Reportagem publicada originalmente na edição 497 da RS EUA (abril de 1987) -

Woody Allen

Em 1987, quando lançou A Era do Rádio, o cineasta não cansava de declarar seu amor por Nova York. Nesta entrevista ele fala, entre outros temas, sobre como não gostava de passar as noites longe de seu apartamento e de seu ódio por animais de estimação

Por William E. Geist Publicado em 30/09/2009, às 13h07 - Atualizado em 01/12/2015, às 17h04

Sei lá, mas para mim Woody Allen parece são. Talvez eu esteja em Nova York há tempo demais, mas o negócio vai ainda mais fundo: Woody Allen é uma das pessoas mais bem ajustadas que já encontrei na cidade. Seria esse um sinal indicando que os nova-iorquinos são ainda mais desajustados do que se imaginava? Também pode significar que as caracterizações de Woody Allen têm se tornado mais exageradas no decorrer dos anos. Ou talvez ele só tenha mudado um pouco.

No caminho para a entrevista no seu estúdio de edição em um hotel na Park Avenue, passei por uma porta sinalizada como "Entrada de Serviço" e quase entrei. Estava me sentindo humilde e nervoso por me encontrar com o homem descrito como gênio cômico, herói existencial moderno e cineasta do mesmo calibre de Fellini e Bergman. Mas o próprio Woody Allen me tranquilizou. Ele mesmo atendeu à porta, metido em um suéter de segunda mão e uma camiseta amassada. Seu cabelo estava despenteado e ele foi muito gentil - totalmente informal, nem um pouco condescendente e exalando um sentimento de falta de importância própria. Não foi cínico. Nem tentou ser engraçado, mesmo que a sua brutal honestidade e seriedade extraordinária a respeito das menores coisas tenham me feito rir bastante.

O que te motiva a fazer um filme por ano?

Não é nada de mais. Sidney Lumet e Bergman chegaram a fazer três filmes em um ano. Escrever um roteiro me toma alguns meses e depois mais alguns para filmar e editar. Um cara que trabalha em um escritório ou como taxista trabalha muito mais que eu. Tenho tempo para praticar clarinete, ver filmes, sair para jantar e ver as pessoas. E meu trabalho não tem esse senso de esforço braçal. Mas, se eu tivesse um emprego diferente, ia passar o dia esperando a hora de chegar em casa e escrever. É o que gosto de fazer. É como ser pago para jogar beisebol ou algo do gênero. É como se estivesse sempre de férias.

Isso não soa nem um pouco como algo dito por Woody Allen, parece divertido. Normalmente você é mostrado como um neurótico, viciado em trabalho, atormentado - devo prosseguir? - e recluso, incapaz de se divertir. É uma postura nova?

A verdade a meu respeito está provavelmente em um meio-termo disso. Escritores têm uma tendência a... enfatizar certas características para que pareçam melhores. Estou sendo pago para fazer o que gosto. O que basicamente significa escrever e, às vezes, atuar. Tenho mesmo alguns problemas como o meu tempo livre, quando não estou trabalhando. Não sou o tipo de pessoa que se empolga com viagens, casas no campo, barcos, férias e outra coisas de que a maioria das pessoas gostam.

Você é mais feliz quando está trabalhando?

Sim, é uma distração importante. Sempre achei que se alguém consegue ajustar sua vida de modo a manter-se obcecado por coisas pequenas, acaba evitando ficar obcecado com as coisas realmente grandes. Se você cria uma obsessão por algo muito grande, acaba se sentindo impotente e assustado, porque não há nada que possa fazer a respeito do envelhecimento e da morte. Mas você pode passar o dia obcecado por coisa pequenas, como uma boa tirada para o terceiro ato. Esse é o tipo bom de problema para se concentrar, porque não é tão grave quanto pensar em cirurgias, por exemplo. Sou um pouco mais mórbido que as pessoas normais.

Você tem inveja do cara que vai trabalhar e dar uma volta de barco, bebe sua cerveja e nunca pensa sobre essas coisas?

Não. Ocasionalmente invejo pessoas que são naturalmente religiosas, sem terem sofrido lavagem cerebral ou atraídas pela barulheira das instituições organizadas. É como ter ouvido para a música ou algo assim. Uma pessoa dessas nunca vai achar que o mundo pode não ser como dizem a ela que é. E eu não andaria de barco. Odeio barcos. Estive em um duas vezes e fiquei enjoado, queimado de sol e sem ter como sair de lá. Fazer isso novamente seria o inferno.

Tenho a impressão de que você tem levado seu trabalho de um modo mais tranquilo.

Acredito que conforme os anos passam e você adquire mais confiança, torna-se mais seguro. Na época dos meus primeiros filmes eu era mais nervoso e frenético.

Já se preocupou em estar fazendo as coisas como faz só porque são mais fáceis assim, e que talvez seu filme possa sofrer um pouco com isso?

Sei que faço assim porque é fácil. Quero dizer, tenho plena consciência de que estou filmando em Nova York porque é mais cômodo.

Mas talvez o produto final seja pior por essa escolha da rota mais fácil. Essa é uma de suas preocupações?

Sim, eu penso nisso. E estou feliz em seguir desse jeito mesmo sabendo que é pior. Penso: "Acho que pode ser ruim, mas é mais fácil".

Não consigo encaixar esse raciocínio - fazer as coisas do modo mais cômodo - dentro do seu pensamento de trabalhar duro e fazer tantos filmes.

Eu mesmo penso às vezes, sabe: "Essa cena seria muito melhor se filmássemos, digamos, na Filadélfia". Mas a verdade é que não quero ir até lá para filmar, porque é uma viagem de duas horas de carro. O jeito é procurar alguma rua no centro que dê para disfarçar como se fosse a Filadélfia, o que não ficará tão bom

quanto poderia. Fazendo assim eu perco a vista e não posso dar uma panorâmica do Sino da Liberdade ou algo assim.

Mas a meta é fazer grandes filmes, não?

Tento fazer com que meus filmes sejam tão maravilhosos quanto eu seja capaz de fazer. Mas mantenho minhas prioridades e elas nunca são artísticas. Conquistas artísticas estão em quarto ou quinto lugar na minha ordem.

Não sei se engulo essa.

Juro.

Mas você é perfeccionista. Presta tanta atenção a cada detalhe. Há uma história sobre como havia uma figurante em A Era do Rádio vestindo uma liga dos anos 40, mesmo a peça não aparecendo em cena.

E mesmo assim eu jamais coloco o filme acima de qualquer inconveniente que ele possa me causar ou de algum compromisso importante.

O que pode ser mais importante?

Ah, por exemplo, já cheguei a encerrar as filmagens mais cedo para poder chegar em casa em tempo de ver um jogo dos Knicks na TV. E a equipe dizia: "Mas há mais duas horas de luz".

É como o obstetra que induz o parto só para sair mais cedo para jogar golfe. Era um jogo importante dos Knicks ou uma partida qualquer?

Importante. Houve vezes em que estava em um encontro com alguma bela mulher e pensava: "Quero mesmo ficar acordado a noite toda, até as 4h da manhã?" Porque sabia que tinha que acordar no dia seguinte às 6h para filmar. E aí penso nas minhas prioridades. Penso: "O que é mais importante?" O tempo que vou passar com a garota é muito mais importante para mim que o acordar cedo por causa do filme.

Essa abordagem é nova?

Pode ser. Talvez a dificuldade que é filmar tenha me desgastado até certo ponto. Se você desse uma volta no set de qualquer um dos meus filmes, veria que é muito trabalho, mesmo em uma comédia rasgada, seja fazendo Hannah e Suas Irmãs ou Bananas. É trabalho duro e tem um lado sério, sisudo, de negócios nisso tudo. Não é uma turma de caras fazendo piadas e se divertindo. Talvez os filmes fossem melhores se o clima fosse esse, mas não sei. Quero fazer filmes mais intimistas, que são mais fáceis e rápidos de filmar, com internas, sem mau tempo, menos atores e menos sets.

Você usa muitas vezes os mesmos atores - a maioria deles seus amigos pessoais, como Mia Farrow, Diane Keaton, Dianne Weist e Tony Roberts - em seus filmes.

É mais fácil trabalhar com amigos e conhecidos, porque se filmo com Michael Caine (que estava no elenco de Hannah) ele acaba sua parte e vai para a Índia ou Inglaterra participar de algum outro filme. Mas para Mia, Dianne Wiest ou Tony Roberts posso ligar do nada e dizer: "Olha, tenho uma grande ideia para uma cena nova. Vamos nos encontrar e filmar".

Isso realmente acontece?

O tempo todo, em todos os filmes. Constantemente em Hannah. Na versão original havia só uma festa de Ação de Graças, no começo do filme. Quando assisti, comecei a ter ideias sobre como isso poderia ser desenvolvido e amplificado de uma boa maneira e pensei: "Vamos terminar com uma festa de Ação de Graças também. Seria legal". E fiz. Então disse: "Sabe o que ia ser ainda melhor? Se tivéssemos outra festa de Ação de Graças no meio do filme".

Além disso você também usa amigos que nem são atores.

Sim, porque sei que eles dão bons tipos. Sendo um papel relativamente menor, não é tão arriscado.

Também está mais contente com sua vida pessoal?

Bem, nos últimos sete anos tenho saído com Mia, e as coisas estão bem estáveis. Por causa dela fui apresentado a uma porção de crianças e a todas as atividades que tem a ver com eles.

Como você se dá com elas?

Bem, bem.

É que você também é descrito como o tipo de pessoa que provavelmente não se daria bem com bichos de estimação e crianças.

Ah, odeio bichos de estimação. Mia tem um monte. Faço de tudo para evitá-los. Ela tem um cachorro, gatos, peixes, um papagaio e hamsters. Tem o pacote inteiro de criaturas. Mas nunca tive problemas com crianças.

Você se lamenta por não ter filhos próprios.

Do modo como as coisas aconteceram acabei me envolvendo com todos os dela. Em grupo e individualmente. Se você passa um tempo com Mia, automaticamente passa um tempo com muitas crianças, porque essa é uma parte enorme da vida dela.

Você se sente bem quando sai da cidade para ir à casa de campo de Mia, em Connecticut?

Não, não me sinto bem. Sou como um peixe fora d'água. Não me sinto confortável quando o fim de tarde chega e começa a escurecer e não há lugar nenhum para ir. Uma volta no bosque à noite não é o tipo de coisa que me atrai muito.

Por que não?

Não há nada para se ver ou sentir. Definitivamente sou filho das ruas da cidade e me sinto em casa com meus dois pés plantados no chão, não em um carro ou trem ou algo assim. Em Manhattan, conheço a cidade, sei como chegar aos lugares. Sei onde conseguir táxi. Sei onde me enfiar para usar o banheiro se for necessário. E em quais restaurantes comer, quais evitar. Me sinto em casa na cidade. Não nado no lago dela porque já vi cobras naquela água.

Sabe nadar?

Sempre fui um bom nadador, um bom atleta.

Sério?

Pratiquei vários esportes. Beisebol, basquete e atletismo.

Está aí algo que as pessoas jamais desconfiariam.

Mas eu nunca sei o que fazer quando vou para o campo. Gostaria de estar em um lugar onde, se eu quisesse, pudesse descer as escadas e haveria lojas e pessoas andando por lá. Gosto de observar as pessoas. Gosto de olhar as vitrines das lojas.

Você consegue fazer isso em Nova York sem ser incomodado, não?

Consigo, porque coloco um chapéu e isso por si só já evita que me reconheçam. Eu gosto, mas assim que vou para o campo acho tudo quieto demais.

Do que você não gosta nessa quietude?

Acho que não há muito para se fazer. Claro, você pode sentar e ler um livro por um tempo. Mas posso fazer isso em meu apartamento também. Mia e eu sempre discutimos sobre isso. Não me importo de pegar um dia - digamos, um belo dia de outono, por exemplo - me vejo pegando o carro e dirigindo para o campo, andando por lá para ver o lago, as folhas e tudo mais, e então pegando o carro para voltar para casa. Isso eu me vejo fazendo. Passando duas, cinco horas por lá. Mas não me vejo passando a noite fora. Não vejo graça nisso. Precisaria saber, já que nunca fiz isso, se caso às 2h da manhã me desse uma vontade repentina de tomar uma sopa chinesa, eu poderia sair, pegar um táxi, ir até Chinatown, comprar e voltar. É algo muito importante para mim.

Isso não é uma piada, é?

Não, estou sendo sincero.

Por que isso é tão importante para você?

Me deixa confortável saber que estou nesse ambiente. Sabe, depois do jantar gosto de andar e dar uma olhada nas livrarias ou talvez ir até o Regency Theatre ou ao Elaine's. Sei que tenho opções. Janto fora 360 dias no ano. Gosto da ideia de estar em uma cidade viva e ativa. Não gosto de pensar que, se eu sair de casa, tudo o que haverá lá fora são árvores, moitas e trilhas.

Só porque é chato, não porque seja ameaçador.

Ambos. Acho ameaçador também. Descobri que, mesmo estatisticamente sendo mais violenta que o campo, me sinto menos ameaçado na cidade. Pode até ser um falso sentimento de segurança, mas ainda assim me ajuda psicologicamente. Me sinto como se, no caso de uma situação crítica, ainda tivesse alguma chance de reagir. Sei aonde ir, como evitar certas coisas e onde procurar abrigo. No campo, como eu disse em Noivo Neurótico, Noiva Nervosa,se Dick e Perry - os caras de A Sangue Frio - aparecessem na casa à noite, seria o fim.

Então você não tem só medo de que uma marmota possa te atacar?

Também não gostaria disso. Não ia querer ir para o campo e dar de cara com algum bicho raivoso. Não gosto dessas coisas.

Quando foi a última vez que saiu de Nova York?

Além de ir para a casa de Mia em Connecticut? Há alguns anos, quando fui com ela a Paris e a Roma por uma semana.

Você não sai de Nova York nem para ir a outras cidades nos Estados Unidos?

Às vezes acho que Nova York é os Estados Unidos, mas isso é errado. Uma vez estive no subúrbio e passei de carro por um desses cinemas com oito filmes em cartaz de uma vez, e quase não consegui imaginar um dos meus filmes passando ali.

Dá quase para qualifi car você como um bom alvo para o Comitê de Atividades Anti-Americanas. Tem carteira de motorista?

Tenho, mas não dirijo há anos.

Quantos?

Ah, uns 25.

Vinte e cinco?

Com a exceção de uma cena de Noivo Neurótico, Noiva Nervosa em que tive que dirigir...

Vê TV? Tem televisor?

Vejo esportes, notícias e filmes.

Assiste aos seus próprios filmes na TV?

Não, nunca vejo meus filmes em lugar algum, nunca. Eles me decepcionam.

O Barco do Amor?

Não.

Dallas?

Não assisto ao que supostamente seria entretenimento. Não que eu só assista a coisas sérias, vejo beisebol e basquete. Mas não assisto a lixo. Não acho recompensador em nenhum aspecto. Para mim parece música de elevador. O auge da desalmada, plástica, brilhante e antisséptica estupidez. Não acho que valha o tempo de qualquer pessoa.

Na abertura de seu filme Manhattan, há a colocação de que o personagem principal ama Nova York, mesmo considerando que ele vê a cidade como uma metáfora para a decadência da civilização. Você compartilha dessa opinião?

Sim. Mas hoje penso nisso com mais frequência. Quando eu era mais novo e podia andar pelo metrô impunemente aos 10 anos de idade, era o fim da era de ouro. Meu palpite é que nos anos 20 e 30 não havia nada igual a Manhattan na história do mundo. Quando você pensa que havia centenas de peças em cartaz ao mesmo tempo, fica difícil até imaginar. E os cinemas, as casas noturnas e os bares.

É deprimente ver como as coisas mudaram?

Me deixa arrasado. Falo com pessoas que estiveram nos antigos shows da Broadway, velhas atrizes. Estava conversando com uma que me contou como ela e uma amiga faziam um show que terminava onze e quinze da noite, então elas se trocavam e iam jantar na Times Square - duas garotas de 19 anos, totalmente desacompanhadas. Depois iam ao cinema na rua 42 assistir algum fi lme de Katharine Hepburn ou Spencer Tracy. E, por fi m, voltavam para casa atravessando o Central Park. Queria ter vivido em Nova York em outra época.

O que te atrai como homem de cinema?

O que mais gosto é escrever. Tudo parece ótimo quando se está escrevendo. Você está sozinho em seu apartamento e sabe que é tudo maravilhoso. Então a realidade se esgueira de repente. Você começa a perceber que tal ator não está disponível, então você vai precisar contratar um outro. E nota que não pode pagar US$ 200 mil por um set e por isso vai ter que se virar com US$ 15 mil. Gradualmente os compromissos aparecem. Aí você percebe que aquilo que escreveu não é tão engraçado quanto era quando você estava em seu apartamento.

Ou percebe que é engraçado demais. Se for muito engraçado pode até apagar todos os problemas.

É, embora "engraçado demais" seja tão problemático quanto ser "rico demais".

Gosta de dirigir?

Não. Gostaria de poder conceber um filme, apertar um botão e ter a cópia final pronta. Dirigir é enervante e não raro você se vê parado no frio em uma esquina qualquer às 6h da manhã, e não acho que qualquer pessoa acharia isso muito divertido. Além disso, leva tempo demais e às vezes os resultados são desapontadores quando você assiste no dia seguinte, em termos de luz, atuação ou no sentido de sua ideia não ser tão boa filmada quanto era no papel. Em alguns casos a sua direção é muito rápida, muito lenta e você se vê obrigado a filmar tudo de novo no dia seguinte.

Por que você produz tanto? Não seria preferível fazer menos filmes, mas que fossem todos incríveis e dignos de um lugar na história do cinema?

Não. Não iria querer fazer esse tipo de filme. Seriam caros, difíceis de executar e você ainda tem de se comprometer emocionalmente durante anos com o mesmo projeto. Prefiro muito mais fazer filmes pequenos e aos montes. Não vejo relação alguma entre tamanho e qualidade. Pegue alguns dos filmes de Bergman, que são enormemente complexos, muito complexos. Ele filma rápido, meio que em quatro ou cinco semanas. Acho que são os melhores filmes do mundo. Faço tanto filmes quanto as ideias que tenho, tão rápido quanto posso. Quando chegar ao fim da

minha carreira, terei feito - se tiver sorte - alguns filmes muito bons, alguns não tão bons e outros ao menos divertidos.

Você era engraçado na época da escola? Os professores o expulsavam da sala muitas vezes?

Havia fases em que eu era muito quieto e outras em que era divertido e me metia em problemas constantemente. Mas a escola nunca era uma experiência agradável. Era espetacular ficar doente, porque aí podia faltar à aula, que era a melhor de todas as bênçãos.

O que havia de tão ruim na escola?

Tudo. Primeiro, todas as coisas que naturalmente nenhum garoto gosta: ficar sentado quieto, ser disciplinado, não poder falar e nem se divertir. Era muito chato. Os professores eram retrógrados e antissemitas.

Na sua vizinhança em Flatbush? Não havia muitos garotos judeus na escola?

Quase todos.

E os professores eram antissemitas?

É. Eram estúpidos e cruéis. Eram desagradáveis e por isso ninguém queria ir à escola.

O fato de seus trabalhos beirarem a autobiografia os incomodou alguma vez?

Não, porque o que as pessoas insistem que é autobiográfico quase invariavelmente não é. E os fatos são tão exagerados que se tornam virtualmente desimportantes para as pessoas cujas nuances serviram de base. O público botou na cabeça que Noivo Neurótico, Noiva Nervosa era auto-biográfico, e não consegui convencê-lo de que não era. E acharam que Manhattan também era. Porque coloco um comediante ou escritor como personagem principal e eu mesmo o interpreto. Não sei interpretar um cientista. Não vou colocar um mecânico como personagem principal. Conheço a linguagem de um certo tipo de pessoa.

Embora não seja exatamente o infeliz que faz parecer ser, é gratificante fazer filmes em que é você quem fica com a garota no final?

Tive minha cota de sucessos e fracassos em todos os aspectos. Minha vida, quando crescia no Brooklyn e em Long Beach, era completamente mediana. Era o aluno perfeito. Tinha amigos, saí com algumas garotas e fui rejeitado por outras.

Já parou para pensar em sua situação hoje e pensou : "Uau, conheço estrelas de cinema"?

Estou na indústria cinematográfica há 20 anos. Então é meio lógico que eu saia com atrizes, roteiristas ou algum outro tipo de pessoa no meu campo de atividade. Minha vida se tornou especial quando, aos 16 anos, arrumei um emprego escrevendo comédia. Mas mesmo assim ainda precisava frequentar a escola na parte da manhã. Tinha notas abaixo da média e fui para a Universidade de Nova York por um curto período, só para contentar meus pais. Fui expulso da universidade menos de um ano depois, por notas baixas.

Você acredita que também mudou junto com seus filmes?

Não sei se eu mudei. Meus filmes sim. Me tornei mais interessado em fazer o que para mim é intelectualmente mais difícil e desafiador.

O que responde para as pessoas que te perguntam: "Por que não deixa de bobagem e se concentra em ser só engraçado?"

Bom, o que outros dizem nunca significou nada para mim. Estou meio que seguindo a rota que escolhi. Se as pessoas gostam, gostam. Se não gostam, não gostam. Nunca me interessei em fazer algo só para agradar ao público.

Isso remete aos seus tempos de escola, quando o que os professores diziam não signifi cava nada para você. O que você diria então à juventude americana? Tudo bem se eles desencanarem e fizerem somente o que lhes interessa?

É difícil dar um conselho nesse sentido. Veja, tive sorte. Não acho que se possa contar com a sorte. Fui sortudo por ter o talento de divertir. Se não tivesse talento, estaria em sérios apuros. Só se pode ser independente desse jeito se tiver sorte. E não se pode ficar contando com isso. Mas as pessoas sempre me disseram o que fazer. E eu sempre escutava educadamente e era legal com elas, mas sempre fiz o que eu queria. O mundo está cheio de pessoas prontas para te dizer que filmes fazer, o que cortar, o que colocar. Há um velho provérbio: "Ele não pensa, mas sabe tudo a respeito".

Ou, em um termo mais recente usado por você em um filme, "Aqueles que não conseguem fazer ensinam, e aqueles que não conseguem ensinar viram instrutores de musculação".

Sim, foi em Noivo Neurótico, Noiva Nervosa. Sempre achei que as pessoas são muito rápidas com conselhos. Os rápidos vindos do homem comum, e os profundos vindos de seus companheiros. Você lê seus livros, vive sua vida, vê seus amigos e faz sua própria avaliação do que quer fazer. Há sempre quem me diga para não fazer tal piada, não me vestir de tal jeito, não tocar em tal assunto, não fazer tal tipo de filme. "Você não vai querer fazer Noivo Neurótico, Noiva Nervosa, porque, sabe, é realmente menos engraçado que Bananas. Não vai querer fazer Interiores por causa disso e daquilo." E sempre ouço educadamente, porque são boas pessoas, mas eu faço o que quero, porque seu corpo é quem manda. Você sente. Não é tanto uma decisão consciente. Você tem sua rota.

Já aconteceu de concluir mais tarde que as pessoas estavam certas?

Isso nunca acontecerá, porque sempre fiz o que queria fazer. E isso não bate necessariamente com sucesso comercial. Mas quem se importa? Fiz filmes que não foram bem comercialmente, mas que eram muito melhores que outros que fizeram tremendo sucesso.

Por exemplo?

Acho A Rosa Púrpura do Cairo um filme muito melhor que Hannah e Suas Irmãs.. Muito mais criativo.

Como alguém que pensa muito sobre a mortalidade, já parou para pensar que só viverá o bastante para fazer mais dez, 15, talvez 20 filmes, e que por isso é melhor que eles sejam bons ou de um tipo específico?

Não, pelos simples fato de que não tem a menor importância para mim. Não me importaria mesmo se tivesse que parar de fazer filmes amanhã. Me contentaria igualmente escrevendo livros.

Você tira algum proveito da fama?

Não. Vou te dizer do que eu gosto: as vantagens de ser conhecido são muito boas, porque sempre consigo um quarto de hotel, reservas em avião ou uma mesa no restaurante. E o serviço é sempre bom.

Só isso? Sabe, não é preciso ser comparado a Bergman para conseguir uma mesa.

É. Uma das razões pelas quais não viajo mais é porque os paparazzi me incomodam. Essa é uma das desvantagens de ser muito conhecido.

Você tem mesmo mais liberdade para andar em Nova York do que em Roma?

Sim, ou Paris, com toda a certeza. Não há satisfação na fama. Quando você é garoto, acha que haverá. Mas assim que se torna adulto percebe que não há nada além de algumas coisas práticas como...

Conseguir uma mesa.

E ingressos para boas peças.

Como você prefere ser lembrado?

Alguém me perguntou uma vez se eu sonhava em viver no coração das pessoas e eu disse que preferia viver no meu apartamento. É o que eu gostaria.

Para sempre.

Exatamente. Nada menor que mudar a condição humana valeria a pena. Você cai morto um dia e significará menos que nada se um bilhão de pessoas estiverem cantando seu nome todo dia, o dia todo.

Ah, deixa disso.

Você nem saberia. Significaria menos que nada.

Você não gostaria que houvesse uma parada anual na Broadway em homenagem a Woody Allen?

Preferiria ter alguns anos extras de vida.

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