Redação Publicado em 10/03/2011, às 14h20 - Atualizado às 14h21
Tiê
A Coruja e o Coração
Warner
Cantora de voz tranquila junta indie folk a causos amorosos em seu segundo álbum
A dicotomia de tradição e ruptura nunca deixa de ser ouvida. No departamento feminino do pop nacional, se a estação passada trazia vozes fortes, gritalhonas até, cujos timbres pareciam se espelhar em Nelson
Gonçalves e Jim Morrison, no novíssimo front das cantoras brasileiras tudo está calmo, suave e às vezes beirando o pueril. E, se a ruptura é aquele ponto indefinido entre a última rouquidão de Ana Carolina e o primeiro versinho de Mallu Magalhães, a tradição pode ter vida curta se o repertório se desgastar em temas e atitudes cada vez mais iguais. Cada artista a despontar nessa população de cantoras debutantes tenta se esquivar da norma para manter a tradição à sua maneira. Em seu segundo álbum, a paulistana Tiê encontrou um caminho certo ao investir sua voz macia em canções com um estilo distante da obviedade vigente. Em 2009, ela lançou seu primeiro álbum, Sweet Jardim, traçando regras enxutas: voz, violão e quase nada mais para destilar casos de amor que quase sempre iam para o beleléu. A Coruja e o Coração é uma evolução natural do trabalho de estreia. Ambos foram produzidos pelo multi-instrumentista carioca Plínio Profeta e trazem em comum as ilustrações de capa da estilista Rita Wainer e as participações do baixista Gianni Dias (irmão de Tiê) e da cantora Tulipa Ruiz. O novo álbum, no entanto, é mais bem abundante de convidados e instrumentos, trazendo até bateria (algo até então raríssimo no repertório da artista). Tiê abre o disco com uma espécie de dedicatória à filha, que nasceu no ano passado. Acompanhada por piano e naipe de cordas, Tiê canta, serena, “Na Varanda da Liz”. A partir daí, uma dezena de baladas curtas e cativantes segue, com referências, no mínimo, incomuns. “Só Sei Dançar com Você”, música de Tulipa Ruiz, ganha um ar mais bucólico com um banjo e o acordeom tocado por Marcelo Jeneci. A veia indie folk continua com Tiê cantando a saudade, e o que ela faz para matá-la mesmo quando é impossível, em “Pra Alegrar Meu Dia”. “For You and for Me”, com letra em inglês, e a veloz “Hide and Seek”, com a participação de Hélio Flanders, do Vanguart, seguem a mesma linha. É como se quisessem selar um elo entre o alt-country perpetrado por nomes como Sparklehorse, Neko Case ou Bonnie “Prince” Billy e a novíssima música brasileira. Ela pode nem estar interessada em uma hipotética conexão, mas, assim como Thiago Pethit, cuja composição “Mapa-Mundi” ganha no disco uma versão mais campestre, Tiê ergue as escoras dessa ponte. Quando Sweet Jardim foi lançado, parte da crítica se apressou em carimbar um selo lo-fi na testa da moça. Se já era uma catalogação manquitola, com os arranjos e a instrumentação de A Coruja e o Coração, ela perdeu todo sentido. Na lindíssima “Perto e Distante”, Tiê faz um dueto com o cantor e compositor uruguaio Jorge Drexler, enquanto o trompete e o piano elétrico (um Wurlitzer tocado por Jeneci) dão o acompanhamento. “Você Não Vale Nada”, com uma letra cheia de ódio e vingança (tornada hit nacional com o forró eletrônico da banda sergipana Calcinha Preta), vem com violão e palmas flamencas marcando o passo enquanto Tiê contrasta o tema irado com uma voz delicada. E a valsa “Te Mereço”, que se assemelha a “Chá Verde”, de Sweet Jardim, traz um belo e circunspecto violoncelo. Tudo isso passa bem ao largo da estética lo-fi. Acompanhada por Karina Zeviani, que já rodou pela cena da lounge music atual com o duo norte-americano Thievery Corporation e o coletivo francês Nouvelle Vague, Tiê discorre sobre o medo de dizer sim em “Piscar o Olho”, uma crônica sobre o início e o fim de um amor – e tudo que é saudável nesse processo. As duas também compartilham os vocais de “Já É Tarde”, com versos em espanhol, uma levada leve e um rico arranjo. Ao longo de todo o disco, Tiê segue narrando histórias altamente confessionais, como que pensando em voz alta, mas suave. A cantora com nome de passarinho faz de A Coruja e o Coração uma coleção de baladas de sedução imediata nos moldes da mais nova tradição.
JOSÉ JULIO DO ESPIRITO SANTO
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