Com produção de Filiph Neo, o disco conta com o hit "Aceite-C"
Luciana Rabassallo Publicado em 10/04/2015, às 13h38 - Atualizado em 17/04/2015, às 22h30
"Oh this fag can rap? / Yeah they saying that they listening" (Ah, essa bicha pode fazer rap? / Sim, estão dizendo o que estão ouvindo), a letra de "Wavvy", do rapper norte-americano Mykki Blanco, embala a luta de outros artistas do gênero, que se irritam pelo fato da orientação sexual deles chamar mais atenção do que o trabalho em si.
O rap de Blanco, alter ego do cantor e poeta Michael David Quattlebaum, também é uma resposta para declarações recheadas de intolerância como a de Snoop Dogg que, durante uma entrevista ao site Huffington Post, afirmou que "não há espaço para gays no mundo do hip-hop".
Na esteira do pioneiro Mykki Blanco, uma onda de artistas gays como o duo nova-iorquino House of Ladosha, as lésbicas do Theesatisfaction e o transexual Rocco Katastrophe não planejam restringir o trabalho deles aos guetos gays e avançam com força em direção ao mainstream.
Um deles já chegou lá. Frank Ocean, membro do coletivo Odd Future (do qual também faz parte Syd tha Kid, que é abertamente lésbica), saiu do armário em junho de 2012, semanas antes de lançar o primeiro e elogiado álbum solo dele, Channel ORANGE, em que fala sobre o amor que sente por outro homem.
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O movimento, conhecido como “queer rap” – em português algo como “rap gay”, chegou ao Brasil em 2014 através das rimas, talento e coragem de Rico Dalasam - que, assim como os colegas norte-americanos, não quer apenas ser um "rapper gay". "Estou aqui, antes de qualquer coisa, porque eu me aceito como sou. Além disso, eu acho que o meu trabalho pode ajudar muitas outras pessoas a perceberem que os sentimentos delas são normais”, é assim que explica as letras que escreve.
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O EP de estreia do cantor, Modo Diverso, está disponível para download gratuito a partir desta sexta-feira, 10, através do blog Cultura de Rua, espaço dedicado ao hip-hop nacional no site da revista Rolling Stone Brasil. Com seis faixas, a temática do registro aborda, entre outras coisas, o amor entre dois homens e os preconceitos cotidianos. Clique AQUI para obter o EP Modo Diverso.
“Escrevo rimas desde os 12 anos de idade. O rap é o meu gênero favorito e é a música que eu sempre consumi. Mas, pelos temas das minhas letras, eu sempre achei que elas ficariam guardadas no fundo de uma gaveta.” Rico decidiu tirar a música dele do armário ao acompanhar o trabalho de artistas como Mykki Blanco e Angel Haze.
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Apesar de estar envolvido no meio hip-hop desde a adolescência, o Dalasam só teve coragem de mostrar o trabalho dele recentemente: “Eu sempre me perguntei em que momento a sociedade estaria preparada para ouvir a minha música e digerir o meu trabalho. Eu cansei de esperar e acho que esse momento chegou. Nunca sofri preconceito na cena rap, mas sei que quando as minhas rimas atingirem um público maior isso pode acontecer. Eu estou preparado. Essa é a minha hora!”.
Leia uma entrevista exclusiva com Rico Dalasam e Filiph Neo
Antes de mais nada, como você e o Filiph Neo se conheceram e começaram a trabalhar juntos?
Rico Dalasam: Em 2010, o Neo estava produzindo o disco de um amigo e ele [o amigo] me convidou para ir até o estúdio. Chegando lá, eu mostrei uma letra que tinha para o Neo. Na mesma hora ele criou uma batida para a faixa. Desde então, fizemos vários testes até chegarmos no EP.
Como foi o processo de produção do EP Modo Diverso?
Filiph Neo: Basicamente criamos tudo no meu home estúdio, o MutaSom. Todas as etapas, desde as gravações até a mixagem e a masterização. O Rico levava as rimas e toda essa atitude que ele tem e eu tentava sonorizar essas ideias dele, através da melodias, arranjos e batidas.
Rico Dalasam: Eu tinha um banco de rimas bem vasto com coisas que escrevo desde 2007, mas as letras e melodias das músicas do EP foram especialmente elaboradas para esse minha estreia. Temos outras músicas prontas, que eu devo lançar uma hora dessas.
Qual é o seu grande objetivo com esse EP?
Rico Dalasam: Começamos os trabalhos pensando em um disco que se chamaria Um Brinde a Quem Se Aceita. No caminho, vimos a importância que a narrativa estava ganhando. Por isso, achamos que seria mais prudente reduzir o disco e e fazer a mensagem chegar com mais força em um EP com aproximadamente 20 minutos. O objetivo é ressignificar a finalidade de um rap e disseminar ideias sobre um novo "senso de normatividade".
Quando você lançou "Aceite-C", há um ano, esperava que a canção tivesse esse repercussão?
Rico Dalasam: Nós sempre tivemos noção do barulho que faríamos e que "Aceite-C" seria a faixa perfeita para isso. A canção tem uma parte festiva que gosta de gritar "aceite-c", mas também tem um lado de confronto. Queríamos mesmo que isso fosse incomodo para algumas pessoas e que isso quebrasse alguns paradigmas. Felizmente, é o que tem acontecido.
Como surgiu a ideia de usar o sample de "O Mais Belo dos Belos", da Daniela Mercury?
Rico Dalasam: Eu sempre namorei com essa música. Eu a cantava no karaokê e imaginava que usar um sample dela seria o grito de liberdade que trago na minha sonoridade. Assim como Ilê Aiyê precisou gritar pela sua sobrevivência e resistência nas ruas de Salvador.
Acredita que o seu trabalho possa fazer o público LGBTS se aproximar do hip-hop?
Rico Dalasam: Tenho visto que ainda não é um rapper gay que vai arrastar uma multidão de gays pra um show de rap. Isso é muito binário e não combina com nós gays, mas com o decorrer da compreensão do público, da minha música, da minha voz, acredito que seja possível sim construir um ambiente homogêneo em que diversidade sexual será comum na plateia.
Você se incomoda com o título "rapper gay"?
Rico Dalasam: Não teria outra forma de isso acontecer aqui no Brasil. Eu sabia que, no começo, tudo o que falariam sobre mim viria com esse título. Mas eu sou um gay que faz rap. Eu não faço música especialmente para o público gay. Eu faço música e ponto. Quebrar essa norma é também uma tarefa dos rappers gay, que começou lá nos Estados Unidos. As pessoas ainda estão digerindo todas essas informações. Acredito que no futuro passaremos por essa curva e os próximos que vierem serão mais reconhecidos pela música do que pela orientação sexual.
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