Escalada para o papel aos 13 anos, Natja Brunckhorst virou diretora e roteirista. Quarenta e um anos após o lançamento de 'Eu, Christiane F., 13 anos, drogada e prostituída’, ela relembra momentos das filmagens
Ademir Corrêa Publicado em 22/07/2022, às 15h32
“Estava sentada no pátio comendo uma maçã. Uma mulher chega em mim e diz: ‘Ei, estamos buscando meninas magras para um filme. Você não tem vontade de fazer o teste?’ Então eu disse: ‘Hum. Se for necessário’. Uma típica berlinense, levemente mal-humorada. Depois [do teste] sumi por um tempo e eles ficaram desesperados me procurando. Me passaram do papel da irmã para o da Christiane. E não sabiam onde me achar. Foi um caos. Mais tarde, apareci de pés descalços e tudo se resolveu.”
“Já me perguntaram se foi ruim filmar o longa. Costumo dizer que não. Foi muito divertido. Ninguém entende, mas é atuação, você está em um ambiente protegido. Tem comida gostosa no set. Eu tinha uma assistente a quem podia dizer, no meio da noite na Bahnhof Zoo [a estação de metrô de Berlim usada como locação], ‘Você pode me trazer um chocolate com chantilly?’ Um sonho, eu queria aquela vida até hoje.”
“Teve um momento em que percebi a realidade. Foi na cena que filmamos com uma lente de longa distância [a equipe estava toda longe] na Kufürstentrabe, no ponto da prostituição infantil. Eu estava ali e me disseram: ‘Natja, vai parar um carro e você vai entrar nele’. ‘Certo’, respondi. Fiquei à espera. Veio um carro, eu me aproximei quase entrando, quando vi com o canto do olho a equipe correndo na minha direção e gritando: ‘Natja!’ Vi que tinha algo errado. Era um cliente de verdade. E eu quase entrei naquele carro. Foi o único momento, durante toda a filmagem, no qual me deparei com aquela realidade. E me dei conta: ‘Ah, isso existe de verdade, estou aqui de verdade’. Pensei muito sobre. E também gravei em oito banheiros, todos reais. O cenógrafo limpava todos – para que pudéssemos entrar – e depois sujava com chocolate para que parecesse bem sujo.
“Eu nunca tinha usado drogas. Antes de fazer este filme, tinha visto um viciado só uma vez. Ele dormiu uma noite na nossa República. E li o livro Christiane F... independentemente do papel. Eu sabia coisas básicas de como era. E tínhamos alguns truques que ainda vejo em algumas cenas – como os momentos com os olhos meio abertos ou quando ela está em abstinência - que é como se você tivesse uma gripe forte. Em algumas cenas pingaram algo nos meus olhos para diminuir ou aumentar as pupilas. Insinuaram que eu conhecia o assunto – o que não é verdade. Era sempre chamada para talk shows como ‘especialista’. E dizia: ‘Ei, eu estava atuando’. Ser atriz é muito legal porque posso viver aquilo que não quero fazer na vida real.”
“Tinha um medo enorme de seringas. Desde sempre, ainda tenho. Ou seja, se tentassem se aproximar com uma seringa, não deixaria que chegassem nem perto. Para as cenas de longe, o maquiador fez algo incrível. Ele cortou a ponta da agulha, lixou. E quando alguém aperta algo plano na pele parece que está entrando porque a pele cede um pouco. E ele colocou uma mangueirinha atrás da seringa - para que pudéssemos injetar algo ou puxar no sentido contrário. Já as cenas em que a câmera estava bem próxima, dava para ver claramente que a agulha era pontiaguda. Nestas – como o momento em que ela faz a tatuagem - foram rodadas por um dublê. Meu irmão quem fez. E ele recebeu 50 marcos por agulhada. Para ele era muito dinheiro.”
“O vômito nós gravamos só duas vezes. Eles colocaram uma mangueira na minha mão. Eu tinha que engasgar e levar a mão na boca. Eles colocaram vinho. Como entrou no meu nariz, não quis mais gravar.”
“Meus pais eram de 1968. Cresci em uma República, então falávamos de sexo o tempo todo. Mas no filme surgiu outro sentido, outro tipo de vergonha. Tínhamos que deitar na cama e, de repente, todo mundo sumia no set. Não fazia ideia de que podia ser algo tão travado. Então o Uli [Edel, diretor do filme] disse: ‘Vamos gravar a cena do coito’. ‘Coito’, tive que pensar o que era isso. Achava que podia ser uma gíria da Bavária para sexo. A vergonha deles era mais desagradável do que as cenas em si.”
“A estação era da empresa ferroviária da Alemanha Oriental. Ou seja, tudo o que tinha dentro era da Alemanha Oriental. Por isso, não conseguimos autorização. Por isso, tivemos algumas tomadas suicidas feitas rapidamente correndo com a câmera. Do lado de fora não tinha o menor problema. No metrô também podia porque ele pertencia a Berlim Ocidental.”
“Ele estava em Nova York ensaiando O Homem Elefante. Então fomos até lá filmar com ele. Na manhã das filmagens foi quando assassinaram John Lennon – exatamente a cinco quarteirões de onde nós estávamos. E o Bowie avisou que não iria. Mas eles conseguiram convencê-lo a fazer tudo rapidamente.”
“Realmente a encontrei uma vez pessoalmente. E foi só esta vez. Foi durante um show, eu já tinha 16 anos. Mal conversamos – porque a música estava alta. Mas agradeço a Christiane porque, por causa dela, estou aqui, hoje sou diretora e escrevi roteiros nos últimos 20 anos. Se não fosse pela sua vida, talvez hoje eu fosse professora de matemática, o que também não é um trabalho ruim.”
O filme volta aos cinemas brasileiros a partir do dia 28 de julho. No dia anterior, a Rolling Stone Brasil fará uma sessão especial com debate. Quer assistir? Participe do concurso cultural
No domingo, 24 de julho, o Petras Belas Artes ainda realiza outra sessão exclusiva, o Belas Sonoriza especial Bowie traz o filme com trilha sonora ao vivo de André Frateschi e da banda Heroes, especialistas em interpretações de David Bowie.
Para esta apresentação André Frateschi (voz), vem acompanhado de Miranda Kassin (voz), e da banda Heroes, formada por Angelo Kanaan (bateria), Renato Cortez (baixo), Fernando Coelho (guitarra) e Tiago Sormani (saxofone).
Serviço
Belas Sonoriza especial Bowie com “Eu, Christiane F. - 13 Anos, Drogada e Prostituída”
Onde: Petra Belas Artes
Quando: domingo, 24 de julho
Horário: 14h00
Onde: Rua da Consolação, 2423 – Consolação – São Paulo/SP
Telefone: (11) 2894-5781
Site: www.cinebelasartes.com.br
Valores: Os ingressos custam R$ 50,00 e R$ 25,00 (meia, para estudantes e melhor idade). Tem poltronas numeradas. Em todas as salas, cadeiras adequadas para obesos e espaço para cadeirantes.
Ingressos: Na bilheteria ou pelo site
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