Donato Eletrico -

Donato Elétrico

João Donato

José Flávio Júnior Publicado em 19/03/2016, às 15h57 - Atualizado em 01/04/2016, às 16h01

Com ajuda de jovens discípulos, artista veterano volta a provar excelência

Imagine um músico que tenha atuado nos primórdios da bossa nova, trabalhando com Tom Jobim e João Gilberto nos idos de 1950. Que, na década seguinte, tenha ajudado a espalhar os sons brasileiros pelo exterior, tocando com estrelas internacionais do jazz e da música latina. Que tenha voltado ao Brasil nos anos 1970, dirigido show de Gal Costa e escrito gemas da MPB com Gilberto Gil, Caetano Veloso e Marcos Valle. Que tenha passado os anos seguintes sendo cultuado e requisitado para dividir momentos com Martinho da Vila, Marisa Monte e Marcelo D2. Agora, agradeça por esse músico não ser fruto da imaginação e viver no mesmo tempo que você, fazendo shows e lançando discos.

É bem verdade que o último registro só de inéditas de João Donato estava prestes a completar 15 anos. Mas ele nunca parou. Um mito pode muito bem desacelerar, viver das glórias do passado. Só que o pianista de 81 anos nascido no Acre é como Bob Dylan: prefere estar na lida, produzindo, ativo. Em Donato Elétrico, o plugue vai do 110 para o 220. Circundado por músicos com, em média, meio século de vida a menos do que ele, Donato oferta aos pobres mortais um álbum instrumental caprichado, que pode ser comparado aos dois clássicos psicodélicos que ele lançou na década de 1970: A Bad Donato (1970) e Donato/Deodato (1972).

A turma responsável por deixar Donato tão ligado é majoritariamente paulistana. Estão no CD integrantes do Bixiga 70, músicos que acompanham Céu e Tulipa Ruiz, e até Mauro Refosco, percussionista do Red Hot Chili Peppers. No total, 25 instrumentistas se espalham pelos dez temas de Donato Elétrico, sempre reverentes às convenções “donatianas”, mas nunca tímidos a ponto de não se aventurarem por solos de responsa. É de arrepiar o trombone de Douglas Antunes (Bixiga 70) no afrofunk “Urbano”; marca fundo o clarone de Richard Fermino (Patife Band) em “Resort”, faixa predileta de Donato no disco.

O mestre, naturalmente, é quem mais brilha. Além de deixar os dedos soltinhos em pianos elétricos e órgãos dos mais variados, Donato surge em sussurros e respirações aqui e ali, adicionando charme à jornada. Um fone de ouvido de boa procedência é essencial para degustar “Tartaruga” e encontrar a hora exata em que o gaiato acriano murmura o nome do animal, acompanhando a flauta de Cuca Ferreira.

Um quarteto de cordas dá tom solene a parte do material (especialmente quando o arranjo é de Laércio de Freitas, o outro veterano no meio da moçada – e que também merecia um disco solo com o mesmo esmero). Mas o alto–astral e a galhofa acabam prevalecendo, do jeito que o Donato gosta.

Fonte: Selo Sesc

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