Redação Publicado em 29/04/2012, às 11h18 - Atualizado em 30/04/2012, às 13h12
Por Cláudia Boëchat
Dramática, trágica, lírica. Visceral. Absolutamente teatral. Assim é Cida Moreira, que acaba de lançar um CD fascinante: A Dama Indigna. Apenas ela e seu piano dando uma interpretação única a canções de Gonzaguinha, Chico Buarque, Caetano Veloso, Toquinho e Guarnieri, Renato Barros e ainda de David Bowie, Tom Waits, Gershwin e até Amy Winehouse. Atrevida, né? Mas a interpretação dela de “Back to Black” é memorável. Todo o disco é muito bom. Ela conversou com a gente.
“Back to Black” (Amy Winehouse):
Cida Moreira é paulistana, casada pela segunda vez, viúva do pai de sua filha. Tem 60 anos e se orgulha da idade, já que, como ela mesma afirma: “Eu vivi esses sessenta anos todos”. Esse é o seu décimo CD. Cida começou cantando no rádio aos 6 anos. “Passei por todas as manifestações musicais possíveis até a universidade, quando me profissionalizei. Foi com uma peça na qual eu cantava. Sempre cantei em tudo que fiz, peças, filmes... Apenas em 1980 decidi fazer meu primeiro show cantando sozinha”, diz ela, em entrevista ao Blog de MPB da Rolling Stone Brasil. “Não me tornei cantora pra gravar disco. Tudo foi uma decorrência do que já vinha fazendo. Quis me tornar cantora pra cantar do mesmo jeito que fazia quando menina. A música é a minha vida. Em pessoas diferentes.”
“Sou Assim” (Toquinho e Gianfrancesco Guarnieri):
Além de shows e CDs, Cida passeou por outras artes, mas ressalta que a música sempre foi – e é – a base de tudo. Fez 11 filmes, quatro minisséries de TV, três novelas, incontáveis direções musicais em teatro e três direções gerais. Atualmente, tem se apresentado em turnê pelo país com o espetáculo Cabarecht, um musical baseado na obra de Bertolt Brecht que revisita os cabarés alemães das primeiras décadas do século XX. Dia 18 de maio estará em Brasília, na Sala Martins Penna.
Para Cida Moreira, música de cabaré é aquela que tem uma postura crítica, ironia, poesia e nenhum pudor. Cabaré não é bordel. “É onde se dança, se canta, se bebe, se ama e se choram as dores do homem”, ela afirma. “É o teatro cantado, o exagero, a poesia, a inteligência. Para ser de cabaré, uma música precisa refletir um homem e seu espírito”, acrescenta.
“Uma Canção Desnaturada” (Chico Buarque)
Voltando ao último CD dela, A Dama Indigna, nele ninguém palpitou. A artista fez tudo exatamente como quis, do seu jeito. Ainda bem! É ela quem direciona todo o seu trabalho musical. O álbum vem por um selo novo chamado Joia Moderna, do DJ Zé Pedro.
“Maior que o meu Amor” (Renato Barros):
Perguntei a ela qual era o espírito desse disco. “É uma espécie resumo da minha atuação artística nestes anos todos. Por isso, fiz só voz e piano, que é a forma original de cantar que desenvolvi. As músicas foram escolhidas ao longo do tempo, pelas minhas buscas e pelo que elas significam pra mim. Isto acontece em todos os trabalhos que faço.” E piano e voz são mais do que suficientes para passar toda a grandeza de cada canção escolhida por ela.
“Tango ‘Till They’re Sore” (Tom Waits):
“Creio que todas as músicas têm essa expressão do teatro, que é valorizar a palavra, deixar claras as intenções do que você sente ao cantar aquela canção e, principalmente, não apenas entoá-la; acrescentar sua alma a ela. Isso é teatro.” Ao final deste post, leia o poema “A Dama Indigna”, escrito por Marcelo Marcus Fonseca para Cida.
“O Ciúme” (Caetano Veloso):
A Dama Indigna
(Marcelo Marcus Fonseca para Cida Moreira)
Diziam que ela cantava.
Mas não era da boca
O som que eu ouvia
Não era sol que surgia
Não era a voz que encantava.
Ela dizia que era ridícula
Isso eu posso dizer por mim,
Eu atesto e dou fé,
Porque gostar de Brecht até
Se entende,
Mas gostar de mim?
Juro que não conheço
Uma pessoa tão ridícula assim!
Diziam que era cantora
Mas eu só via a pessoa.
Ela tinha uma música
Que vinha das mãos
Não porque os dedos
Rebatiam fortes nas teclas
Do piano recheado de lembranças
Sem espaço no canto
Para mentir pro coração,
Coração que trocou de lugar
E eu via na ponta dos dedos!
Diziam que sua voz cortava.
Nem isso...
Sua voz navegava
E naufragava em uma estrutura
Diferente do mundo macroscópio.
Mas as mãos regiam.
Mas não como a orquestra,
Ela parecia reger o palpável
Grossamente amável
Com cretinos como ela
Que se olhavam no espelho
Enquanto mentiam.
Acho que era moça, acho
Acho que era velha, acho que era puta,
Mas acho que mesmo puta
Era donzela.
Às vezes, parecia o vento
Segurando uma espada,
Às vezes, um mar furioso,
Ou um Palácio da Esplanada,
Às vezes, não parecia nada.
Diziam que era bem humorada.
Quem disse?
Diziam que não valia nada
Como um cachorro do mato,
E só por força da rima,
Me digam quem disse,
Porque esse, eu mato!
Mas era cretina,
Perpétua, Ardilosa
Que obrigava a rimar quem não tinha rima,
De uma astúcia cruelmente generosa.
Diziam que ela tinha seus sonhos
Mas sempre foi muito cautelosa.
Talvez porque não sonhasse
Acordada como eu. Mas eu só
sonho acordado porque sou ateu.
Mas diziam, diziam...
Todos sempre dizem.
E como disse Ataulfo Alves,
"A maldade nessa gente é uma arte."
Por isso diziam. E é o aspecto mais complicado:
Se ainda dizem, não mais escuto
E finjo, muito surdo, e delicado,
Porque diziam e eu não escutei no passado.
Essa safada
Tem rimas imperfeitas,
Graças a Deus!
Senão onde mais eu encontraria
Uma voz que canta pelos
Olhos dos outros,
Que não sai dela,
Dando a impressão que seus cantos são meus?
“Palavras” (Gonzaguinha):
Para falar com Cláudia Boëchat, envie e-mail para claudia.boechat@rollingstone.com.br
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