Caravana Sereia Bloom

Céu

José Flávio Júnior

Publicado em 13/02/2012, às 10h40 - Atualizado em 15/02/2012, às 18h34
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Céu - Divulgação

“Há uma estrada dentro de mim. Não sei onde ela vai dar. Meus olhos estão fechados. A única testemunha que tenho é o vento na minha bochecha, sussurrando: ‘lllivreeee’.” Assim canta Céu, mas em inglês, na faixa “Fffree”. De curtíssima duração, precisamente um minuto e sete segundos, ela resume o espírito do terceiro disco da cantora paulistana. Caravana Sereia Bloom é um road album, que fala de estrada, asfalto, viagem, carro em movimento, retrovisor... E que traz a intérprete brasileira que melhor se posicionou no mercado internacional neste milénio explorando terrenos inéditos, se jogando numa aventura com solavancos, mas repleta de prazer.

Produzido pela própria cantora e por Gui Amabis, marido dela, o trabalho abandona estilos presentes nos CDs anteriores. Não há mais samba, nem afrobeat, tampouco referências a mestres do balanço nacional, como Jorge Ben Jor ou João Bosco. O único gênero sacolejante que permanece no roteiro é o reggae. Essa mudança de direção pode alienar uma parte dos velhos fãs. Especialmente se esse pessoal não digerir que o rock é agora um dos sons perseguidos por Céu. E isso é declarado logo na primeira faixa. “Falta de Ar”, escrita por Gui, fica no meio do caminho entre o Erasmo Carlos dos anos 70 e a Rita Lee dos 80. Fernando Catatau, que brilhara na última música do segundo disco da cantora, Vagarosa, retorna com sua guitarra fora de controle nessa gema pop, meio que para lembrar que há coerência aqui, apesar dos novos rumos estéticos.

Antes que o ouvinte se recupere do choque, Céu engata outro rockzinho, este de sua autoria: “Amor de Antigos”. A essa altura já é possível lançar uma hipótese para justificar a alteração de rota proposta por Caravana Sereia Bloom. Céu teve ótimo desempenho com seus dois primeiros álbuns, mas era como um planeta à parte no universo da música mais vibrante feita no Brasil hoje. Fazia mais sentido relacioná-la com um artista de fora do que com seus pares nacionais. Com um rock retro aqui, um flerte com a música brega acolá (em “Baile da Ilusão” a referência é declarada), Céu se aproxima do que Otto, Arnaldo Antunes e o Cidadão Instigado, de Catatau, buscaram em seus últimos registros. Ela entra efetivamente para a turma.

“Retrovisor”, uma das faixas mais surpreendentes do álbum, tem sua primeira parte conduzida por uma bateria eletrônica fuleira, no clima dos bailes da saudade do Pará, mas depois vira um arrastado rock psicodélico, à The Dark Side of The Moon. É o indício de que a viagem entrou em seu trecho mais exuberante, com uma sequência de músicas de rara beleza. “Contravento”, talvez a melhor do pacote, é um cruzamento de salsa, baião e, mais uma vez, rock, que confirma os compositores Lucas Santtana e Gui como forças motrizes nesta empreitada. Só que o destaque absoluto é a voz de Céu. Sua releitura de “Palhaço” (Nelson Cavaquinho) não tem a dramaticidade da gravação de Dalva de Oliveira nem o suingue da versão de Clara Nunes, mas é de dar nó na garganta. O maestro Edgard Poças, que relutava em participar da obra da filha, assume o violão na peça minimalista.

Há mais vinhetas (três, no total, indicando a nobre preocupação da cantora com a unidade do álbum) e músicas em inglês (três também, incluindo o achado “You Won’t Regret It”, obscuro ska da década de 60) do que nos discos anteriores. Mas há também um R&B arrematando o repertório que traz de volta a Céu nos primórdios: é “Chegar em Mim”, um convite sensual, escrito por Jorge Du Peixe e levado pela cantora com seu charme habitual.

Fica claro que estamos lidando com uma artista daquele time diferenciado, que não tem medo de ousar, de botar a perder o já conquistado. Na real, esse é o bê-á-bá do ofício. Mas Céu precisava dar essa aula para algumas acomodadas cantoras daqui.

Fonte: Urban Jungle/Universal

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