Redação Publicado em 07/01/2009, às 16h01
Roberto Carlos e Caetano Veloso
E a Música de Tom Jobim
Amigo Records/Sony/BMG
Encontro de ícones prova que Caetano e Roberto não são noviços no movimento surgido há 50 anos
É verdade que não estávamos precisando de mais um disco em homenagem a Tom Jobim. Também não nos fazem falta novas leituras de "Garota de Ipanema", de "Chega de Saudade", de "Wave". Todo esse repertório, clássicos indiscutíveis, já foi mastigado até o bagaço por artistas que, sem saber para onde correr, corriam para trás. E se repetiam uns aos outros em moto-contínuo. Posto isso, que valor há neste Roberto Carlos e Caetano Veloso E a Música de Tom Jobim? Antes de procurar uma resposta, vale lembrar que o ponto de partida para o espetáculo que resultou no álbum (e seu DVD irmão) foi, ele também, uma dessas homenagens: o cinqüentenário da bossa nova. A obra de Jobim, o maior compositor do movimento musical aniversariante, seria então interpretada e registrada em duas noites no Auditório Ibirapuera, em São Paulo, por Roberto e Caetano – par de lendas vivas da cultura brasileira geradas, cada uma a seu modo, pela revolução de João Gilberto. Da devoção de Caetano por João todos sabemos. Foi o canto econômico do mestre que inspirou as interpretações macias do primeiro álbum do discípulo, Domingo (1967). E foi a radicalização dos princípios musicais libertários gilbertianos (em que samba poderia, sim, conviver com jazz, por exemplo) que gerou em Caetano, logo em seguida, a semente do projeto tropicalista. Também Roberto quis ser João em seu primeiro trabalho para a indústria fonográfica. O LP Louco por Você (1961), que o Rei mantém censurado desde seu lançamento, é fundamentalmente bossa nova – ainda que filtrada pelo olhar pop de seu produtor, Carlos Imperial. Desde esse dia, Roberto sonha em dividir o palco com João. Não conseguiu ainda, talvez nunca consiga. Mas, ao menos no que se refere à maneira de cantar, se mantém fiel aos mandamentos da bossa. Aqui, debruçado sobre o repertório de Tom, Roberto parece tão à vontade quanto no conforto de seu próprio palco. Puxou as canções jobinianas para o controle de seu mundo autocentrado – território onde ele mesmo cria e propaga os hinos de todas as outras classes sociais do país. Naquele espaço tão seu, sabe o efeito que cada pausa, cada sussurro, cada respiração vai causar no coração dos que assistem a ele. Por identificação, escolheu a tristeza de Dolores Duran, parceira de Tom em "Por Causa de Você", e o romantismo que quase derrama do poema "Soneto da Separação" (Vinicius), previsivelmente declamado no meio de "Eu Sei que Vou Te Amar". O Rei não gosta de surpresas, afinal. "Insensatez" vem em espanhol, sua segunda língua. E o áudio de "Lígia" aparece metade decalcado do Especial RC 1978, programa de final de ano da Globo em que Roberto recebia Jobim em seus domínios. Caetano, ao contrário, se mostra aqui pouco interessado na escola gilbertiana de canto. Transportou-se para o período pré-bossa nova, trazendo de volta vocais mais empostados e dramáticos, à maneira de Elizeth Cardoso, e deu ênfase ao repertório anterior ao álbum-marco Chega de Saudade (1959). Deixa transparecer alguma insegurança quando canta temas densos, como "Por Toda a Minha Vida", "Inútil Paisagem" e "O que Tinha de Ser" e só brilha de fato na semidesconhecida "Caminho de Pedra" – que só consta do DVD.
Além do prazer que suas belezas imediatas podem trazer, o disco-tributo de Roberto e Caetano a Tom Jobim vale como um mapa de afinidades e idiossincrasias. Entendemos com ele que o imaginário tropicalista ainda guarda algum medo do movimento cinqüentenário que o inspirou, possivelmente causado por respeito excessivo. Não é fácil (muito menos necessário) matar o medo do pai, nem mesmo para Caetano Veloso. Fica claro também que a Zona Norte popular da jovem guarda não tem o menor complexo de inferioridade em relação à sofisticação da Zona Sul bossa-novista. Eles pareciam já saber, antes de todos nós, que, no final das contas, "Eu Sei que Vou Te Amar" (Tom e Vinicius) e "Eu Te Amo, Te Amo, Te Amo" (Roberto e Erasmo) são tudo a mesma coisa.
Marcus Preto
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