Rita Lee
Mauro Ferreira Publicado em 14/05/2012, às 13h17 - Atualizado às 13h26
Irônica, roqueira segue com habitual festa, mas também reflete sobre a morte em disco de inéditas
Não, titia, Rita Lee não está com leucemia. Nos anos 80, a sentença de morte foi dada em boato virulento. Três décadas depois, aos 64 anos, a roqueira mais tropicalista do Brasil quer mais é saúde. “Malho todo dia / Pratico yoga / Não uso mais droga”, garante, com certo desencanto, em “Vidinha”, típico rock da lavra pop de Rita e Roberto de Carvalho. “Vidinha” é um dos pontos altos de Reza, primeiro disco de inéditas da artista em nove anos. Mesmo com tanta saúde, a morte já parece espreitar essa ovelha ainda negra e se insinua recorrente entre os temas do CD produzido por Roberto com o DJ Apollo Nove. “Quanto tempo ainda tenho no mundo? / Milênios? / Milésimos de segundo?”, questiona Rita em versos de “Divagando”, pop aditivado com as batidas oitentistas do DJ Zegon. Impulsionado pela contagiante faixa que lhe dá título, e que está em alta rotação na trilha sonora da novela Avenida Brasil, Reza roça a inspiração do anterior CD de inéditas de Rita, Balacobaco (2003).
Há dose mais alta de eletrônica, não somente pela convocação de Apollo Nove para ser o copiloto do disco, mas sobretudo pelas programações e loops comandados por Roberto de Carvalho ao longo das 14 faixas. Mesmo quando é jogada na pista, a música de Rita não perde sua verve e seu apelo radiofônico. Parceiro fiel, Carvalho joga nas onze em Reza, assumindo guitarras, teclados, baixo e as tais programações. Faixa alienígena dentro desse manual para festas, bailes e afins, “Pistis Sophia” abre os caminhos e o disco na forma de oração tribal feita com o auxílio da percussão de João Parahyba, do Trio Mocotó. “Estou aqui na matéria / Onde morte é coisa séria”, reflete Rita com vocais que simulam o canto das rezadeiras nordestinas. Na esfera carnal, a matéria comanda os instintos em “Rapaz”, convite ao amor sensual feito por Rita a Roberto no toque da bateria de Parahyba. “Serei sua escrava / Sua dominatrix / Sua namorada / Sua bitch”, propõe a acalorada senhora em faixa que não se impõe por conta da melodia quase broxante. Mote de “Bixo Grilo”, a faixa mais eletrônica do álbum, o tesão virtual é a senha para a entrada da roqueira no mundo cibernético da globalização. É fácil cair na rede de Rita quando ela exerce sua liberdade tropicalista, tirando um sarro de brasileiros e italianos na marota “Tutti Fudditi”.
A ironia tropicalista atinge seu ápice em “Paradise Brasil”, tema que costura versos em inglês e espanhol para esboçar retrato jocoso da “bacanália”, termo cunhado por Rita para designar o país tropical de Carmen Miranda, ícone da Carnavália brasuca que Rita cita no refrão com o mesmo sangue latino que pulsa nas veias bem-humoradas da eletroacústica “Bamboogiewoogie”. Por mais que brinque, às vezes até com humor ralo, como em “Bagdá”, faixa que enfileira rimas e versos que soam déjà vu em sua obra, Rita Lee não consegue disfarçar em Reza uma certa tristeza com as limitações impostas pela idade. “Parei de fumar / Parei de beber / Parei de jogar / Dinheiro tanto faz / A cabeça tá um jazz”, admite em “Tô um Lixo”, pop rock de título confessional, gravado com a bateria de Iggor Cavalera, cujo toque soa mais suave, sem a fúria sagrada de sua batida habitual. Sim, a roqueira quase aposentada e sessentona de certa forma já sente a proximidade da morte, mas pelo menos seu santo pop continua forte.
Fonte: Biscoito Fino
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