Após finalizar Loki, série mais impactante (e agradável) da Marvel no Disney +, Alan Sepinwall conversa com a mente visionária por trás das histórias mais criativas (e estranhas) da TV
Rolling Stone EUA / Alan Sepinwall Publicado em 20/08/2021, às 14h11
Séries de TV são criações colaborativas, mas as do Universo Cinematográfico da Marvel foram além. Para o roteirista principal de Loki, Michael Waldron, significa não apenas trabalhar com a premissa pronta da série (variante de Loki removida da linha do tempo após Os Vingadores (2012) e com problemas com a Autoridade de Variância Temporal, grupo obscuro até para padrões da Marvel) mas, também, estabelecer ideia de multiverso com realidades paralelas, centro dos filmes da Fase Quatro do MCU.
É uma combinação não convencional, mas funcionou para Loki, série mais empolgante das três lançadas pela Marvel no Disney+ até aqui, ecom o final mais satisfatório. (Marvel ficou contente o suficiente para contratar o roteirista de Rick and Morty para trabalhar em Doutor Estranho: No Multiverso da Loucura.) Waldron falou à Rolling Stone EUA sobre o começo incomum da série, como tudo mudou após Jonathan Majors ir muito bem na audição para interpretar Aquele Que Permanece (posteriormente, tornando-se o vilão Kang e parte importante da Fase Quatro). Também comentou sobre a série de luta livre Heels (chegou ao Starz em 15 de agosto) e mais. Veja:
Você começou na série com a ideia da perseguição de Loki e a TVA (Autoridade de Variância Temporal na sigla em inglês) definida. Como acontece esse tipo de acordo na Marvel?
Michael Waldron: Houve um briefing criativo, de mais ou menos 20 páginas, dizendo: “Queremos fazer algo com Loki lutando contra a TVA. Aqui estão alguns caminhos diferentes e legais para explorar.” Foi realmente apresentado aos roteiristas como ponto de partida para juntarmos os projetos. Então, comecei a trabalhar de verdade na ideia de Loki ser trazido para caçar outro Loki, como coração da série, além da relação Loki/Sylvie. A grande ideia do projeto - assim que apresentei para Kevin [Feige, presidente da Marvel] - foi realmente passar pelos seis episódios, parecido com as versões originais. Queria o Episódio 3, por exemplo, um pouco parecido com Antes do Amanhecer (1995), com Loki e este personagem andando pela lua apocalíptica. Mas a Marvel teve a faísca de genialidade, provavelmente a mais importante, de transformar em apenas Loki e a TVA.
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De onde veio a ideia da variante de Loki ser mulher?
Essa foi uma das minhas ideias confirmadas depois, na sala dos roteiristas. Sim, sabíamos desde o início que Loki se apaixonaria por outra versão dele mesmo.
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Por que essa ideia te atraiu?
Amo escrever qualquer romance, é divertido. Especialmente porque não existem muitos no MCU. Há uma lógica óbvia de autorreflexão. É praticamente uma série sobre amor próprio, literalmente; é sobre Loki tentando ver partes de si. No começo da série, meio que se odeia. Se compara com Mobius, como um vilão, então conhece Sylvie e a vê como alguém em uma cruzada heróica. Vê o bem nela e é capaz de ver o bem nele mesmo.
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Para Mobius, Loki se apaixonou pela própria variante por ser narcisista. Na sua opinião, ele seria capaz de se apaixonar por alguém além dele mesmo?
[Risos] Não sei se ele não se apaixonou por si mesmo antes. Talvez depois disso, mas, para a primeira vez que se apaixona, deveria ser assim.
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Qual a chave para contar uma história de viagem no tempo, aproveitando-se do conceito sem confundir o público?
Fazendo um trabalho nunca visto pelo público. É realmente entender a lógica, construir o TVA como uma organização real, existente em nossas mentes. Na sala dos roteiristas, temos um manual do TVA, uma enciclopédia com razões dos atos da organização e um glossário de termos. E aí, você dá ao público o mínimo para entender a história e mergulhar no emocional. Se a ficção científica, a lógica da viagem no tempo da série, não se sustentar semana após semana, isso distrai das jornadas emocionais dos personagens. Então, estou feliz, mesmo precisando aceitar as consequências junto a Loki no primeiro episódio, isso não é distração para história apresentada. Tivemos o benefício dos olhos do público serem os de Loki. O público está aprendendo, assim como ele.
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Tem uma cena engraçada em Vingadores: Ultimato, na qual os Vingadores começam a discutir sobre como exatamente viagens no tempo funcionam no MCU. Quanto você estudou outros filmes da Marvel para ter certeza da consistência de suas regras?
Felizmente, Vingadores: Ultimato (2019) foi o principal, tornando-se referência. A TVA entende a viagem no tempo em um nível mais profundo, se comparada aos Vingadores em Ultimato (2019). Queríamos nos assegurar de respeitar qualquer regra deles, mas também criar as nossas. É uma série sobre viagem no tempo. Onde eu estava com a cabeça? Um filme é uma coisa, mas uma série é mais difícil.
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Quantas variantes do Loki vocês criaram na lousa da sala dos roteiristas durante a série?
Centenas. Muitos Lokis diferentes. Tinha um Loki, talvez uma versão de Mobius sem óculos, com pequenos olhos de águia, como se pudesse ver tudo. Havia coisas espalhadas por toda a lousa. Tom Kauffman, escritor do quinto episódio, é um incrível roteirista de comédia e foi quem escreveu as três primeiras temporadas de Rick and Morty (2013). O primeiro rascunho para aquele episódio era simplesmente maluco.
Havia alguma variante, ou qualquer ideia maluca, que você realmente adorou mas não pode fazer?
Queríamos fazer muitas mudanças em The Void. Mas não quero falar nada sobre, porque vocês nunca vão saber. Minhas ideias preferidas talvez apareçam por aí.
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Ok, então vamos para uma variante vista por nós. O Loki Jacaré, realmente um Loki, ou só um jacaré usando a coroa de Loki por acaso?
Um mágico não revela seus truques, cara. Esse é um bom debate. Deixe as pessoas discutirem.
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Na sua visão, qual foi a história de origem do Loki Jacaré? Quem sugeriu e como isso foi recebido em um primeiro momento?
Aquele foi, talvez, meu primeiro encontro com os produtores da Marvel, Kevin Wright e Stephen Broussard, falando sobre a série e eu disse: “Talvez encontremos muitos Lokis diferentes. Poderia ter um Loki jacaré? Por quê? Porque ele é verde.” Todos rimos de quão estúpido aquilo era. Foi meu jeito de mostrar toda a energia das possibilidades da série. Podemos ter algo como aquilo, mas vamos seguir as normas. Loki Jacaré, você ri dele, mas, em geral, continua aceitável. Aquele foi o balanço do tom divertido buscado na série.
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Há algumas informações conflitantes se o vilão seria apenas Aquele Que Permanece, um personagem completamente diferente de Kang, ou se a escolha de Jonathan Majors para o elenco mudou o plano. Na sua visão, o que aconteceu?
O personagem sempre foi uma versão de Kang, desde o primeiro rascunho do roteiro. Sabíamos na sala dos roteiristas relativamente desde cedo. Vimos uma oportunidade de mesclar a mitologia d'Aquele Que Permanece, o cara por trás da TVA, com a mitologia do Immortus. Era simplesmente muito convincente. Um jeito de elevar, parecia certo para Loki, porque ele estava no primeiro Vingadores (2012), foi quem uniu os Vingadores e isso está diretamente ligado a expandir o multiverso. Esse evento levará à Fase Quatro. Certamente, quando Jonathan veio, nos permitiu perceber rapidamente o quão excêntrico e carismático esse personagem poderia ser. Fui inspirado pelo personagem de Tom Cruise em Magnolia (1999) para Aquele Que Permanece, tentando dar um pouco da energia de Frank TJ Mackey. Ele captura aquilo e, então, eleva a outro nível, diferente e estranho.
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Você acabou de falar o quão importante o multiverso será na Fase Quatro do MCU. O quão desafiador é estabelecer tudo isso para um plano maior da Marvel enquanto também precisa servir as necessidades da história da série?
É um desafio, tudo é uma corrida de revezamento e você tem o bastão nesse momento, quer fazer um ótimo trabalho. Na Marvel, o fim do jogo é quando a série ou filme está na melhor forma possível. Eles realmente apoiam isso e confiam no encaixe orgânico de tudo.
Estamos empolgados para mostrar uma nova versão de Kang, porque, sim, introduzir esse novo vilão foi legal para nossa série. Estava ciente e cauteloso quanto ao que lemos no teu review, introduzir um novo personagem como principal antagonista, no final da série, talvez não seja uma história tão impactante.
Obviamente, tínhamos o benefício das pessoas conhecerem Kang, e há ainda algo além, uma parte do público sabia que Jonathan Majors será Kang na Fase Quatro. Mas o final só funcionaria se Aquele Que Permanece, de forma convincente, entregasse uma história emotiva a Loki e Sylvie. Foi o trabalho mais importante feito pelo personagem no final: construiu um conflito muito convincente responsável por separar os dois.
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Havia também uma confusão quanto à confirmação da segunda temporada.
Inicialmente, na sala dos roteiristas, não agíamos como se houvesse uma segunda temporada. E todo o caminho foi assim, esta deveria se sustentar sozinha. Fiz referência à The Leftovers (2014) e Mad Man (2007) o tempo todo. Penso sobre aquelas temporadas, levaram as histórias maiores para frente, mas você pode olhar para qualquer uma como uma história individual. Loki deveria ser assim, com segunda temporada ou não. Queríamos levar Loki de volta ao MCU depois da conclusão da nossa série. A única questão era: seria uma aparição em um filme ou uma segunda temporada? Somente durante o desenvolvimento as estrelas se alinharam para fazer uma segunda temporada.
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Mas aquela cena final, na qual Mobius não reconhece mais Loki e a TVA está repleta de estátuas de Kang, não seria um final satisfatório para uma série de temporada única.
Aquele final só funciona se houver uma segunda temporada. Então, tem uma outra conclusão pra história, escrita por mim, está por aí, só pra mim. Minha própria peça de teatro, vou encenar com figuras de ação.
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Qual é o plano original de Sylvie, antes de Loki a levar para aquela lua apocalíptica?
Era esvaziar a TVA. Todo o bombardeio da Sagrada Linha do Tempo buscava criar uma distração. Ela não conseguirá criar um multiverso fazendo aquilo. Por fim, a TVA tem as pessoas necessárias para fugir e lidar com esses eventos, mas precisam enviar muitas equipes de Homens-Minuto, deixando os Guardiões do Tempo significativamente menos protegidos. Este era o plano dela.
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Você não chegou nisso como um grande fã de histórias em quadrinhos. Então, alguém na equipe te disse: “Bem, tem essa nuvem gigante, chamada Alioth, comedora de tempo,” ou, “Bem, uma vez Thanos teve um helicóptero,” alguém encarregado disso?
Estou constantemente lendo quadrinhos da Marvel, mas tentando não ficar preso a eles e fazer minha própria história. Encarreguei nosso assistente de roteiro, Ryan Kohler: “Você deve ser a autoridade sobre a TVA, Kang, tudo isso.” Então, ele e minha assistente, Sophie Miller, tornaram-se uma equipe de apoio, lendo vários desses quadrinhos, um grande conhecimento para ser usado pelos roteiristas.
Os produtores da Marvel, obviamente, têm domínio sobre os quadrinhos. Kevin Wright chegou um dia e parecia planejar um filme de asteroides, “Alioth! Veja isto!” E nós: “Meu Deus, isso é perfeito!” Quando você trabalha com séries de quadrinhos, tudo vindo deles, não importa o quão 'deus ex machina' seja, é simplesmente legal: “Não acredito que você tirou aquilo dos quadrinhos." Alioth foi um grande avanço e desbloqueou os últimos dois episódios para nós.
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Alioth não foi introduzido em um quadrinho famoso. Foi uma minissérie dos anos 1990, com uma arte muito feia.
Mas dá pra olhar e ver o potencial. Você diz: “Se nós fizermos isso, e parecer bom, será muito legal.”
O amor de Mobius por jet skis foi simplesmente para ilustrar o personagem ou você tinha uma ideia maior em mente?
Vou ser sincero: eu sou o cara do jet ski. Tenho passado um bom tempo em jet skis durante o dia. Costumava levar um jet ski para um lago e andar enquanto estava na faculdade. Então, provavelmente, era eu. Estava quase me tornando um mordomo de Loki. Mobius, pra mim, deveria ser criado do zero, não há nada como aquele personagem nos quadrinhos. Então, pedaços de mim podem ser encontrados por ele. Penso que há algo tão tocante - Mobius é um cara lutando, literalmente, para preservar todo o tempo no multiverso, e seus interesses são talvez os mais humildes, humanos, terrestres e normais imagináveis. Apenas um jet ski. Owen Wilson interpreta o personagem, deixando tudo melhor.
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Você estará de volta de alguma forma na segunda temporada?
[Longa pausa] O tempo dirá.
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Enquanto crescia, você era grande fã de wrestling. O que os quadrinhos e wrestling têm em comum, tanto histórias como fãs?
A razão pela qual eu era tão interessado pelo wrestling quando criança, crescendo nos anos 1990. À época, só encontrei essa história com desenvolvimento. Assistia Power Rangers e os acontecimentos da semana não importavam na próxima. Algo com relação aos processos me deixou maluco, porque parecia não haver etapas, embora eu tivesse apenas seis anos.
Então, parti para o wrestling, porque os acontecimentos do dia realmente moldavam a história na próxima semana. Achei aquilo convincente. Isso é ótimo nas histórias em quadrinhos também, o formato natural de série. Os personagens e suas jornadas são construídos conforme o tempo, então, seu investimento é recompensado. São representações míticas do bem contra o mal. Finalmente. Então, há várias semelhanças entre quadrinhos e wrestling.
Por fim, uma série tão estranha e de difícil continuidade como Loki só é possível porque o público acompanha o MCU por mais de 12 anos e não precisa de tudo explicado. Com Heels, você sente necessidade de segurar o espectador pela mão ou o wrestling é popular o suficiente para não precisar?
Mesmo não sendo grande fã de wrestling, a maior estrela do cinema no mundo é um antigo lutador. Está na cultura por décadas. Então todos, pelo menos aqui nos Estados Unidos, têm algum conhecimento sobre isso. Quero uma série autêntica, para os fãs realmente ligados ao wrestling aproveitarem. Mas também amamos personagens experts, queremos assistir super-heróis sendo os melhores em suas atividades. Adoro assistir Tony Soprano como chefão da máfia porque eu não saberia lidar com aquela m*rda. Ao mesmo tempo, quero atrair o público leigo sobre wrestling, embora possam rejeitar a ideia. “Não gosto de WWE, não assistiria aquela série.” Há algumas lições aprendidas com Friday Night Lights (2006), muitas pessoas amam, apesar de odiarem futebol americano, assistiram por anos na Netflix. Tentamos atrair o máximo de pessoas.
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