- Vivienne Westwood (Foto: David M. Benett/Dave Benett/Getty Images)

Vivienne Westwood; 'o punk era só mais uma commodity de marketing' [ENTREVISTA]

Vivienne Westwood morreu nesta quinta-feira, 29; relembre a entrevista exclusiva para a Rolling Stone Brasil

Ademir Correa Publicado em 29/12/2022, às 19h46 - Atualizado às 20h09

Morreu nesta quinta-feira, 29 aos 81 anos a estilista britânica Vivienne Westwood, responsável por consolidar a identidade do movimento punk na década de 70. Em 2008, Westwood concedeu uma entrevista à Rolling Stone Brasil. Confira abaixo:

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Elogio à Polêmica

Aos 66 anos, a estilista inglesa que transformou o punk em um manifesto da contracultura ainda é a mente inquieta que quer mudar nossa forma de pensar a arte, a moda e a política, como afirma, de Londres, em entrevista exclusiva à Rolling Stone Brasil.

Você é mundialmente conhecida como "a rainha do punk". Esse título ainda faz algum sentido hoje?

O punk começou como um manifesto feito através da moda. Tentamos criar a imagem do revolucionário urbano moderno que não estava satisfeito com a cidade onde vivia. Eu era muito política naquela época [década de 1970], mas ainda continuo fiel às minhas motivações. Agora minhas roupas são mais anti-sistema do que antes. Porque o sistema é uma zona cinzenta do tipo: "Deixe que tudo continue como é. Estou bem, gosto de ter o mesmo visual que todas as outras pessoas". Fazendo moda, dou uma chance às pessoas. Não existe nenhuma atitude mais explosiva do que oferecer uma escolha aos outros

Recentemente, você recebeu o título de "Dama" concedido pelo governo inglês. Essa honraria representa uma vitória da rebeldia?

Eu não quis ser esse símbolo de rebeldia. Percebi que o punk era só mais uma commodity de marketing. Meu envolvimento era realmente emocional [Westwood era casada com Malcolm McLaren, empresário dos Sex Pistols e, quando a banda foi formada, ela foi responsável pela identidade visual dos músicos].

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Como vê a filosofia do punk - do faça você mesmo, da rejeição às regras - aplicada aos dias de hoje?

As pessoas ainda querem ser rebeldes, mas não há muito espaço para isso porque uma rebelião verdadeira tem a ver com ideias, e não existiu nenhuma ideia no século 20. Hoje tudo é ditado pela manufatura de massa e pela publicidade. E o negócio tem que funcionar mesmo com a criatividade. Não podemos nos esquecer de que a Renascença redescobriu o pensamento grego e, com ele, a compreensão de que a civilização se manifesta na arte. Eu, por exemplo, sempre fui uma leitora ávida e olhei para a história e para outras sociedades a fim de encontrar minhas próprias opiniões. É por meio da cultura que se pode modificar a todos e, se você não tem cultura, as pessoas não pensam... Se as pessoas não pensam, tudo permanece como está.

Essas questões fazem parte de seu manifesto em favor da cultura?

Fiz esse manifesto, que eu chamei de "AR" [Active Resistance to Propaganda], para desafiar essa idéia de tendências. Cultura não é o que "está na moda", porque o que "está na moda" não é nem original nem novo. Para mim, está bem claro que a arte - o único espelho objetivo que nos mostra o mundo como ele é ou deveria ser - produz cultura. Quero modificar nossa forma de pensar. Temo pelo que chamo de "pseudo-cultura" - algo incrivelmente superficial e nada controverso.

É um desafio fazer moda, arte e protesto - repletos de referências - em uma mesma coleção?

Minhas roupas são despretensiosas, não estão tentando se vender. Mas elas são bastante teatrais e permitem que você proteja a sua personalidade. Também são convidativas - as pessoas reagem a elas. E ainda têm um bônus: se você usá-las, não vai ser importunado por gente conservadora. Mas o que é ainda mais importante é o fato de minha moda falar sobre o corpo de maneira a fazer com que você se destaque, pareça importante e se sinta assim. Por exemplo, a mensagem que quis expressar em minha última coleção, "Propaganda", era a "antiglobalização". Noreena Hertz escreveu um livro muito bom sobre globalização chamado The Silent Takeover [A Tomada de Poder Silenciosa]. A questão principal que ela coloca é que, se você aceita a globalização, as pessoas que controlam o mundo não são os políticos eleitos, mas os empresários. E se o governo estiver à mercê das empresas para promover a indústria, então nosso voto passa a ser insignificante.

Suas opiniões políticas e os questionamentos que você levanta levaram seu trabalho também para outros países. Pela primeira vez, você está desenvolvendo um produto para o Brasil - modelos exclusivos de sandálias Melissa. O que acha do nosso mercado?

O Brasil tem sorte no sentido de não possuir grandes conglomerados de moda que, em última instância, influenciam a opinião dos críticos. A imprensa tem papel importante em formar consumidores, apresentar-lhes uma postura diferente e informá-los da verdade. Até onde posso ver, daqui de Londres, e por causa do meu diretor que passa muito tempo aí, é um país de múltiplas oportunidades devido a sua grande extensão e sua juventude. Mas acho que vocês deviam adotar os valores europeus - e não os norte-americanos - e abraçar de vez sua liberdade e sensualidade inatas por meio das roupas.

 

A banda brasileira CSS tocou no lançamento de seu perfume, Let It Rock. Gosta dessa onda new rave da qual eles fazem parte?

Escolhi essa banda para tocar no lançamento do meu perfume porque a garotada aqui me disse que eles eram legais.

A Luta Continua

"Sou estilista, mas isso significa também que estou em posição de expressar minhas idéias políticas. Uso minha coleção como oportunidade de erguer minha voz em uma época em que isto está ficando cada vez mais difícil", explica Vivienne Westwood que, atualmente quer chamar a atenção do mundo para as seguintes questões:

Manifesto Active Resistance of Propaganda

"Chamei minha coleção de '56' [ela faz referência a uma proposta do primeiro ministro britânico Gordon Brown de aumentar em até 56 dias a detenção de suspeitos de terrorismo]. Além do mais, no desfile há elementos gráficos para marcar que meu manifesto [feito através de desfiles] está terminado - formas abstratas que lembram cabeças de animais e que também sugerem o simbolismo de um ritual pagão - nossas idéias nasceram com os gregos e este Manifesto tem a ver com cultura [como antídoto para a propaganda]. Dito isto, as roupas falam de sexo. A idéia começou com o 'estamos com a pressa de sempre'. A inspiração foi: 'E se Marilyn Monroe se casasse com um lorde inglês com terras no interior e eles tivessem uma relação agitada?' Então misturamos nosso caso de amor com damas da sociedade e prostitutas do século 17, cujos retratos embalados em linho e tafetá parecem ter se enrolado sozinhos na seda das cobertas da cama."

www.activeresistance.co.uk

Racismo na moda

A estilista acredita que as revistas deveriam ser forçadas a usar uma proporção de modelos negras e asiáticas em suas capas - independente de isso significar, ou não, uma queda nas vendas. E Westwood fez sua parte ao colocar Ajuma Nasanyana (Ford Models) para abrir seu desfile de verão 2008 e para estampar a campanha da mesma coleção.

Direitos Humanos

"Apóio a causa de Leonard Peltier. É um índio acusado injustamente de ter matado dois agentes do FBI. E ele está na prisão há 28 anos por um crime que não cometeu - o governo norte-americano admitiu oficialmente que Leonard foi condenado com base em evidências falsas. Não luto por ele ser um índio, apesar de ser ativista político, busco a justiça antes da lei para qualquer homem ou mulher. A lei deveria ser uma proteção, não uma arma contra os direitos humanos. A liberdade antes da lei é a nossa liberdade mais básica." www.leonardpeltier.net

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