<b>SOBRE O TEMPO</b> Arantes: hoje independente e ídolo das novas gerações - Pedro Matallo/ divulgação

A Volta do Êxtase

Guilherme Arantes retorna às origens ao mesmo tempo em que olha para o futuro

José Júlio do Espírito Santo Publicado em 14/05/2013, às 17h04 - Atualizado às 17h06

Com o ouvido grudado no celular, Guilherme Arantes responde a uma série aparentemente interminável de perguntas. A paciência e a atenção aos detalhes parecem ser o forte dele agora, mesmo quando a visão se dirige à janela e ao imbróglio vespertino de carros na Avenida Ipiranga, no centro de São Paulo. O olhar transpassa a via, absorto, como se fosse meditação falar sobre o mais recente álbum, Condição Humana. Algum tempo depois, ele se esparrama no sofá do restaurante vazio do hotel. “Aqui é quase uma segunda casa”, diz, sorrindo.

Beira 15 anos que o músico e compositor paulistano passou a considerar a Bahia o primeiro lar. “Em 1999, fui fazer um show em Salvador e conheci a Costa Norte da Bahia”, ele conta. “E eu me apaixonei, né? Fui passear na praia e vi uma tartaruga enorme botando ovo, sabe? Fui lá, abracei a tartaruga, subi no casco dela… Foi uma emoção muito forte daquela natureza, do pôr do sol, as luas da Bahia, o mar, o céu, o azul da Bahia. A luz que é violeta.” Arantes foi morar nas calmas Vilas do Atlântico, no município de Lauro de Freitas. Em pouco tempo, montou um estúdio, o Coaxo do Sapo, na idílica Barra do Jacuípe, em Camaçari. Ainda não perdeu o sotaque do Bixiga, mas estampa aquela calma típica dos que vivem longe dos grandes centros.

Foi uma mudança saudável na vida, e o primeiro passo para a maior guinada da carreira de Guilherme Arantes – viver na independência de gravadoras, algo que até hoje assusta os artistas da geração dele. “Me dá muito mais insegurança me entregar nas mãos de outrem”, desabafa. “Esta nova realidade – de você não contar com ninguém – aparece clara para todo mundo. Houve uma época em que eu podia acreditar no André Midani, no João Araújo, no Marcos Maynard… Porque eles tinham um poder de fogo muito grande”, ele diz, citando os dirigentes das majors na era de ouro da indústria fonográfica. “Tudo mudou. Acho mais gostoso poder experimentar aquilo que minha maluquice permitir.” Ela permitiu surgir Condição Humana, o 23º álbum de estúdio de Arantes, cuja estreia foi no iTunes, outra novidade para ele. “Acho que se eu estivesse na indústria [das grandes gravadoras], o disco não teria sido assim”, conjectura.

Até mesmo a participação de Marcelo Jeneci, que toca acordeom em uma faixa e exibe uma tremenda afinidade musical com o veterano tecladista, poderia não ter acontecido. “Naquele tempo, as gravadoras só pensavam em minimizar custos. As produções eram fracas de participações. Não se promovia muito os encontros”, explica Arantes. Duas músicas do novo disco, “Onde Estava Você” e “O Que Se Leva”, seriam inadmissíveis, então. Uma galeria de artistas da nova cena – Tulipa Ruiz, Curumin, Thiago Pethit e Tiê, entre muitos – participa do coro dessas faixas.

Em uma tarde de março, o entra e sai era incessante no Estúdio YB, em São Paulo. Ao piano, Guilherme Arantes rapidamente ensinava alguns trechos ao coro de 14 vozes. De lá, todos iam aos microfones, colocavam os fones e cantavam, com felicidade incontida. A seguir, rumavam para a mesa de som para ouvir o resultado. “É uma reunião de gerações. Eu poderia ser pai de todos eles”, diz, orgulhoso, sobre o time que o acompanhou na gravação. “Agora estão tendo filhos, montando casa, estão naquela batalha que hoje, para mim, já é uma revisão.”

Arantes admite e confessa que a filha, Marietta Vital, foi quem o alertou sobre a nova legião de artistas aficionados por sua obra. “Hoje, para a molecada, com a cultura digital e tudo, esse lance de colecionar coisas vintage acontece muito. E é ótimo eu ver meus discos nos sebos”, filosofa. “Comecei a pensar: a gente tem de fazer um som antigo, não querer ser ‘up to date’ e se inserir em uma linguagem tecnologicamente atual. Acho que a moçada vai gostar muito mais se nós formos os ‘vovôs do rock’, mostrando como a gente fazia. Foi um período de ouro. E aquele som vinha logo antes dos computadores e do midi. Nesse ínterim, eu fui campeão. Ali, eu sou imbatível.” No entanto, Arantes nega que a predileção atual por seu trabalho seja apenas por causa dos hits. “[No passado] as gravadoras me encaixaram em projetos focados no ‘cantante romântico’, mas que não eram o meu projeto”, desabafa. “A chave do meu trabalho está na mão. Minha mão é de pedreiro, sabe? Tocando piano, tenho uma pegada assassina que é da escola de Jerry Lee Lewis, Nicky Hopkins... ”

Em 28 de julho, Guilherme Arantes entrará no rol dos músicos sexagenários sabendo o valor que isso tem. “Eu me sinto com saúde, faço as mesmas coisas que eu fazia. Não tenho dificuldades físicas”, comenta. “Mas a gente sente a idade. Primeiro, pela invisibilidade social e sexual. Quando você passa, você entra nos lugares e não causa mais nada, entendeu? Mas para certos tipos de visão do mundo, quanto mais velho, melhor é. Apresentando composições como ‘Olhar Estrangeiro’, por exemplo, posso ser um velho plausível.”

“A gente tem que ser mais Neil Young, mais ZZ Top, mais tirando sarro da própria passagem do tempo, porque aí fica do caralho”, ele decreta. “É um envelhecer que vai lucrando. Quanto mais velho, mais os fãs vão gostar. As pessoas não percebem e querem botar um pé no freio da vida.” Não à toa, o subtítulo do álbum é Sobre o Tempo, e muitas músicas giram em torno desse tema e de como Guilherme Arantes, no fundo, se mantém jovem. “Cheguei a uma conclusão: você é jovem enquanto você corre para a morte. Quando você não correr mais para a morte, quando fugir dela, você é velho.”

música guilherme arantes

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