Redação Publicado em 05/01/2010, às 18h49 - Atualizado às 18h49
Daniela Mercury
Canibália
Sony Music
Tem acarajé e Coca-Cola no tabuleiro da baiana. Em Canibália, seu 13º álbum, Daniela Mercury volta a pisar fora do terreiro da diluída axé music sem romper com sua trajetória. A rota cosmopolita já tinha sido seguida em 2001 em disco no qual a cantora revelou no título, Sou de Qualquer Lugar, a intenção de não deixar sua música cozinhar em fogo brando no caldeirão de ritmos baianos. Com as liberdades estéticas garantidas pelo antropofágico título Canibália, a baiana recrutou o rapper norteamericano Wyclef Jean (projetado nos anos 90 no trio Fugees) para compor e cantar com ela um R&B bilíngue, “This Life Is Beautiful”, que celebra a vida e a Bahia. “No meu sangue o dendê se misturou”, reitera Daniela em verso de “Preta”, o medley em que o convidado Seu Jorge destila consciente orgulho negro ao cantar o samba “Sorriso Negro” com citação do “Rap do Negão”. Sim, corre nas veias da artista o dendê miscigenado. E Canibália pulsa mais forte quando recorre aos beats eletrônicos para turbinar clássicos populares da música brasileira da era pré-moderna. “O Que É Que a Baiana Tem?”, samba de Dorival Caymmi que propiciou a conquista dos Estados Unidos por Carmen Miranda, na virada dos anos 30 para os 40, é rebobinado por Daniela em notável dueto virtual com a vivaz brazilian bombshell. Símbolo recorrente no universo tropicalista que norteia Canibália, Carmen também é evocada na antenada revisita ao choro “Tico-Tico no Fubá”, hit mundial dos compositores Zequinha de Abreu e Aloysio de Oliveira. Nessa esfera cosmopolita, o álbum gira em torno da alegria que rege a discografia de Daniela. Se a eletrônica é o tempero posto com generosidade no tabuleiro a partir do álbum Sol da Liberdade (2000), e usado com certo exagero em Canibália na faixa “One Love”, o calor já é irradiado desde o início dos anos 90, quando a voz da cantora imperava hegemônica no reinado do axé antes de a coroa lhe ser tirada por divas genéricas de políticas e sons mais populistas. Calor que aquece “Sol do Sul”, reggae cuja letra ilumina a ideia de uma América do Sul socialmente mais integrada. Em qualquer latitude, Daniela faz da Bahia o seu porto seguro, a ‘terra da felicidade’ exaltada no verso inicial de “Na Baixa do Sapateiro”, cartão-postal de Ary Barroso (1903–1964), acoplado ao “Samba da Minha Terra”, do recorrente Caymmi, e ao “Samba da Bênção” (Baden Powell e Vinícius de Morais) em medley apropriadamente intitulado “Bênção do Samba”. Reverente ao samba e aos ritmos de sua terra, Daniela pede bênção aos orixás em “Oyá por Nós”, em que junta força e vozes com a parceira e amiga Margareth Menezes. O baticum afro-baiano da faixa mostra que, por mais cosmopolita que seja, Canibália também é disco enraizado no terreno da axé music, embora recuse as fórmulas e refrãos fáceis do gênero. Não por acaso, é a batida do samba-reggae que sustenta a releitura minimalista, quase cool, de “O Que Será (À Flor da Terra”), sucesso do Chico Buarque profícuo dos anos 70. E, se o caldeirão de influências e referências nem sempre atinge o ponto exato de fervura, é porque, compositora titubeante, Daniela às vezes não exibe a inspiração atestada em “Cinco Meninos”, tema em que a matriarca agrega familiares nos vocais. Contudo, se “A Vida É um Carnaval”, como apregoa o título de uma das inéditas do disco, Canibália bem pode ser a trilha inteligente do verão escaldante do nosso paraíso tropicalista.
Por Mauro Ferreira
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