas pareciam afogados em uma produção exuberante e meio trip-hop. Mas com a ajuda das faixas do EP bônus Paradise, fortes e cinemáticas, o jogo virou: o álbum vendeu mais de 1 milhão de cópias nos Estados Unidos (e mais de 7 milhões no mundo todo). Lana não demonstra vontade de celebrar nada disso, entretanto. “Não me parece sucesso”, ela diz. “Porque com tudo que poderia me fazer realmente feliz, há sempre algo na fronteira do meu mundo, além do meu controle, que meio que atrapalha tudo o que está acontecendo.” Mais ou menos por volta de dezembro, Lana Del Rey deu início a uma lenta separação de Barrie-James O’Neill, namorado dela por três anos. “Tem sido tudo difícil”, ela afirma. “É, minha vida parece um peso nas minhas costas, e as neuroses que tomaram conta dele, acho, tornaram tudo insustentável. O que é triste, porque as razões para não ficarmos juntos foram verdadeiramente circunstanciais.”
Ultraviolence, o segundo álbum, às vezes parece um produto típico da separação, embora a cantora diga que todas as músicas são sobre relações passadas. Se ela fosse a marionete das grandes corporações ou a fraude meticulosamente calculada que alguns de seus detratores acham que é, este seria o tipo de álbum que ela jamais conseguiria ter gravado. O produtor principal foi o frontman do The Black Keys, Dan Auerbach, que tem o dom de evocar a atmosfera vintage e a grandeza típica do maestro Ennio Morricone, mas corre risco zero de ser confundido com produtores mais pop como Dr. Luke ou Max Martin. Há um punhado de solos de guitarra. Mas nenhuma das faixas parece sequer vagamente adequada para as rádios pop. “Não é para ser popular”, ela diz, sentada no quintal da casa enquanto toma um café quente de canudo – um hábito de longa data que ela reconhece ser “estranho” e “meio nerd”. “Não é música pop”, declara. “A única coisa que eu tenho que fazer é o que eu quiser fazer, e quero compor sobre o que eu estiver a fim. Só espero que as pessoas não fiquem me perguntando. Por isso não me sinto nem um pouco responsável. Mesmo. Sinto-me responsável em outros aspectos, como parte de uma comunidade – ser uma boa cidadã, respeitar leis.” Mas, precisamente, como ela quer que o público entenda as músicas dela? “Simplesmente não quero que entendam”, retruca, fazendo um pouco de bico. “Sou muito egoísta. Faço tudo para mim, de certa forma. Quero ouvir, dirigir enquanto estou imersa na canção, nadar no oceano cercada pelo som. Quero pensar na música e compor algo diferente depois. Sabe? É apenas... Não quero que ouçam e pensem a respeito. Não é da conta deles!” Mas ela não está vendendo a música dela para esse público? “Não estou vendendo o disco”, diz ela. “Tenho contrato com um selo que está vendendo o disco. Não preciso ganhar dinheiro nenhum. Mas me importo em fazer música. Por isso é que tem que ser nos meus termos.”
Mesmo quando era bem pequena, Elizabeth Woolridge Grant era, segundo as próprias recordações, “obstinada, do contra”. Aos 14 anos, mais ou menos, Lizzy começou a beber e sair com adolescentes mais velhos. O cenário, ela reconhece rindo, não era muito diferente do mostrado no filme Aos Treze. “Em cidades pequenas você meio que cresce rápido porque não há muito o que fazer.” Ela começou a pensar que talvez quisesse ser cantora, mas não conseguia sequer dizer isso em voz alta, principalmente para a própria família. “Tendo tido uma criação mais tradicional, eu simplesmente achava que era uma coisa muito presunçosa para se dizer. Você não diz a menos que realmente pretenda seguir esse caminho.” No verão do último ano em que estudou, Lana um dia acordou enjoada e de ressaca e de repente se deu conta de que algo importante estava faltando. “Perdi meu carro”, ela conta. “Não encontrava. E... não sei, simplesmente perdi. E estava muito enjoada. Era só uma das razões pelas quais minha vida era impossível de administrar. Eu não queria continuar estragando tudo. Queria ter algo que realmente quisesse fazer.” Ela afirma que não bebe nem fica chapada desde aquele ano, mas não deixa claro se considera-se uma alcoólatra ou se já quis tentar uma clínica de reabilitação. “Você nunca sabe o que pode acontecer”, desconversa. “Tudo muda todo dia.”
É uma vidente quem, apropriadamente, dá a primeira pista de que algo daria errado no segundo dia de entrevista. “Eu estava tentando pensar em alguma coisa que pudéssemos fazer”, diz Lana, me cumprimentando de novo na porta de casa. “A única coisa que consegui bolar é que a gente podia ir ver uma sensitiva juntos.” Acabamos visitando uma vidente cujo estabelecimento fica próximo a uma bodega. Lana pergunta se podemos fazer nossas leituras lado a lado, mas a sensitiva retruca: “Posso falar com a jovem a sós?” O programa parece se tornar cada vez mais comicamente sem sentido.
Lana ri enquanto voltamos para a casa, embora esteja um pouquinho irritada. “Porra”, ela diz. “Eu devia ter imaginado antes. Há sempre uma atmosfera meio ameaçadora nessas coisas, a menos que você se consulte com alguém de reputação mundial e tal.” A vidente disse a ela que este é o ano do amor e da felicidade – Lana brinca dizendo que ainda faltam seis meses para o ano terminar. Falamos um pouco sobre aquela coisa de “Queria já estar morta”, que ela diz ser culpa de perguntas tendenciosas. “As pessoas imaginam que eu meio que quero me matar mesmo”, diz. “Então, esse assunto surge toda vez.” De repente, sem aviso nenhum, o humor dela muda. É algo poderoso, palpável, como uma massa de nuvens ameaçadoras que surge no horizonte. Pergunto, perversamente, sobre “Fucked My Way Up to the Top”, uma das melhores músicas de Ultraviolence, que ataca uma imitadora cujo nome não é citado e que não precisou passar pelas agrugras que Lana Del Rey enfrentou. Pode ser sobre Lorde, que criticou as letras dela, mas cujo estilo vocal é similar. É aí que ela diz que não quer mais estar na Rolling Stone. E também diz: “O que você escrever não vai fazer diferença” – querendo dizer que nada irá mudar a cabeça dos detratores. E a coisa prossegue nessa linha. “Você acerta exatamente todas as minhas maiores fraquezas, meus calcanhares de Aquiles. Você está fazendo todas as perguntas certas. Só não sei como respondê-las.” Ao sair, tento convencê-la de que a crise de autoconfiança dela quanto à entrevista não é nada demais. De novo, é a coisa errada a se dizer. “Não é crise de autoconfiança, não é”, ela nega, parada em frente à porta. “Sou confiante.” Os olhos de Lana Del Rey faíscam com orgulho e dor. “Eu sou.”
Pedras no Caminho
Como Lana Del Rey e Dan Auerbach, do Black Keys, conseguiram fazer o disco que queriam, apesar das exigências das gravadoras
Dan Auerbach conheceu Lana Del Rey nos estúdios Electric Lady, em Nova York. “Honestamente, ambos nos beneficiamos com o fato de que não sabíamos nada um sobre o outro”, diz ele. Depois que ela mostrou a Auerbach algumas demos em que estava trabalhando, ele virou fã, se candidatando a produzir o álbum. Mas o guitarrista ficou chocado com os problemas que enfrentou com as grandes gravadoras – Lana tem contrato com duas delas, Interscope e Polydor, do Reino Unido. “Havia um monte de bobagens com as quais não estava acostumado”, conta Auerbach. “O selo disse: ‘Não vamos dar dinheiro nenhum para mais sessões até ouvirmos alguma coisa’. E aí mandamos uma versão com a mixagem preliminar e eles odiaram por causa da mixagem. É tipo ‘Valeu, cuzão’.” “A história que me contaram”, ele continua, “é que eles tocaram o material para a pessoa do selo que cuida dela, e eles disseram ‘Não vamos lançar esse álbum que você e Dan fizeram a menos que vocês se encontrem com o produtor da Adele’. E ela disse: ‘Está bem, que seja’. Lana se atrasou para a reunião, então enquanto eles esperavam, o cara da gravadora tocou o que nós tínhamos gravado para o produtor da Adele e ele disse: ‘Isso é incrível – eu não mudaria absolutamente nada’. E aqui vem a melhor parte: de repente, o cara da gravadora disse: ‘Bem, é, também acho que está ótimo’”.