O olhar de Sam Taylor-Johnson sobre a vida e a música de uma das maiores cantoras do século 21 reduz sua vida a uma metade de um romance ruim. Não, não, não!
David Fear Publicado em 16/05/2024, às 09h00
[O texto original, "‘Back to Black’: Amy Winehouse’s Biopic Is Seriously Out of Tune", foi publicado na Rolling Stone USA; confira aqui]
AMY JADE WINEHOUSE poderia ter sido qualquer jovem crescendo na Londres dos anos 1990 — saindo com os amigos, tomando cervejas escondida, ficando com caras, se metendo em encrenca, furando o nariz e sendo expulsa da escola de teatro por isso. (Bem, por isso e por algumas outras razões.) Até que ela abriu a boca, e aparentemente se tornou possuída por uma cantora de jazz dos anos 1940, canalizando a luxúria e a tristeza de séculos. Winehouse quase parecia um truque, mas não era: logo, a adolescente branca de Southgate passaria de uma garota com um tristonho contralto blues a uma artista assinada com a Island Records, antiga casa de Bob Marley e U2. Mais tarde, ainda adicionaria à trajetória os títulos de superstar ganhadora do Grammy, ímã de paparazzi, conto de advertência e integrante do Clube dos 27. Tudo o que ela esperava, dizia Winehouse, era ser lembrada por sua própria interpretação de um som clássico: “Eu só quero que as pessoas ouçam minha voz e esqueçam seus problemas por cinco minutos.”
Esse pedido é ouvido na abertura de Back to Black, na narração em off da redação que a fez entrar na escola da qual foi expulsa. Winehouse está correndo, e eventualmente descobrimos que a mulher com o enorme penteado parece estar em êxtase não por causa de onde está indo, mas por quem a espera no fim da corrida. A cinebiografia à la Bohemian Rhapsody não quer ser uma pira funerária de quatro alarmes, mas um romance trágico, apresentando Amy através do prisma do amour fou que a colocou em uma espiral descendente e alimentou seu segundo álbum triplo-platina.
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Desta forma, sugere o filme, você entenderá melhor a pessoa por trás daquela voz, que, dominada por seus tantos problemas, sem dúvida fará você esquecer dos seus. Assista à adaptação e verá uma mulher perdidamente apaixonada, de coração partido, autodestrutiva, deteriorando-se publicamente, orgulhosamente bêbada de vodca e inebriada pelo cheiro de seu homem, gritando para o mundo e eventualmente saindo dele. Ocasionalmente, os cineastas são generosos o suficiente para lembrar que ela também fazia música.
Trata-se de uma tentativa de arrastar Amy de volta a uma conversa pública da qual ela nunca realmente saiu. Não vem para louvar cegamente aquela que se recusou a ir para a reabilitação, não, não, não (e eventualmente foi), mas parece sim vir para enterrá-la. Dirigido por Sam Taylor-Johnson, Back to Black tenta ser tanto uma cinebiografia musical de fórmula pronta — que inclui sucesso, contratempos e uma ascensão de fênix antes da eventual queda e até um momentão Eureka! precoce (com a jovem Amy trabalhando timidamente nos acordes de “What Is It About Men” de seu primeiro álbum, Frank). Há ainda um olhar mais áspero, menos glamoroso e mais complexo sobre uma artista que não viveu suas músicas sabiamente, mas intensamente. Que não tenha sucesso em nenhum desses aspectos não é exatamente surpreendente, dado o quanto o filme parece estar em conflito com seu tema e consigo mesmo. No entanto, você admira o fato de que o filme ocasionalmente sugere algo mais ousado, mais único, escondido em suas margens. Taylor-Johnson veio do mundo da arte antes de se tornar diretora, e há uma crueza desconfortável em momentos que adiciona texturas e dureza ao mergulho de cabeça de Winehouse em uma união tóxica com um desajustado charmoso.
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De fato, conhecemos Winehouse — interpretada pela atriz Marisa Abela, de Industry, em algo que parece um zero a zero, mesmo para os padrões de biografias musicais — primeiro como uma jovem brilhante, deliciando-se com a atenção de seu pai Mitch (Eddie Marsan), amante de Sinatra, e de sua adorável avó Cynthia (Lesley Manville). Ela toca em pubs e clubes de jazz, irrita um namorado com indiretas em suas letras, é fã de Sarah Vaughn e Lauryn Hill. Winehouse também é o oposto de uma flor delicada, enfrentando sua empresa de gestão, executivos de gravadoras e apresentadores de programas de TV como Jonathan Ross e qualquer um que tente reduzi-la a algum hit comercial descartável e facilmente categorizável. “Eu não sou uma porra de uma Spice Girl!”, ela diz, com uma dose de pimenta, aos seus representantes, antes de assinar com a mesma empresa que gerencia Ginger, Posh e companhia.
A partir do momento em que ela vê seu Blake (Jack O’Connell) encostado no bar e emanando puro charme de canalha, você pode dizer que Winehouse está perdida. Ele a seduz com bebidas fortes, braços fortes e suas próprias músicas na jukebox; o golpe final é apresentar Amy ao “Leader of the Pack” das Shangra-Las e a toda a noção de grupos femininos dos anos 60. O filme quer um elenco de apoio de heróis e vilões: embora o documentário Amy, de Asif Kapadia, de 2015 (que sugerimos ver tanto como complemento quanto contraponto a esta recriação de sucessos e fracassos) trate Mitch Winehouse tanto como facilitador quanto nutridor, Back to Black mais ou menos o trata como a única coisa entre ela e o esquecimento. Nenhuma clemência é dada a Blake Fielder-Civil, a menos que você conte o fato de que o filme retrata Winehouse se envolvendo com drogas pesadas sozinha para sentir o que ele sente, em vez de sugerir que ele a apresentou a tais vícios em primeira mão. Não que importe para aqueles que estão contando essa história, por assim dizer. Aos olhos deles, a verdadeira droga é o próprio Blake.
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Ninguém seria culpado por pensar que Back to Black está sob a mesma influência tóxica, sabendo que ele é ruim para Winehouse e para onde essa dependência de sua presença a levará. Mas o filme não consegue largá-lo, tanto quanto ela. A cinebiografia presta um serviço mínimo aos seus demônios pessoais e ao desejo de ser mãe, seu comportamento de leoa quando se trata de defender suas músicas e sua necessidade de habitá-las emocionalmente, independentemente do estado de seu coração. Taylor-Johnson confessou que queria fazer do vínculo com Camden a lente através da qual vemos os altos e baixos de Winehouse, o que faz sentido quando se trata da performance de O’Connell como o canalha mais irresistível do mundo. Graças ao ator, você pode praticamente sentir o cheiro de cigarros velhos, fish and chips de ontem e desodorante Axe nele. Abela também dá a sensação de que há algo nele que nublou seu julgamento e aumentou seus hormônios. Seu canto é melhor do que você ouviu, mesmo que saibamos que tentar emular uma voz singular nunca vai replicar aquela real. Agora, a sensação de Amy de estar bêbada de amores por seu cara? Isso sim é captado de maneira impressionante.
A necessidade de Amy por Blake atrasou famosamente seu segundo álbum, que teria que ser um sucesso se ela quisesse estourar nos Estados Unidos. Então, relutantemente, Winehouse vai a Nova York e começa a trabalhar no que será chamado Back to Black. E aqui é onde o destaque do relacionamento como o princípio central de sua história começa a perder o enredo. Boa sorte para quem espera ver, digamos, Jason Schwartzman ou Adam Brody fazendo suas melhores imitações de Mark Ronson — o produtor é mencionado uma vez, mas está ausente. (Taylor-Johnson disse que ele não foi incluído porque realmente não faz parte da “história de amor tóxico” do casal, o que diz tudo o que você precisa saber.) A gravação da faixa-título é reduzida a uma montagem intercalada com sequências do enterro da avó dela. A sensação é de querer saber mais sobre como Winehouse conseguiu aquela gravação incrivelmente comovente de uma música que, ainda mais do que “Rehab”, definiu aquele som maravilhoso, fatalista e "foda-se o resto". Em vez disso, você recebe quatro trechos e um funeral. Algo parece fora do lugar.
Desde que Bohemian Rhapsody deu início a uma nova corrida do ouro de histórias de sucesso de artistas de discos de ouro, críticas a sequências genéricas de shows e estúdios por serem clichês tornaram-se o cliche para o gênero, por si só. Quando se trata de Back to Black, o que mais faltam são sequências de nossa falsa Winehouse no palco, rasgando-se mais músicas, para equilibrar os ataques indistinguíveis de paparazzi e a miséria padrão do gênero. Dá para entender que as pessoas envolvidas na realização deste filme têm grande admiração e, possivelmente, até amor por sua obra breve, mas o filme parece quase envergonhado de ter que ceder os holofotes para ela. Não há senso de uma decadência gradual vista através de seu sofrimento através das músicas — há apenas o sofrimento, ponto final.
O alerta e o pedido de desculpas caso isso seja um spoiler, mas eles guardam “Rehab” para quase o final, usando sua performance no Grammy, seu choque ao ganhar e seu discurso emocionado como uma última tentativa de elevação antes do fim. Então Amy compra uma nova casa, iluminada para parecer artificialmente como o céu, sobe uma escada e tudo termina, exceto por um último clichê mórbido no final. Back to Black desaparece em sua história trágica, tão assustado de ser uma cinebiografia em auto-tune, que acaba por simplesmente estar fora de sintonia e desaparecer por completo. Parafraseando "You Know That I'm No Good", parece quase como se ele soubesse que não é bom.
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