O filme dirigido por Levan Akin chegou aos cinemas nesta quinta-feira, 11, e estará disponível na MUBI a partir de 30 de agosto
Heloísa Lisboa (@helocoptero) Publicado em 12/07/2024, às 16h52
[Atenção: O texto abaixo contém spoilers de Caminhos Cruzados]
Dirigido e roteirizado por Levan Akin, Caminhos Cruzados estreou nesta quinta-feira, 11, nos cinemas brasileiros, por meio de uma parceria entre MUBI e O2 Play.
O filme começa com Lia (Mzia Arabuli), uma professora de história, batendo à porta de um ex-aluno. Ela pergunta pela sobrinha Tekla (Tako Kurdovanidze), e o clima pesa com a menção de que a jovem vivia em uma casa com outras garotas transexuais.
Mesmo que a necessidade de mudança de gênero de Tekla não tenha, efetivamente, efeitos sobre seus vizinhos ou sua tia estranha, todos se sentem envergonhados por ela, exceto Achi (Lucas Kankava). O rapaz confessa que sabe o novo endereço da sobrinha e exibe suas habilidades de comunicação em inglês para convencer Lia a adicionar um acompanhante a sua viagem em busca de Tekla.
A personalidade rígida e determinada de Lia contrasta com a hiperatividade de Achi. Eles levam tudo o que têm em uma bolsa e um carrinho daqueles usados para ir à feira. Dentre os itens da bagagem estão pepinos da horta que a professora deixou para trás. Ela precisa vender joias para conseguir dinheiro, enquanto Achi é dono apenas da roupa em seu corpo e de seus documentos.
A câmera de Akin mostra que os protagonistas do longa-metragem cruzam os caminhos pela primeira vez na balsa que faz parte do trajeto de Batumi, na Geórgia, a Istambul, na Turquia. Evrim (Deniz Dumanl), uma advogada trans, está fumando um cigarro no andar superior da embarcação — e Achi faz o mesmo. Enquanto isso, a trilha sonora abre espaço para a cantoria de Izzet (Bünyamin Değer).
O menino, cuja criatividade da infância é usada para sobreviver, cuida de uma garota aparentemente ainda mais nova, Gülpembe (Sema Sultan Elekci). As crianças vivem nas ruas de Istambul e aguardam a volta de suas mães. A história de Izzet lembra a de Achi. Ele conta a Lia que também está em busca de alguém — sua própria mãe — na Turquia.
Achi logo encontra outros jovens com quem se divertir — e a quem pedir um emprego — na noite agitada de Istambul. Lia, com jeito de uma mulher calejada, considera o desvio do rapaz como uma traição e decide explorar um bairro conhecido pela prostituição sozinha.
Em outro país, Lia é vista novamente batendo de porta em porta e perguntando sobre Tekla. A angústia passa a ser um sentimento crescente. O encontro com a sobrinha era uma promessa para a irmã falecida, mãe de Tekla. Conforme Lia permeia o mundo por onde a jovem passou sem deixar rastros, ela começa a experimentar a generosidade da comunidade LGBTQIA+ e o remorso pelas próprias escolhas.
A mulher de semblante sério não resiste à sinceridade e à esperança que Achi carrega. Ao revê-lo faminto sentado em uma calçada, Lia retoma a amizade com o rapaz — dando a si a oportunidade de criar um novo laço enquanto vive o luto pela perda de outro.
Em certo ponto do filme, as andanças e o cotidiano dos personagens principais finalmente resultam no encontro de todos eles. Achi não sabia o verdadeiro endereço de Tekla, mas a chegada de Evrim à sua narrativa parece ser a solução de tudo — com o decorrer da história, o espectador é instigado a acreditar que Evrim pode ser a sobrinha perdida. O coração desacelera ao perceber que Evrim é Evrim, e Tekla é Tekla.
Lia chega perto das respostas que busca, mas não o suficiente para rastrear a verdadeira Tekla. Ela deixa o passado, em Batumi, para trás de vez e começa a acreditar em um futuro — diferente do início do longa. A senhora fantasia um abraço caloroso com a sobrinha. "Perdemos tanto tempo", diz na realidade paralela, que logo é esmaecida.
Embora muito distintos, o Geórgiano e o turco são idiomas de gênero neutro. "Como esses países, então, poderiam ser cenário da rejeição de pessoas pertencentes à comunidade LGBTQIA+?" — questiona Akin nas entrelinhas.
Para os brasileiros, Caminhos Cruzados é uma fresta que permite observar um mundo ainda bem desconhecido. Istambul é apresentada como o lar de gatos que recebem tratamento semelhante ao das mulheres transexuais que vivem na capital: eles são negligenciados.
A viagem de Lia serve de encorajamento para que Achi se liberte de Batumi e de seu irmão. Ao mesmo tempo, serve para a professora constatar que as razões que a levaram a se afastar de Tekla justificam apenas o sumiço da sobrinha. O filme mostra a dor de quem feriu e demonstra, a partir de outras personagens, a dor de quem foi abandonada e viu, no desaparecimento, uma forma de tentar ser feliz.
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