- Hannah Gutierrez e Alec Baldwin são dois dos indiciados por tragédia em set de 'Rust' (Reprodução/Divulgação)
Tragédia

Armeira de filme com Alec Baldwin começa a ser julgada por tragédia fatal em set; conheça detalhes do caso

Ator e armeira são acusados de homicídio culposo por morte da diretora de fotografia Halyna Hutchins, após o disparo de uma arma cenográfica com munição real em 2021; aqui, o que sabemos sobre o caso

por Nancy Dillon Publicado em 21/02/2024, às 16h45

Texto original de Nancy Dillon publicado na Rolling Stone US em 21 de fevereiro de 2024.

A cineasta Halyna Hutchins era uma estrela em ascensão no cinema independente quando foi contratada para dirigir a fotografia do projeto apaixonado de Alec Baldwin durante a pandemia — um faroeste de baixo orçamento intitulado Rust. Ela estava "muito animada" com a filmagem de 21 dias programada no pitoresco Bonanza Creek Ranch, no Novo México, disse um amigo próximo de Hutchins à Rolling Stone.

Nascida na Ucrânia e mãe casada de um filho de nove anos, Hutchins era considerada um talento em ascensão pela revista American Cinematographer e foi elogiada em festivais pelo filme de super-heróis Arqui-Inimigo de 2020, estrelado por Joe Manganiello. Segundo todos os relatos, ela estava prestes a dar o próximo grande salto em sua já impressionante carreira.

O que aconteceria em seguida seria tema de um julgamento criminal amplamente noticiado, marcado para começar nesta quarta-feira (21) no centro de Santa Fé. A impressionante tragédia que chocou a indústria cinematográfica se desenrolou na tarde de 21 de outubro de 2021 dentro de uma pequena igreja de madeira construída em uma cidade fictícia no rancho empoeirado.

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Os detalhes gerais são bem conhecidos: Baldwin, atuando como astro e produtor do filme, estava ensaiando um saque de arma com Hutchins, trabalhando em ângulos de câmera, quando ele acidentalmente disparou uma arma cenográfica que havia, de alguma forma, sido carregada com um projétil verdadeiro. A bala explodiu do revólver Colt de calibre .45, atravessou o peito de Hutchins e se alojou no ombro do diretor Joel Souza. Hutchins, 42, foi levada de helicóptero para um hospital, mas não sobreviveu.

Os investigadores rapidamente descobriram que a armeira contratada para gerenciar armas, munições e segurança de armas no set era uma novata de 24 anos chamada Hannah Gutierrez. Enquanto outros foram acusados criminalmente no caso — incluindo Baldwin —, Gutierrez será a primeira a enfrentar um júri.

Hannah Gutierrez (Reprodução)

 

Enteada do veterano armeiro de Hollywood Thell Reed, Gutierrez foi acusada de homicídio culposo e manipulação de provas. Ela negou qualquer irregularidade, dizendo que outros teriam responsabilidade por uma longa lista de falhas de segurança documentadas no set. Ela afirma que seus pedidos por mais tempo para concentrar-se na preparação das armas e no treinamento dos atores — em oposição às suas demais responsabilidades e menos remuneradas como assistente de adereços — foram ignorados. Seus advogados sugeriram que ela pode ter sido vítima de sabotagem. Enquanto isso, os promotores alegam que Gutierrez foi negligente, repetidamente sob efeito de substâncias ou de ressaca durante as filmagens, falhando com as responsabilidades mais básicas de seu trabalho.

“O único tipo de munição que deveria estar presente no set era de balas de festim e simuladas”, escreveram os promotores em seu resumo do caso arquivado no início deste mês. “A Sra. Gutierrez carregou inadvertidamente um revólver cenográfico simples de calibre .45 com munição simulada e pelo menos uma bala real e forneceu a arma para Alec Baldwin usar em uma cena do filme. Previsivelmente, o Sr. Baldwin manipulou a arma, e a arma disparou, matando inesperadamente a Sra. Hutchins.”

Os promotores alegam que fotografias mostram balas reais no set de Rust em quatro datas diferentes antes do dia do tiroteio e que seis balas reais foram recuperadas, incluindo a bala que matou Hutchins. “As balas reais foram encontradas na arma manipulada por Alec Baldwin, em uma caixa de munição cenográfica trazida para o set pela Sra. Gutierrez, no cinto de armas usado pelo personagem interpretado pelo ator Jensen Ackles no filme e na bandoleira usada por (o Sr.) Baldwin”, diz o documento. Duas balas reais foram encontradas em cima do carrinho de adereços usado por Gutierrez.

Enquanto a equipe de defesa de Gutierrez sugeriu a teoria de que um membro da equipe descontente possivelmente plantou a munição real, os promotores afirmam que não há evidências para apoiar isso. Eles acreditam, em vez disso, que Gutierrez estava sob constante efeito de drogas e álcool e simplesmente ficou descuidada. Eles afirmam que mensagens de texto extraídas de seu telefone demonstram que, quando alguém perguntou se ela precisava de cocaína uma semana antes de chegar ao set, Gutierrez teria respondido: “Já tenho”. Eles dizem que um funcionário do hotel que se tornou amigo de Gutierrez relatou que ela estava em posse de munição para o filme enquanto também fumava maconha, fora do expediente, em seu quarto de hotel. Em um arquivo de 31 de janeiro, os promotores incluíram trechos de várias das supostas trocas de mensagens suspeitas.

“Certifique-se de que sua maconha esteja escondida e que o quarto não cheire a maconha”, escreveu um trabalhador de hotel não-identificado para Gutierrez na noite anterior ao acidente, referindo-se a outro trabalhador do hotel que iria até seu quarto. “Haha, eu sei disso, não ia deixar ele dar uma olhada hoje”, respondeu Gutierrez. Em uma mensagem separada para um membro não-identificado da equipe de transporte na mesma noite, Gutierrez supostamente escreveu: “Eu talvez vá fumar na jacuzzi em breve”, e, “indo lá fora para ficar chapada”.

Os promotores afirmam que outras mensagens sugerem que Gutierrez estaria usando cocaína como estimulante no set, um ambiente exigente e de alta pressão. Em uma troca de mensagens de 17 de outubro de 2021, Gutierrez teria conversado com um membro não-identificado da equipe sobre seus extensos turnos e escreveu: “Eu tenho algo que também pode te acordar”. Na alegação possivelmente mais escandalosa, os promotores alegam que Gutierrez entregou um saco de cocaína para uma colega de equipe chamada Rebecca Smith apenas algumas horas após o tiroteio fatal. Smith teria dito à polícia que falou com Gutierrez logo depois que a armeira conversou com os investigadores e que Gutierrez teria colocado um saco plástico contendo uma substância branca em pó em sua mão enquanto ela estava saindo. Smith supostamente disse que acreditava que o saco continha cocaína, então ela o jogou em uma lixeira do hotel. Os promotores afirmam que Gutierrez teria enviado mensagens de texto para Smith dois dias após o tiroteio, pedindo seu "material" de volta. Quando os investigadores perguntaram sobre a que Gutierrez estaria se referindo, Smith teria respondido: “um saco de cocaína”. (A suposta transferência de narcóticos serve como a base para a acusação de manipulação de provas que foi adicionada ao processo contra Gutierrez em junho.)

Em outra troca de mensagens que um juiz considerou inadmissível no julgamento, a camareira Sarah Zachry teria enviado uma mensagem de texto ao fornecedor de adereços Seth Kenney dizendo que Gutierrez estava “totalmente bêbada” durante o “final de semana” antes do tiroteio fatal. “Ah Deus, não”, respondeu Kenney em 25 de outubro de 2021.

Os advogados de Gutierrez chamaram a alegação de que sua cliente estaria de ressaca ou sob efeito de drogas no momento do tiroteio de "irresponsavelmente falsa". Em um arquivo de 1º de fevereiro pedindo a separação da acusação de manipulação de provas, eles defendem que as alegações do estado eram baseadas em “mentiras flagrantes construídas em especulações inadmissíveis e altamente preconceituosas”. Eles afirmaram que a suposta cocaína nunca foi recuperada, nunca foi testada, e que os policiais que interagiram com Gutierrez imediatamente após o tiroteio — policiais treinados para notar quando suspeitos ou testemunhas estão sob influência — nunca “observaram ou notaram” qualquer intoxicação.

Os advogados de defesa também apontam para a investigação da Secretaria de Saúde e Segurança Ocupacional, que encontrou uma longa lista de falhas de segurança no set de Rust. O órgão descobriu que Gutierrez foi repreendida pela produtora Gabrielle Pickle uma semana antes da morte de Hutchins porque estava priorizando armas em detrimento de outros adereços. “Chegou ao meu conhecimento que você está focando muito mais em armas e não está ajudando com os adereços conforme necessário”, escreveu Pickle no e-mail de repreensão transcrito no relatório da secretaria. Gutierrez respondeu que precisava de tempo para concentrar-se em armas para “a segurança de todos”. Três dias depois, Pickle disse a Gutierrez que não haveria “mais” dias de treinamento, “[para] treinar Alec e tal”. De acordo com a defesa de Gutierrez, as falhas e decisões ruins feitas por outros no set foram minuciosamente documentadas, enquanto as alegações sobre a sobriedade de Gutierrez são conjecturas.

Os promotores dizem que não estão preocupados com o caso que construíram. “O estado admite que não pode provar com evidências diretas, como teste de sangue, que a Sra. Gutierrez pode ter estado sob efeito — pelo menos ligeiramente — em 21 de outubro de 2021, mas há mais do que evidências circunstanciais suficientes para que um júri possa ouvi-las e considerá-las porque o abuso consistente de substâncias é relevante para o elemento de negligência”, argumentaram os promotores em arquivos pré-julgamento. Eles chamaram de “absurdo” sugerir que Gutierrez entregou “um pequeno saco de açúcar em pó” para Smith e então tentou, por quatro semanas, “recuperar seu saco de açúcar em pó”.

Em uma audiência no caso na semana passada, a juíza do Novo México, Mary Marlowe Sommer, rejeitou o pedido da defesa de separar a acusação de manipulação em um julgamento separado e determinou que algumas das mensagens sobre o uso de drogas de Gutierrez poderiam ser mostradas aos jurados. “Os relevantes são aqueles em que ela está fumando maconha com munição no quarto de hotel, e que ela está fumando na jacuzzi”, disse a juíza. Ela também permitiu as mensagens “depois do fato” sobre a suposta entrega de cocaína.

Além das alegações de intoxicação, os promotores afirmam que Gutierrez também “frequentemente” deixava armas e munições sem supervisão em seu carrinho de adereços ou em outro lugar durante as filmagens. Eles dizem que essa prática é relevante porque sua “própria negligência criou a oportunidade para sabotagem, se de fato houve sabotagem”. “Embora a Sra. Gutierrez não seja acusada de homicídio intencional, ela é acusada de homicídio com base em negligência. Não foi um ato negligente que levou a essa tragédia. A tragédia ocorreu devido a uma série de atos negligentes, dado que as munições estavam no set bem antes de 21 de outubro de 2021”, escreveram os promotores.

Após as decisões da juíza em 14 de fevereiro, o principal advogado de defesa, Jason Bowles, disse à Rolling Stone que considerou uma vitória o fato de seu lado ter recebido sinal verde para introduzir a investigação da Secretaria de Saúde e Segurança Ocupacional. “Estamos satisfeitos com a decisão de que as descobertas da Secretaria de Saúde e Segurança Ocupacional serão permitidas no julgamento. Estamos avaliando nossas opções quanto às outras decisões”, escreveu Bowles, ex-procurador federal, em um e-mail.

Uma armeira iniciante cujo único outro crédito como armeira principal em uma produção foi para o faroeste de Nicolas Cage, The Old Way, Gutierrez espera basear grande parte de sua defesa na alegação de que foi Baldwin quem se envolveu em comportamento inseguro quando apontou a arma para Hutchins e a manipulou. Gutierrez alega que no dia da tragédia — o mesmo dia em que a maior parte da equipe de câmera deixou o set em protesto contra as condições de trabalho — ela teria intervindo e impedido Baldwin de apontar a arma se tivesse sido admitida dentro da igreja para o ensaio. Os promotores dizem ter evidências de vídeos e depoimentos de membros da equipe de que Gutierrez “rotineiramente permitia que armas fossem usadas por atores de maneira insegura e apontadas para elenco e equipe”.

O caso contra Alec Baldwin

No mês passado, Baldwin foi novamente indiciado por homicídio culposo pela mesma acusação rejeitada contra ele em abril de 2023. Ele se declarou inocente. Em uma longa entrevista com George Stephanopoulos, da ABC, após o tiroteio fatal, Baldwin afirmou que teria seguido passo a passo as instruções de Hutchins segundos antes da arma disparar. “Tudo é por conta dela. Ela me guiou sobre como queria que eu segurasse a arma para este ângulo”, disse Baldwin. O ator afirmou que depois que Hutchins confirmou que conseguiu uma boa tomada em close de Baldwin manipulando a arma, ele soltou o martelo. “Bang! A arma dispara”, disse Baldwin a Stephanopoulos, negando que ele tenha puxado o gatilho.

Alec Baldwin em set de 'Rust' (Divulgação)

 

Os promotores ficaram céticos em relação à afirmação de Baldwin de que ele não pressionou o gatilho. Um relatório forense encomendado pelos promotores e obtido pelo The New York Times determinou que o revólver antigo precisaria de cerca de dois quilos de pressão no gatilho para disparar um tiro.

A lista de testemunhas da defesa sugere que Gutierrez planeja chamar seu padrasto ao banco dos réus. Thell Reed é famoso por ter atuado como armeiro em sucessos de Hollywood, incluindo Tombstone, Rápida e Mortal, Los Angeles: Cidade Proibida e Os Indomáveis. Se chamado, espera-se que ele testemunhe que sua enteada agiu com segurança ao manusear armas no set de Rust.

Em suas entrevistas com investigadores, Reed levantou mais uma teoria de defesa: que foi Seth Kenney, um fornecedor de adereços para Rust, que pode ter introduzido as munições reais no set. Reed afirmou que deu a Kenney uma caixa contendo munição mista real e falsa após um evento de treinamento vinculado a outra produção. Ele supostamente disse aos investigadores que suspeitava que a bala real que acabou na arma cenográfica de Baldwin era daquela caixa. Kenney confirmou que sua empresa com sede em Albuquerque, a PDQ Arm & Prop, forneceu armas e munições cenográficas para Rust, mas ele afirmou que cada munição falsa foi testada individualmente antes de ser enviada.

Enquanto os promotores conduzem seus casos contra Gutierrez e Baldwin, uma pessoa intimamente ligada ao tiroteio fatal já foi responsabilizada. O diretor assistente Dave Halls fez um acordo de não-contestação de uma acusação de contravenção de uso negligente de uma arma mortal em março de 2023. Conforme relatado anteriormente pela Rolling Stone, Halls admitiu aos investigadores após o tiroteio que falhou em verificar todos os compartimentos do revólver antes de pegá-lo de Gutierrez, declarando-o uma “arma fria” — o que significa que não tinha munição real — e entregando-a a Baldwin. Sob seu acordo de não-contestação, Hall deveria cumprir seis meses de liberdade condicional não supervisionada.

Após o arquivamento do primeiro caso criminal contra Baldwin no ano passado, Rust voltou à produção para terminar suas cenas restantes. “Último dia de filmagem de Rust em Montana”, escreveu Baldwin em uma postagem no Instagram compartilhada em 22 de maio de 2023, que parabenizou Joel Souza e a nova diretora de fotografia Bianca Cline. “Foi um caminho longo e difícil. Mas chegamos ao final da trilha hoje”, escreveu ele. “Nada menos que um milagre.” Os produtores apresentaram o filme no Festival de Cannes no ano passado, mas ainda não anunciaram venda.

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Além dos processos criminais, a tragédia fatal também é objeto de várias ações civis movidas por membros da equipe e membros da família de Hutchins. Enquanto o marido de Hutchins arquivou anteriormente um processo contra Baldwin e se tornou um produtor executivo de Rust, os pais e a irmã de Hutchins ainda o estão processando. Um advogado dos membros da família de Hutchins na Ucrânia disse à Rolling Stone que eles não comparecerão ao julgamento de Gutierrez pessoalmente. “Eles vivem em uma zona de guerra na Ucrânia”, diz a advogada Gloria Allred. “Nossa equipe jurídica os manterá informados sobre as evidências importantes do caso. Eles não têm comentários neste momento.”

 

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