Anora, Ainda Estou Aqui, Maria Callas e mais destaques da 48ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, que acontece até 30 de outubro - Divulgação
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Anora, Maria Callas e mais destaques da 48ª Mostra de SP para ficar de olho

A 48ª edição do festival de cinema chegou ao fim nesta semana, mas deixou uma leva de filmes nacionais e internacionais para não perder de vista

Angelo Cordeiro (@angelocinefilo) Publicado em 03/11/2024, às 12h00

A 48ª edição da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, uma das mais tradicionais da América Latina, chegou ao fim nesta semana, mas deixou uma leva enorme de filmes nacionais e internacionais para não perder de vista nos próximos meses. A seguir, confira uma seleção com os destaques escolhidos por CineBuzz e Rolling Stone Brasil, com comentários do repórter Angelo Cordeiro, que assistiu às produções:


Anora

Do que se trata? O longa retrata a vida de Anora (Mikey Madison, Pânico), uma jovem stripper que, assim como num conto de fadas, tem a grande chance de mudar o seu destino ao conhecer o herdeiro de um oligarca russo. Os dois acabam se casando impulsivamente, mas o romance começa a ruir quando a notícia chega aos ouvidos dos pais do rapaz, na Rússia.

Breve comentário: Um dos destaques na programação da 48ª edição da Mostra de São Paulo, Anora, novo filme de Sean Baker (Projeto Florida) e vencedor da Palma de Ouro no Festival de Cannes deste ano, desperta uma curiosidade: o que pode tê-lo feito ganhar o prêmio máximo de um dos festivais mais celebrados do ano?

À primeira vista, não é absurdo classificar Anora como uma comédia romântica, já que os elementos típicos das comédias de casais que se apaixonam e vivem um romance inesperado estão ali.

No entanto, o conto de fadas idealista, que serve de pano de fundo da grande maioria das fitas do gênero, vai se revelando às avessas ao fugir dos clichês e ir abraçando cada vez mais o caos em uma trama imprevisível. Leia a crítica completa de Anora, novidade de Sean Baker, clicando aqui.


Maria Callas

Do que se trata? A tumultuada, bela e trágica história da vida da maior cantora de ópera do mundo, Maria Callas (1923-1977), revivida e reimaginada durante seus últimos dias na Paris dos anos 1970.

Breve comentário: O mais interessante das cinebiografias que Pablo Larraín dirige é que ele não tem compromisso algum em reproduzir tópicos de Wikipédia ou em traduzir personas míticas a partir de "fatos", coisa que muitos buscam em obras assim - na verdade, eles as desconstrói.

Após Jackie (2016), sobre a ex-primeira dama Jacqueline Kennedy, e Spencer (2021), sobre a princesa Diana, Larraín agora pega um corte muito específico da vida da soprano Maria Callas e nos joga nos devaneios da mente da cantora em seus últimos dias de vida.

Se o que vemos é verdade ou não, pouco importa, pois o interesse de Larraín em ligar o holofote em Angelina Jolie e persegui-la com sua câmera é um exercício de proximidade diante de uma grande atriz e de empatia com Maria.


Ainda Estou Aqui

Do que se trata? Baseado no livro homônimo de Marcelo Rubens PaivaAinda Estou Aqui é ambientado no Rio de Janeiro, no início dos anos 1970, em meio à ditadura militar, e conta a história de Eunice Paiva, mãe de cinco filhos, que se envolve em uma busca infindável pela verdade após o seu marido, Rubens Paiva, ser levado por policiais à paisana e desaparecer.

Breve comentário: Ainda Estou Aqui vem na esteira de uma produção cinematográfica consistente, que, nas últimas décadas, tem acertado ao representar a desolação que o período da Ditadura Militar imprimiu ao país. Seja em documentários como Cabra Marcado Para Morrer (1984), de Eduardo Coutinho, ou em obras baseadas em fatos reais, como Marighella (2019), de Wagner Moura, ou O Que É Isso, Companheiro? (1997) — que já contara com Selton Mello e Fernanda Torres no elenco —, são inúmeros os exemplos das histórias contadas sobre aqueles afetados pelo autoritarismo da época no país. 

Centrado no efeito do poder aterrorizante, onipresente e sem rosto definido dos militares sobre a sociedade brasileira de 1964 até os finais dos anos 1980, o filme percorre a conhecida história da família Paiva, que teve o pai, o ex-deputado Rubens Paiva, desaparecido após ser levado de casa por soldados do exército brasileiro em janeiro de 1971.

Apesar da história trágica, o longa de Salles não força uma resposta emocional do público; ao contrário, a contenção nas atuações e na direção cria uma cumplicidade com os personagens, permitindo que o público sinta a arbitrariedade da vida e do poder. O filme também se destaca por sua abordagem única, que contrasta com a fragmentação da narrativa típica das produções modernas. Em tempos de streaming e conteúdo rápido, Ainda Estou Aqui propõe uma experiência cinematográfica que valoriza o tempo e a profundidade, permitindo que o público se conecte verdadeiramente com os personagens e suas histórias.


Baby

Do que se trata? Após ser liberado de um centro de detenção juvenil, Wellington (João Pedro Mariano), 18 anos, se vê sozinho e perdido nas ruas de São Paulo, sem nenhum contato com os pais ou recursos para reconstruir a vida. Ele encontra Ronaldo (Ricardo Teodoro), um garoto de programa mais velho, que lhe ensina novas formas de sobrevivência. Gradualmente, a relação entre os dois se transforma em uma paixão conflituosa.

Breve comentário: Baby é um conto urbano queer que contrasta com Anora. Enquanto o vencedor da Palma de Ouro acompanha uma jovem profissional do sexo, que vive um conto de fadas às avessas regado a muito dinheiro e viagens, Baby faz com que seu protagonista, vivido por João Pedro Mariano, seja obrigado a vender seu corpo em uma cidade onde muitos dizem não existir o amor para sobreviver.

Baby encontra esse sentimento na figura protetiva e professoral de Ronaldo (Ricardo Teodoro), um michê que lhe ensina como ganhar o de cada dia nesta São Paulo nada gentil com seus rejeitados e invisíveis. Violência, crime e drogas estão ali compondo as ruas, prédios e vidas da metrópole cinzenta, mas Baby fascina mesmo pelas idas e vindas desse casal que pulsa cor, romance e verdade em suas atitudes, por mais explosivas que elas sejam. Existe, sim, amor em SP.


O Brutalista

Do que se trata? O filme narra a jornada do arquiteto judeu nascido na Hungria László Tóth, que migra para os Estados Unidos em 1947. Inicialmente forçado a lidar com a pobreza, ele logo ganha um contrato que mudará a sua trajetória pelos próximos 30 anos.

Breve comentário: O Brutalista tem um senso épico desde a cena de abertura. A duração de quase 4 horas também dá o tom da grandiosidade do filme de Brady Corbet (Vox Lux), tal qual as obras do arquiteto László Tóth, vivido por Adrien Brody, excelente no papel.

É mais um daqueles retratos da América, que se diz democrata e progressista, mas que é republicana e reacionária até o talo. Não duvido que chegue bem forte ao Oscar. Um ano depois da vitória de Oppenheimer, é um filme que compartilha de muitos elementos desse, da trilha incisiva e constante à obsessão do protagonista. Além disso, tem a cara de que pode agradar à Academia.


Malu

Do que se trata? Malu é uma mulher de meia-idade, que teve um passado glorioso e agora está presa em um grande caos existencial. A complexa relação com sua mãe conservadora e sua filha torna a crise ainda mais aguda, entre momentos de carinho e alegria entre as três.

Breve comentário: Pedro Freire surpreende com a maturidade cinematográfica que atinge em sua estreia na direção de longas com Malu. A comparação feita por uns com o estilo de John Cassavetes não é exagero.

O uso das elipses é exemplar e a condução do elenco idem. O trio formado por Juliana Carneiro da Cunha, Yara de Novaes e Carol Duarte — avó, mãe e neta, respectivamente — possui intensidade, personalidade e convicções geracionais que as coloca em conflito constante sem que percam a sensibilidade e o humor.

Poderia dar muito errado pois, além de ter três atrizes grandiosas se digladiando em frente à câmera, toca em temas bastante delicados em pouquíssimo tempo, como saúde mental, o ciclo de violência que passa de geração pra geração, além de ser um projeto pessoal de Pedro como forma de homenagem à sua mãe. Ainda bem que é um filmaço.


Favoriten

Do que se trata? A diretora Ruth Beckermann passou três anos acompanhando uma turma de estudantes do ensino fundamental, com idades entre sete e dez anos, e sua dedicada professora, em uma grande escola primária no bairro de Favoriten — local multiétnico e tradicionalmente operário de Viena.

Mais de 60% dos alunos das instituições primárias vienenses não têm o alemão como primeira língua e o sistema enfrenta uma grave escassez de docentes. Conhecemos as crianças como indivíduos à medida que aprendem, crescem e se desenvolvem durante o período que antecede o último ano da escola primária, momento que terá um impacto decisivo no futuro de cada uma delas.

Breve comentário: Muitas das crianças no documentário são oriundas de famílias de imigrantes, o que faz da escola retratada um microcosmo da Europa atual: preconceito, racismo e xenofobia estão ao centro do debate. Ótima e explicativa a cena em que a professora questiona o garoto da Macedônia dizendo que, para ele, só é aceitável bater em um estranho, pois ele nunca vivenciou uma guerra em seu país. Essencial nos dias de hoje.


Dahomey

Do que se trata? Novembro de 2021. Vinte e seis relíquias do Reino do Daomé estão prestes a deixar Paris para regressar ao seu país de origem, a atual República do Benim. Os artefatos, assim como milhares de outras peças, foram saqueados pelas tropas coloniais francesas em 1892.

Mas qual postura adotar em relação ao retorno dessas obras ancestrais a uma nação que precisou se construir na ausência delas? Enquanto o espírito desses itens é libertado, o debate sobre o tema se intensifica entre os estudantes da Universidade de Abomey-Calavi.

Breve comentário: O melhor em Dahomey é que, mesmo em um documentário, a sempre inventiva Mati Diop (Atlantique) utiliza de elementos da ficção para dar voz e personalidade a uma entre tantas de obras de arte que são devolvidas ao Benin (antigo Reino do Daomé) após terem sido roubadas pelos colonizadores franceses e passarem centenas de anos longe de onde nunca deveriam ter saído. É a história ganhando novos capítulos e debates atuais e relevantes sendo fomentados a partir dela.


Grand Tour

Do que se trata? Rangum, Birmânia, 1918. Edward, um funcionário público do Império Britânico, foge da noiva, Molly, no dia em que ela chega para o casamento. Durante suas viagens, porém, o pânico dá lugar à melancolia.

Contemplando um vazio existencial, o covarde Edward se questiona sobre o que terá acontecido com Molly. Desafiada pelo desaparecimento do noivo e decidida a se casar com ele, a mulher segue o seu rastro em fuga em um grand tour asiático.

Breve comentário: O longa começa muito bem, mas a segunda metade da história fica meio repetitiva. Além do mais, tem estilos demais sendo aplicados e coisas demais acontecendo ao mesmo tempo num vai e vem cansativo: a homenagem ao cinema mudo, a contemporaneidade do trânsito, o kung fu, o voice over, o preto e branco da fotografia, o romance de desencontros, o olhar exótico para os povos orientais, e tudo isso não casa muito bem. É barulho demais quando a história que mais interessava, a do noivo em fuga, pedia mais silêncio.


Memórias de Um Caracol

Do que se trata? Grace Pudel é uma garota solitária, que coleciona caracóis ornamentais e tem um enorme amor pelos livros. Ainda muito jovem, Grace foi separada do irmão gêmeo, o pirofagista Gilbert, e a partir daí, entrou em uma espiral contínua de ansiedade e angústia. Apesar dessas inúmeras dificuldades, a menina volta a encontrar inspiração e esperança quando inicia uma amizade duradoura com uma idosa excêntrica chamada Pinky, repleta de coragem e desejo de viver.

Breve comentário: Pra quem conhece o Adam Elliott, também diretor de Mary & Max, sabe para onde Memórias de Um Caracol vai. A animação é belíssima e a história melancólica caminha muito bem até cair na armadilha de ser autoajuda logo após criticar a autoajuda. Fora que apela demais para um final feliz à la Disney que me incomodou bastante. Fofinho, mas bem aquém do anterior do cineasta. 


O Senhor dos Mortos

Do que se trata? Karsh tem 50 anos e é um empresário renomado. Inconsolável desde a morte da esposa, ele inventa a GraveTech, uma tecnologia revolucionária e controversa que permite aos vivos monitorar entes queridos em suas mortalhas. Certa noite, vários túmulos são violados, incluindo o da companheira falecida de Karsh. Ele, então, sai à procura dos culpados.

Breve comentário: Pelo final parece um filme que não vai a lugar nenhum, mas o que David Cronenberg faz nesse filme, que era pra ter sido o piloto de uma série abandonada pela Netflix, é explorar temas já vistos antes em sua filmografia, como casais em conflito, o uso da tecnologia no dia a dia e o seu avanço — aqui no campo da IA —, o fetiche mórbido de observar um corpo em decomposição, e muita teoria da conspiração que, em específico, dá um tempero absurdamente ácido para esse sci-fi que mais diverte do que busca ser profundo. 


Vermiglio

Do que se trata? Em Vermiglio, uma aldeia no alto dos Alpes italianos, a guerra surge durante o ano de 1944 como uma ameaça distante, porém, bastante presente. A chegada de Pietro, um soldado desertor, transforma a dinâmica familiar do professor local, mudando-a para sempre.

Durante as quatro estações que marcam o final da Segunda Guerra Mundial, Pietro e Lúcia, a filha mais velha do docente, se apaixonam de maneira arrebatadora, o que desencadeia consequências inesperadas. À medida que o mundo ressurge da tragédia, a família começa a enfrentar a própria ruína.

Breve comentário: Ainda que trate de um tema bastante batido, o das mulheres oprimidas por uma sociedade patriarcal, Maura Delpero consegue imprimir personalidade ao seu Vermiglio. Lembra o Entre Mulheres em algum nível, tanto pelo tema quanto pela condução do grande elenco. Destaque para as crianças, que roubam a cena e nos permitem rir com sua inocência em um filme consideravelmente sério.

Embora a direção de Delpero seja mais contida e protocolar que a de Sarah Polley em Entre Mulheres, gosto como Vermiglio é menos verborrágico e sem grandes discursos prontos (não me entendam mal, adoro Entre Mulheres), justamente por lançar esse olhar para personagens que ainda não entendem muito da vida mas que já sofrem pelo ambiente em que estao inseridas, mesmo sem entender aonde estão sendo levadas.


Onda Nova - Gayvotas Futebol Clube

Do que se trata? Acompanhamos as histórias das jogadoras do Gayvotas Futebol Clube, um time feminino formado em 1983, em plena ditadura militar, ano em que o esporte foi regulamentado para as mulheres no Brasil, após ter sido banido por quatro décadas. Com o apoio de renomados jogadores da época, como Casagrande, Pita e Wladimir, elas enfrentam os preconceitos de uma sociedade conservadora. Paralelamente, lidam com problemas pessoais e se preparam para um simbólico jogo internacional contra a seleção italiana.

Breve comentário: Só por ser uma obra que sobreviveu à censura da ditadura militar, Onda Nova já vale a visita. A restauração está excelente, além disso, Onda Nova ecoa no tempo ao lidar com temas que até hoje estão em voga, como o direito ao aborto e o futebol feminino - que chegou a ser proibido por aqui. Se tropeça em alguns momentos em uma estrutura que nem sempre se interessa pela ordem, é justamente por essa sua rebeldia que Onda Nova brilha.


Observadora

Do que se trata? Frankie é uma jovem mãe com discronometria, condição que não a deixa perceber com exatidão a passagem do tempo. Usando fitas cassete para ajudá-la a se orientar, ela acaba aceitando um trabalho arriscado oferecido por uma mulher misteriosa, tudo para sustentar a família, mas sem saber das terríveis consequências que a esperam.

Breve comentário: É o tipo de filme que passa despercebido em festivais porque não tem cara de que seria selecionado para nenhum deles. Um thriller à moda Supercine sem uma temática contemporânea como pano de fundo e o diretor Ryan J. Sloan, em sua estreia, não é do tipo que chega com os dois pés na porta, realizando uma fita do gênero que se sustenta mais pelo suspense e curiosidade por seu fim do que pelas tentativas aleatórias de imputar elementos do horror.

Mesmo parecendo que poderia se perder no meio de uma trama cheia de mistérios, que sempre nos deixa um passo atrás, é interessante acompanhar a jornada da protagonista que, desesperada por dinheiro, se envolve em uma trama criminal e faz de tudo para livrar sua pele. Lembra muito O Fugitivo, com Harrison Ford, logicamente, aquém desse, mas, ainda assim, efetivo naquilo que se propõe.


The Surfer

Do que se trata? Um homem retorna à praia onde passava a infância para surfar com o filho. Porém, depois de ser humilhado por um grupo de influentes moradores locais, ele se vê arrastado para dentro de um conflito que aumenta com o calor torturante do verão, fazendo-o chegar até o limite.

Breve comentário: Nicolas Cage is... The Surfer. Ele também é um pai que decide levar seu filho para surfar na praia australiana em que ele cresceu. Outro plano é comprar a casa de sua infância. No entanto, o que parecia ser um tempo para relaxar neste paraíso idílico, logo se transforma em um pesadelo, isso porque uma gangue de surfistas, que tá mais pra uma seita, impede que visitantes surfem ali. Temos o Nicolas Cage de O Sacrifício de volta. O diretor tem consciência do ridículo de muitas das situações e basta ao espectador comprar ou não a ideia. Eu comprei e me diverti.


Sol de Inverno

Do que se trata? Em uma pequena ilha japonesa, a vida gira em torno das mudanças das estações. O inverno é época de hóquei no gelo na escola, mas Takuya não demonstra muita animação com isso. O verdadeiro interesse do garoto está em Sakura, uma estrela em ascensão da patinação artística de Tóquio, por quem ele desenvolve um fascínio genuíno. Arakawa, treinador e ex-campeão da modalidade, vê potencial em Takuya e decide orientá-lo para formar uma dupla com Sakura para uma competição que acontecerá em breve. Enquanto o inverno se prolonga, os sentimentos se aprofundam, e os dois jovens criam um vínculo harmonioso. Mas até mesmo a primeira neve acaba derretendo.

Breve comentário: Sensível de tudo, Sol de Inverno é o tipo de filme que se destaca por sua ternura nessa Mostra. Diante de uma seleção repleta de obras com temáticas urgentes, postulantes a prêmios e outras que já chegam com um retrospecto de premiações, esse pequeno e singelo filme se destaca pelo que de mais belo há no cinema - e na infância.

Gosto do "plot twist" que traz uma certa maturidade ao filme, embora não seja tão bem desenvolvido - faltou coragem - ainda consegue fugir um pouco do caminho mais óbvio para o qual a história parecia rumar.


Trilogia Silenciosa

Do que se trata? Três curtas-metragens que funcionam como uma homenagem ao cinema mudo, escritos e dirigidos por Juho Kuosmanen: “Romu-Mattila e Uma Mulher Bonita” (2012), “Os Destiladores” (2017) e “Um Planeta Distante” (2023). Nesses retratos de diferentes personagens, de párias sem futuro, passando por vendedores clandestinos de bebidas ilegais e um porco, o filme fala sobre o fim de tudo e as tentativas extraordinárias de sobreviver a isso.

Breve comentário: A divertida Trilogia Silenciosa de Juho Kuosmanen, diretor de Compartment no. 6, é um exercício de homenagem à era muda do cinema que nitidamente emula alguns aspectos daquela época. Embora não seja tão assertiva em tudo, vale a distração por uma hora em meio a tantos filmes mais compromissados com seus temas do que com a estética em si.


Pequenas Coisas Como Estas

Do que se trata? É a véspera do Natal de 1985 em uma pequena cidade no condado de Wexford, na Irlanda. Bill Furlong (Cillian Murphy) trabalha arduamente como vendedor de carvão para sustentar a si mesmo, a esposa e as cinco filhas. Certa manhã, durante uma entrega no convento local, ele faz uma descoberta que o força a enfrentar o passado e a cumplicidade silenciosa de uma cidade controlada pela Igreja Católica. Baseado no romance homônimo de Claire Keegan.

Breve comentário: Insosso, Pequenas Coisas Como Estas é um filme que tem um ótimo tema em mãos, mas que não faz nada com ele. Não funciona enquanto denúncia e nem desenvolve o personagem de Cillian Murphy, que passa boa parte do tempo com uma cara entristecida. 


Phantosmia

Do que se trata? Hilarion Zabala tem um misterioso problema olfativo. Uma psiquiatra suspeita que ele sofra de fantosmia, condição que o faz sentir cheiros fantasmas, provavelmente causados por traumas do passado. Ela recomenda um tratamento radical, e Hilarion se alista no Exército para reviver e lidar com questões mal resolvidas que datam da época em que foi soldado. Transferido para a remota Colônia Penal de Pulo, Hilarion também deverá enfrentar as terríveis realidades da situação presente.

Breve comentário: Parece um Lav Diaz mais contido, que não atinge o potencial de tudo que está ali, o que por um lado é bem ruim, dado que são 4 horas de duração. Fora que parece resolver seu principal dilema de forma muito abrupta, sem impacto. Apesar disso, é belamente filmado, como era de se esperar do diretor.


No Other Land

Do que se trata? Basel Adra é um jovem ativista palestino de Masafer Yatta que luta desde a infância contra a expulsão em massa da sua comunidade pela ocupação israelense. Basel documenta o apagamento gradual do local, ao mesmo tempo em que os soldados destroem casas de famílias, no maior ato de transferência forçada já realizado na Cisjordânia ocupada. O caminho de Basel se cruza com o de Yuval, um jornalista israelense que se junta à sua causa, e, no decorrer de metade de uma década, eles lutam contra a expulsão enquanto se aproximam. Esse vínculo complexo é assombrado pela extrema desigualdade entre os dois: Basel vive sob uma brutal ocupação militar, e Yuval vive livre e sem restrições. O filme foi realizado por um coletivo palestino-israelense de quatro ativistas, cocriado durante os tempos mais sombrios e aterrorizantes da região.

Breve comentário: Documentário que mostra uma perspectiva um pouco diferente da guerra entre Palestina e Israel. Aqui, acompanhamos Basel, morador de Masafer Yatta, local que há décadas vem sendo invadido e tendo as moradias destruídas por soldados e colonos israelenses que pretendem usar a área para treinamentos de guerra.

No meio desse conflito e do ativismo para lutar contra o apagamento do local em que nasceu, surge a parceria com o jornalista Yuval. Senti que o filme lança um olhar homoerótico para a relação de ambos, na medida que isso é possível de ser mostrado.

Desolador e revoltante, No Other Land é daqueles que merece ser visto. A cena dentro do carro em que Basel diz que Yuval está muito entusiasmado e quer resolver tudo em 10 dias para ir embora escancara a forma com que aquele povo lida com um medo diário e a incerteza se irão acordar no dia seguinte. "Você é um perdedor, tem que se acostumar a perder".


Oeste Outra Vez

Do que se trata? No sertão de Goiás, homens brutos que não conseguem lidar com as próprias fragilidades são constantemente abandonados pelas mulheres que amam. Tristes e amargurados, eles se voltam violentamente uns contra os outros.

Breve comentário: Oeste Outra Vez desconstrói o faroeste de homens brutos com pistolas imponentes nas mãos expondo eles como frágeis, carentes e incapazes de falar sobre seus sentimentos. 


Misericórdia

Do que se trata? Jérémie volta à sua cidade natal para o funeral do seu primeiro patrão, o padeiro do vilarejo. Ao chegar, ele decide permanecer por mais algum tempo ao lado de Martine, a viúva do homem. Essa presença, no entanto, acaba perturbando o ambiente ao criar uma desavença com o filho da mulher, Vincent. Um misterioso desaparecimento, um vizinho ameaçador e o padre local com estranhas intenções fazem a estadia de Jérémie tomar um rumo inesperado.

Breve comentário: Saltburn e Teorema encontram o cinismo dos irmãos Coen nesse filme inclassificável de Alain Guiraudie. Tá mais pra uma comédia de absurdos e o gozado é que nem começa assim. De início pincela um drama sério que parece rumar para nos mostrar o que há de misterioso na volta de Jérémie ao vilarejo em que cresceu. Não! Uma reviravolta muito inesperada (evite ler muito sobre ele por aí) faz tudo ser abalado e o filme abraça de vez o cômico, não escrachado, mais pelo incômodo ou pela forma com que brinca com a moral e a ordem das coisas. Gosto de como a pessoa que deveria ser a mais espiritual de todas, ao mesmo tempo é uma das mais impiedosas. Excelente atuação de Jacques Develay.


Os Enforcados

Do que se trata? Em um Rio de Janeiro tomado pelo crime, o casal Valério (Irandhir Santos) e Regina (Leandra Leal) se vê envolvido em dívidas e traições herdadas da família de Valério. Uma noite, eles encontram o plano perfeito. Mas, ao executá-lo, são sugados por uma espiral de violência que parece não ter fim.

Breve comentário: Fernando Coimbra volta ainda mais afinado do que no pesado O Lobo Atrás da Porta para nos jogar em uma comédia de erros à la irmãos Coen que só poderia se passar no Brasil. Milícia, crime, maracutaias, samba, traições, jogo do bicho, esoterismo numa trama que vai escalonando até deixar os protagonistas sem saída. Leandra Leal dá um show.


Filhos

Do que se trata? Eva é uma agente penitenciária idealista que enfrenta um dilema quando um jovem que faz parte de seu passado é transferido para a prisão onde ela trabalha. Sem revelar esse segredo, ela pede para ser alocada no bloco do rapaz, o mais violento da instituição. E assim começa um perturbador thriller psicológico, em que o sentido de justiça de Eva coloca a sua moralidade e o seu futuro em jogo.

Breve comentário: O novo filme de Gustav Möller, diretor de Culpa, foi me perdendo aos poucos. Começa bem com seu ritmo cadenciado revelando aos poucos o porquê da obsessão de uma agente carcerária com a chegada de um novo detento na prisão em que ela trabalha. No entanto, as situações que vão sendo criadas para que ela e ele "acertem as contas" extrapolam os limites do crível. Para uma simples agente, Eva consegue muitos momentos a sós com um preso considerado imprevisível. Além disso, o fator que liga ela ao detento não ganha a devida atenção, mais um motivo para indicar a fragilidade da história e forçar o espectador a relevar coisas demais.


Herança

Do que se trata? Ao receber a notícia da morte de sua mãe, Thomas retorna ao Brasil com o namorado, Beni, e descobre ser o único herdeiro de uma casa no interior que pertencia a uma avó que nunca chegou a conhecer. Curioso para se reconectar com a história da família, Thomas, na companhia de Beni, visita a propriedade, onde é recebido por duas tias que o tratam como um filho há muito perdido. Enquanto Thomas fica cada vez mais encantado com o lugar, Beni começa a desconfiar que algo maligno se esconde debaixo da fachada de uma vida tranquila no campo.

Breve comentário: Difícil não se lembrar do cinema de Walter Hugo Khouri (As Deusas) com este A Herança, a história de um casal de namorados que decide visitar a casa herdada por um deles antes de vendê-la. O diretor João Cândido Zacharias gasta a primeira hora muito bem, envolvendo mistérios e elementos do terror de seita. Ao final, ele até abraça um terror mais direto, mas sem fugir da mesmice do gênero.


O Mundo de Apu

Do que se trata? O capítulo final da trilogia de Apu encerra a jornada do protagonista que acompanhamos desde a infância. Apu está agora com 20 e poucos anos, saiu da faculdade e espera conseguir viver como escritor. Porém, ele está desempregado e mora em um quarto alugado em Tala, Calcutá. Junto das ambições profissionais, vemos o despertar amoroso do rapaz, que acontece como consequência de uma reviravolta bastante improvável em sua vida, e sua eventual e inesperada paternidade.

Breve comentário: O Mundo de Apu encerra a trilogia de Apu de Satyajit Ray. Após acompanharmos a infância e a adolescência de nosso herói, agora chegamos à vida adulta, na qual tudo o que ele viveu irá se refletir em sua formação enquanto homem. A tradição, da qual Apu sempre fugiu em busca de olhar para o progresso, lhe aparece na forma do amor. Um casamento inesperado faz com que Apu se apaixone. É um filme romântico, mas também melancólico. A dor, o sofrimento e a pobreza, parceiras inegáveis de Apu, continuam a acompanhá-lo. É um neorrealismo que encanta não por expor as mazelas sofridas pelo protagonista, mas por aproximá-lo de nós a partir de suas dores, receios e sensações. O final é belíssimo.


O Clube das Mulheres de Negócios

Do que se trata? Ambientado em um mundo imaginário onde os estereótipos de gênero estão invertidos. Durante um dia de folga do clube de campo, frequentado por poderosas mulheres de negócios, enquanto as sócias almoçam, três onças escapam do onçário onde vivem. A partir daí, começa um jogo de negação, mentiras e ataques que pode acabar mal.

Breve comentário: A ideia da caricatura de inverter os papéis de mulheres e homens funciona bem até a primeira página, depois, é uma sucessão de bobagens que vai perdendo a graça e a força. Ainda fecha com um final super expositivo que tenta mostrar como tudo é super genial e disruptivo. Mas não.


Através do Fluxo

Do que se trata? Uma professora chamada Jeonim pede ao tio para dirigir uma esquete teatral que será apresentada pelo departamento da universidade onde ela leciona. Todos os dias, Jeonim vai até um riacho próximo para fazer esboços e tentar compreender os padrões do fluxo de água. Seu tio aceita assumir o espetáculo por causa das lembranças de já ter dirigido uma dramatização assim na mesma universidade, 40 anos atrás. Um escândalo surge entre os estudantes, e Jeonim e o tio acabam se vendo envolvidos.

Breve comentário: Não sou um entusiasta de Hong Sang-soo, no entanto, por vezes me permito a assistir a algumas de suas obras, principalmente em festivais. A sessão de Através do Fluxo foi bem divertida. É realmente interessante como seus filmes empolgam o público. Bem da verdade que este aqui é bem engraçado, talvez o mais cômico dele que já vi. Em diversos momentos, parece que Hong Sang-soo está encontrando desculpas para mostrar seus personagens bebendo e comendo. No entanto, é exatamente em tais momentos que seu cinema mais se revela. Conhecemos os personagens quando eles estão em tais atividades, compartilhando, se abrindo, se expondo para eles e para nós. A cena do professor com as alunas recitando poesias sobre as pessoas que gostariam de ser é uma das mais bonitas do ano.


Dying - A Última Sinfonia

Do que se trata? Os Lunies não são mais uma família há muito tempo. Lissy, na casa dos 70 anos, fica aliviada quando Gerd, seu marido que lentamente definha devido à demência, é colocado em uma casa de repouso. Mas a recém-descoberta liberdade da septuagenária dura pouco quando sua própria saúde sinaliza que ela não tem mais muito tempo. Seu filho Tom é um maestro que está trabalhando em uma composição sobre a morte, enquanto sua ex-namorada, Liv, quer que ele seja o pai de seu filho. Ellen, a irmã de Tom, começa um caso com um homem casado e com quem compartilha a predileção pelo álcool. Quando a Morte finalmente bate à porta, os Lunies terão uma oportunidade para se reencontrar.

Breve comentário: Existe uma certa ironia no ar em Dying - A Última Sinfonia. Isso porque, apesar do filme alemão lidar com a morte a todo instante a partir das histórias de personagens que, ou não conseguem mais se virar sozinhos, ou estão cercados de pessoas suicidas ou que vivem a vida como se cada dia fosse o último, há muito humor no trato dos membros dessa família - os Lunies. É irônico como a morte - ou a proximidade dela - é quem os une de alguma forma. Dividido em capítulos, cada qual dando conta de um dos Lunies, Dying mergulha nos dilemas, sutilezas e particularidades de cada personagem, sempre com a morte, a vida, o amor, o sexo e a arte, por meio da música, rondando eles. Por mais que a morte esteja ali presente, quase ganhando forma, há um prazer pela vida e também uma ode à beleza de se despedir dela.

Especial de cinema da Rolling Stone Brasil

O cinema é tema do novo especial impresso da Rolling Stone Brasil. Em uma revista dedicada aos amantes da sétima arte, entrevistamos Francis Ford Coppola, que chega aos 85 anos em meio ao lançamento de seu novo filme, Megalópolis, empreitada ousada e milionária financiada por ele próprio.

Inabalável diante das reações controversas à novidade, que demorou cerca de 40 anos para sair do papel, o cineasta defende a ousadia de ser criativo da indústria do cinema e abre, em bom português, a influência do Brasil em seu novo filme: “Alegria”.

O especial ainda traz conversas com Walter Salles, Fernanda Torres e Selton Mello sobre Ainda Estou Aqui, um bate-papo sobre trilhas sonoras com o maestro João Carlos Martins, uma lista exclusiva com os 100 melhores filmes da história (50 nacionais, 50 internacionais), outra lista com as 101 maiores trilhas da história do cinema, um esquenta para o Oscar 2025 e o radar de lançamentos de Globoplay, Globo Filmes, O2 Play e O2 Filmes para os próximos meses.

O especial de cinema da Rolling Stone Brasil chega às bancas de jornais em novembro, mas já pode ser comprada em pré-venda na loja da editora Perfil por R$ 29,90, com envios a partir de 6 de novembro.

 

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