Como Game of Thrones transformou Emilia Clarke em uma guerreira da vida real
Alex Morris Publicado em 13/07/2017, às 22h51 - Atualizado em 23/10/2017, às 13h14
Em uma recente tarde de segunda-feira, a rainha toma chá. “Dá para ser mais inglesa do que pedir um Earl Grey?”, pergunta Emilia Clarke, afundada em um sofá de couro no hotel em que está hospedada, no centro de Manhattan. O jovem garçom é solícito demais, mas não dá para ter certeza de que saiba que está diante de Khaleesi, Mãe dos Dragões e rainha por direito dos Sete Reinos. Tendo dito isso, depois de seis temporadas de Game of Thrones – um fenômeno cultural da HBO transmitido em nada menos do que 170 países, que inspirou inúmeras tatuagens e nomes de bebês e provou ser o programa mais popular da história do canal, com a sétima temporada estreando em 16 de julho –, bem... é mais provável que ele saiba. Emilia sorri e senta sobre os pés. “Sou péssima em ser reconhecida”, confessa. “As pessoas falam ‘ah, oi!’ e eu fico ‘Ai, Deus! Ah, oi! Desculpa!’”
Quando a conheci, em 2013, a atriz tinha 26 anos, ainda era relativamente desconhecida quando não usava a característica peruca loira da série e provavelmente não se compararia à rainha guerreira que interpreta. Além disso, parecia levemente espantada com o fato de que tinha conseguido o papel, que era apenas seu terceiro. “Sou excessivamente ciente da rapidez com que isso pode desaparecer”, ela me disse quando nos encontramos em um camarim da Broadway, onde ensaiava para fazer Holly Golightly em Bonequinha de Luxo.
Quatro anos depois, ela mantém suas características – humor ríspido e uma imensa boa vontade, por exemplo –, mas está claro que estamos em outra dimensão. Mesmo de coque bagunçado e jeans velho, passa agora a imagem de uma espécie de farol: elegante, quase cintilante, de um jeito que faz com que seja inevitável que chame atenção de todos em volta. Em outras palavras, tem uma maneira de dominar o ambiente que pode ser descrita como Khaleesiesca. Afinal, passou boa parte da vida adulta incorporando uma das imagens mais impressionantes de dominação feminina da cultura pop atual, enquanto explica eloquentemente sua nudez em cena em termos amplamente feministas. Completou 30 anos (sobre isso, afirma: “Entrei silenciosamente em pânico”), apareceu em diversos filmes e, como todos nós, viveu o Brexit e a ascensão de Donald Trump, ou, como diz, “2016, a porra de ano em que todas as merdas aconteceram”. Então, os tempos mudaram – para melhor e para pior.
“Não dá para esperar que todos parem de trabalhar e marchem todos os dias de sua vida, só que temos de estar nesta merda no longo prazo”, fala sobre o clima político volátil. Para ela, estar “nesta merda” significa não aceitar muito do que acontece ao seu redor. Um exemplo é a opinião dela sobre ser uma das poucas mulheres em qualquer set de filmagem. Ou sobre o fato de que atrizes têm menos falas do que atores, mesmo quando fazem a personagem “principal”. Ou de que atrizes devem chegar para cabelo e maquiagem horas antes da maioria dos atores. “Eu me sinto tão ingênua por dizer isso, mas é como lidar com racismo”, diz. “Você é ciente disso, mas um dia pensa ‘ai, meu Deus, está por toda parte!’ Como se acordasse de repente e se desse conta: ‘Espera um pouco... você está me tratando diferente porque tenho seios? Isso está mesmo acontecendo?’ Demorei muito para ver que sou tratada de modo diferente, mas olho em volta e essa é minha vida cotidiana.”
Ela reconhece, claro, que esta é uma postura complicada de adotar como uma mulher que sem dúvida se beneficiou tremendamente, de, bom, seus seios. Foi nomeada a Mulher Mais Sexy pela revista Esquire em 2015 (“Minha mãe os subornou”) e seu papel em Game of Thrones é pontuado por cenas importantes em que ela aparece nua. “Isso não me impede de ser feminista”, argumenta. “Adivinha só? Sim, uso máscara nos cílios e também tenho QI alto, então essas duas coisas podem andar juntas.” Só que a complexidade de ganhar crédito pelo empoderamento feminino por meio desses canais explica por que ela também fica feliz com a evolução de sua personagem, uma mulher que se ergueu das cinzas e agora parece prestes a ganhar a guerra dos tronos. Ao longo da história, Emilia me lembra, “as mulheres foram grandes regentes. E ser conhecida por fazer uma personagem assim? É sorte pra caralho. Qualquer pessoa que talvez pense que isso não é necessário só precisa olhar para o ambiente político em que todos vivemos para perceber: ‘Ah, não, é necessário, sim. É necessário’”.
Tudo isso significa que agora Emilia Clarke aceita o poder da personagem de uma maneira que não teria sido possível quando o seriado estreou, quando o orvalho do condado rural de Oxfordshire ainda estava fresco sobre ela. Emilia cresceu a uma hora de Londres, no pitoresco interior britânico. “Sabe, cresci com um riacho no jardim e verde por toda parte”, conta. “Colhíamos cogumelos. Havia patos. Foi idílico em todos os aspectos.” Seguiu os passos do irmão mais velho até St. Edward’s, um internato particular em Oxford onde, como filha de um designer de som (que havia começado a carreira como roadie) e uma vice-presidente de marketing (que havia feito faculdade de secretariado), não se encaixava bem entre os garotos sofisticados de seu novo ambiente. “Era uma escola chique. E não éramos tão chiques”, diz. Ela também era uma garota artística em uma escola que não era tão artística. “As pessoas eram boas em hóquei ou queriam ser advogadas. Eu só queria ser amiga de todo mundo”, afirma. “Foi doloroso – eu ficava de lado, espiando, dizendo ‘vocês parecem divertidos, posso me juntar?’”
Depois de se formar, ela se inscreveu na Rada, na Lamda e na Guildhall, a tríade de instituições sagradas para aspirantes a atores no Reino Unido, e foi rejeitada por todas. Trabalhou como garçonete, economizou algum dinheiro, fez mochilão no Sudeste Asiático e na Índia, candidatou-se novamente para “um zilhão de escolas” e só entrou no Drama Centre London “raspando, quando recebi um telefonema dizendo: ‘Uma garota quebrou a perna. A vaga é sua se você quiser’”.
A escola de teatro foi outro ambiente em que ela aprendeu sobre seu lugar. Nunca foi a favorita. Nunca foi a mocinha. Fazia o papel de velhinhas e prostitutas acabadas. “Eles nos despedaçavam”, conta, “e, se você é uma favorita na escola, está ferrada pelo resto da vida. Mas, se não teve nada disso, simplesmente pensa: ‘Faço de tudo. Vou trabalhar mais do que qualquer um consiga imaginar’.” Ela se deu um ano para entrar na indústria cinematográfica. Quase no final desse prazo, sem dinheiro, desesperada e pensando em um plano B para a vida, Emilia – com pouco mais de 1,58 m, curvilínea e morena – recebeu uma ligação de seus agentes sobre fazer teste para o papel da alta, esbelta e loira Daenerys Targaryen. Ela recorreu ao Google para um curso rápido sobre os romances de George R.R. Martin e, então, foi se reunir com executivos da HBO. Ela conseguiu transmitir a versatilidade que o canal estava procurando: tinha a vulnerabilidade de alguém que não cresceu como a preferida, mas também a força de uma jovem com uma mãe trabalhadora que havia saído da escola de secretariado e forjado uma carreira poderosa. “Tive muita sorte de ter sido criada por uma mãe que ensinava pelo exemplo”, afirma. “Minha família colocou uma importância bem maior em querer expandir a cabeça em vez de diminuir a cintura.”
Isso ajuda muito a explicar o motivo mais pessoal para 2016 ter sido um ano de merda para Emilia. Em 10 de julho, seu pai – cujo trabalho nos bastidores a fez se interessar pela atuação – morreu de câncer. Ela estava rodando um filme no Kentucky e não conseguiu estar em casa nos últimos dias de vida dele. Quando o pai piorou, ela terminou as filmagens mais cedo, mas, ao aterrissar no aeroporto em Londres, ficou sabendo que ele tinha acabado de morrer. “Definitivamente acho que ainda estou em diferentes graus de choque”, afirma. “Não há uma medida para isso. Há todos esses livros sobre luto, mas não um guia. Tipo ‘ah, na terça você sentirá isto, mas na quinta estará aqui’.”
Três semanas após a morte do pai, ela começou a filmar a sétima temporada de Game of Thrones. Algumas semanas antes, o Brexit tinha acontecido. “O mundo pareceu um lugar mais assustador sem meu pai nele”, declara. “O fato de essas duas coisas terem acontecido tão perto uma da outra me balançaram e me fizeram reavaliar quem sou. E foi nessa reavaliação que pensei: ‘Sou mulher, porra, e não há muitas de nós atuando no ambiente em que atuo. Preciso ter certeza do chão em que piso e preciso assumir a propriedade das escolhas que faço’.”
Isso incluía a forma como se comportava no set. Sua abordagem geral de mundo é uma leveza autodepreciativa. “Quando se passa os dias discutindo a política de King’s Landing, é muito importante não se esquecer de imitar um pinguim entre uma cena e outra”, diz o colega Peter Dinklage sobre a capacidade dela de brincar, embora a atriz descreva o que se passa por sua cabeça ao contracenar com um dragão mecânico da seguinte forma: “Fico questionando: ‘Ele está cerrando os dentes? Soltando um pum? O que vocês querem que eu faça?’”
Ao longo da série, a vulnerabilidade de Emilia diminuiu à medida que o poder de Khaleesi aumentou. “Você não pode ser mãe de dragões sem passar por uma ou duas mudanças”, afirma. “Poder abranger e entender o tipo de mulher que conquistaria exércitos e estremeceria sociedades me permite, como atriz, estar firmemente no lugar dela.” O que foi útil no set quando algo a lembrava do pai e literalmente “tirava o fôlego” dela. “Você subestima a enormidade disso. Não sabia que me sentir assim era possível.” Nesses momentos, ela recobrava as forças e tentava canalizar essa emoção para o trabalho. “Pensava: ‘Não vou deixar vocês me verem chorar, isso não está acontecendo’.” Então, a atriz se afastava por um momento e voltava a ser Khaleesi.
A história de Khaleesi está prestes a acabar para Emilia. Em algum momento do ano que vem, o episódio final de Game of Thrones irá ao ar e o papel que ela faz há quase uma década, o papel que “me salvou em tantos aspectos – me impulsionou, na verdade”, acabará. “Acho que haverá um abalo na minha identidade”, ela diz sobre encarar esse momento inevitável. “E sinto que só vou entender o que foram os últimos sete anos quando pararmos.”
Ela promete que os próximos episódios do épico não decepcionarão. “Spoiler: normalmente não passo muito tempo em Belfast, mas nesta última temporada passei um pouco mais de tempo ali”, conta, dando uma dica aos obcecados por GoT. “É uma temporada realmente interessante em termos de algumas pontas soltas que foram amarradas, algumas coisas que te fazem dizer ‘ai, meu Deus, tinha esquecido isso!’ Boatos serão confirmados ou negados.” Ela acredita que a trama de Khaleesi continuará para além da série, mas não para ela. “Quer dizer, não tenho dúvida de que haverá prequels e sequências e sabe-se lá mais o quê. Mas eu farei apenas mais uma temporada.”
Depois da oitava e última leva de episódios, Emilia Clarke terá uma liberdade que não experimenta desde que foi chamada para o elenco, quando tinha 23 anos. Os quase sete meses de cada ano que passou acordando às 3h da manhã para fazer cabelo e maquiagem, as jornadas de 18 horas em que fingia cavalgar um dragão ou andar nua pelo fogo de repente cederão lugar a um tempo só dela. A ideia é apavorante e sedutora. “Fico emotiva pensando nisso”, diz. “[A série] é meu começo, meio e fim – a coisa que mais me mudou na vida adulta.”
Não que essa liberdade já esteja aqui. Quando ela voltar para Londres daqui a alguns dias, será para participar da prequel de Star Wars com foco em Han Solo, em que supostamente faz o papel de outra mulher corajosa. “Tudo o que posso dizer é que ela é incrível”, desconversa. “Tipo, de verdade, realmente é só o que posso dizer. Há um stormtrooper com uma arma e ele vai entrar aqui a qualquer momento.”
Depois de Star Wars, seu principal objetivo é criar o tipo de empresa que corrija os erros que testemunhou na indústria do audiovisual: “Adoraria abrir uma produtora cheia de mulheres boas e engraçadas, em que o clima seria de ‘Pois é, tenho seios, não são lindos? Não são ótimos? Você também tem! São ótimos, você entrou para o clube!’” Enquanto isso, ela diz que segue trabalhando em ampliar a mente em vez de diminuir a cintura. “De repente, senti uma necessidade feroz de aprender as coisas. Tipo, escuto podcasts que nem louca – do New York Times e do The Guardian e do The Economist e TED Talks e [o programa da NPR] Fresh Air. Preciso de informação. Penso: ‘Só quero saber tanto quanto é humanamente possível’.” O que significa que, por tudo que Khaleesi lhe deu, ela está no processo de retribuição. “A Khaleesi teve algo a mais neste ano, entende? Ela teve outras coisinhas acontecendo.”
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