Projetada nacionalmente na novela A Força do Querer, de 2017, Carol Duarte deixa o Brasil para contar uma história na Itália em seu segundo filme
Henrique Nascimento (@hc_nascimento) Publicado em 25/04/2024, às 14h00
Carol Duarte estreou na televisão brasileira com todos os holofotes sobre ela. Em 2017, aos 25 anos de idade, ela participou de A Força do Querer, novela de Glória Perez, como Ivan, que descobria ser um homem transgênero e passava por sua transição no horário nobre da Globo, um dos canais mais populares da TV aberta no país, fazendo com o que Brasil inteiro se solidarizasse com a sua história.
Dois anos depois, Carol estava no Festival de Cannes, um dos eventos mais prestigiados do cinema, para receber o prêmio principal da mostra Un Certain Regard por A Vida Invisível, longa de Karim Aïnouz inspirado no romance de estreia de Martha Batalha, A vida invisível de Eurídice Gusmão.
A produção, que ainda conta com nomes como Fernanda Montenegro (Central do Brasil), Julia Stockler (A Cozinha) e Gregorio Duvivier (Não Se Preocupe, Nada Vai Dar Certo), também foi pré-indicada ao Oscar e, apesar de não ter figurado entre os finalistas da maior premiação do cinema, furou a bolha das produções nacionais e acabou na boca dos brasileiros.
Agora, Carol retorna aos cinemas com o seu segundo filme, La Chimera, que já está em cartaz no Brasil. A produção, que marca a estreia da atriz em uma produção internacional concorreu à Palma de Ouro em Cannes no ano passado e, mesmo tendo perdido para o oscarizado Anatomia de uma Queda, abriu novas portas para Carol, que está empenhada em contar boas histórias, seja no Brasil ou fora dele.
"Eu estou afim de produzir coisas no mundo inteiro, mas que sejam interessantes, que me desafiem de alguma forma, com as quais eu consiga dialogar e, com o meu trabalho, contribuir com essas histórias", declarou em conversa com a Rolling Stone Brasil. Confira o papo completo a seguir:
Carol Duarte: A diretora de fotografia do La Chimera, [Hélène Louvart], é a mesma diretora de fotografia do meu primeiro filme, que foi A Vida Invisível, do Karim [Aïnouz], e a Alice [Rohrwacher, diretora de La Chimera] viu o filme e acho que a ponte entre a Hélène aconteceu e ela mandou uma mensagem perguntando se eu não queria fazer um teste para o filme. [Perguntou] se eu falava eu pouco de italiano, eu disse que faria o teste, que adoraria. Já conhecia a cinematografia da Alice, já admirava bastante. Acho que, atualmente, é uma das diretoras mais autorais, originais, e eu fiquei superfeliz. Depois, foi bem rápido. Depois de dez dias, eu estava na Itália para iniciar o trabalho.
C. D.: Sim. Majoritariamente porque, na época, quando estávamos gravando, ainda tinha a coisa toda da pandemia, então tinha problema até para ir para a Itália, brasileiros irem para a Itália, ainda era meio tenso. Era fim de 2021, início de 2022, e quando eu cheguei lá ainda fiz dez dias de quarentena em Roma. Foi super louco ver Roma deserta, a Fontana di Trevi, o Coliseu, tudo meio vazio, então demorou muito [para] encontrar a Alice. Eu não a conhecia pessoalmente, a gente demorou a se encontrar. Teve tudo isso. Além do fato de ser o meu primeiro filme internacional, então é uma outra língua, um outro lugar. E, para mim, vendo os filmes da Alice e depois a conhecendo, era muito importante entender o lugar. Nós gravamos ali perto do Lácio, Bolsena, em regiões não tão próximas da capital, e eu acho que o cinema da Alice está muito ligado à terra, à Itália, à paisagem, então isso foi importante para eu entender, experimentar e viver um pouco aquele lugar, para a construção da minha personagem, para o entendimento do universo que a Alice compõe, porque a Alice não é só a diretora dos filmes dela, como também a roteirista. O universo que permeia a Alice era bastante importante para mim.
C. D.: A Alice estava procurando uma atriz para viver essa personagem, não achava, foi realmente no segundo tempo, nos segundos finais, que eu fiz o teste, então foi muito rápido. Acho que ela ainda tinha algumas dúvidas a respeito da Itália, da minha personagem, mas não, ela não era, a princípio, brasileira. Ela [Alice] não estava buscando atrizes brasileiras ou mesmo atrizes falantes do português. Ela estava buscando uma atriz. E quando ela me escolheu, acho que o português entrou na jogada. Ela escalou a Julia [Vella], uma atriz ítalo-brasileira, que faz a minha filha, e a escolha por eu falar um pouco de português partiu dela.
C. D.: O Josh é um ator muito incrível. Eu já conhecia o trabalho dele, tinha visto em The Crown, tinha achado fenomenal. O trabalho dele é muito sensível e preciso. O Josh é britânico e eu sempre fui muito curiosa pela escola britânica, então já tinha muito interesse no trabalho dele, mas nunca imaginei que estaríamos em um filme juntos. Tem uma distância muito grande e não é só o oceano.
Então, a troca com ele foi maravilhosa, ele é um parceiro de cena fantástico. A gente construiu juntos e achar juntos a relação do Arthur [personagem de Josh] e da Itália, muito na batuta da Alice, o que não se configura um romance hollywoodiano, de final feliz ou triste. Eu acho que a Alice cria um outro universo, um realismo fantástico, um universo pelo qual todos aqueles personagem perpassam, que não é tão óbvio, tem muito mistério, então a gente foi construindo juntos essa relação. E o trabalho com ele foi maravilhoso. Ele é um amigo muito, muito querido, dentro e fora de cena.
C. D.: Eu sei que é um feito legal demais, que é o festival que todo mundo deseja ir, um festival imenso, com artistas grandes, os que estão produzindo coisas muito relevantes. Acho que o ano do La Chimera, o [mesmo] ano de Anatomia de uma Queda, um ano de filmões, Monster, Zona de Interesse... Quer dizer, nós estávamos em uma competição com grandes. Para mim, é muito honroso, eu fico muito feliz.
Mas é engraçado, [porque] se eu for te dizer como as coisas aconteceram, tem uma mistura de sorte e, é claro, não vou negar que tem o meu trabalho de atriz, de estudo e também de escolhas. Porque [para] o [filme] A Vida Invisível, eu fiz teste. O Karim testou, na época, várias atrizes, várias mesmo, e sei lá por que a Eurídice [personagem de Carol] veio até mim. Não foi uma escolha tão minha. Como foi teste, o Karim me escolheu e a gente desenvolveu um trabalho muito lindo juntos.
E também o La Chimera. Eu fiz teste também. Não foram roteiros que foram apresentados para mim. Isso, no nosso mundo, é uma coisa que se desenvolve com o tempo, quando você já tem uma cinematografia mais densa e os diretores conseguem entender que tipo de atriz é você, eles vêm até você com o desejo de que você faça, mas os meus dois primeiros filmes foram testes e, por sorte, com dois grandes cineastas, que são a Alice e o Karim.
São dois cineastas de autoralidade muito grande, eles têm um tipo de cinema muito marcante, tanto o Karim quanto a Alice, e eu acho que o meu trabalho, em algum lugar, dialogo com esses dois cineastas. E tem uma coisa minha, que eu penso muito, que eu trabalho muito, que é estar criando com esses dois diretores e estar um pouco a serviço da linguagem deles, do roteiro e da história. Acho que o ator, principalmente no cinema, é parte de um todo e eu, como parte de um todo, desejo sempre entender quem são esses cineastas, ou seja, eu quero saber as referências do Karim, as referências da Alice. E estar com esses dois filmes na mostra (...), eu me sinto sortuda. (...) É uma loucura.
C. D.: Não vou te dizer que eu pego a minha carreira e a puxo para fora do Brasil. Eu não estou fazendo isso. É engraçado pensar porque o meu primeiro filme foi com o Karim, que é um diretor que já mora fora do Brasil há um tempo, produz muito filme aqui - como o Motel Destino, que é o filme que está agora no Festival de Cannes, e ele filmou aqui -, mas ele está sendo um diretor muito visto internacionalmente e produzindo muito fora. Não foi por acaso também que A Vida Invisível me puxou para um filme italiano.
Na medida em que estamos entrando em grandes festivais, isso acaba sendo uma vitrine para todos os artistas que estão produzindo cinema aqui. Acho que já tem um tempo que estamos produzindo cinema internacional e nosso cinema tem a sua importância grande. Podemos falar de Glauber Rocha e listar um monte [de artistas] que foram aplaudidos de pé em grandes festivais. A gente ainda resiste a várias lombadas, cortes de governos, e a gente tenta dar conta desse cinema. Imagina se nós tivéssemos políticas realmente voltadas à produção nacional, onde nós poderíamos estar?
Eu não consigo dizer que estou indo para fora, para Hollywood, neste momento. Até tenho propostas fora do Brasil, que talvez aconteçam e eu acho que podem ser incríveis, mas eu sempre digo que eu quero que projetos legais cheguem até mim.
Eu não cheguei na Alice porque ela é de fora do Brasil. Eu quero fazer cinema com pessoas que estão fazendo coisas legais e propondo personagens legais e histórias legais. Se está fora do Brasil é ótimo, porque também é uma experiência deliciosa estar fora, falando em outra língua. Eu estou afim de produzir coisas no mundo inteiro, mas que sejam interessantes, que me desafiem de alguma forma, com as quais eu consiga dialogar e, com o meu trabalho, contribuir com essas histórias.
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