Ratos de Porão -

Século Sinistro

Ratos de Porão

Gustavo Silva Publicado em 15/05/2014, às 00h37 - Atualizado às 00h49

Depois de quase dez anos sem disco de estúdio, banda volta em sintonia com os tempos confusos de hoje

Um retorno do Ratos de Porão faz todo o sentido nestes tempos em que vivemos. Em breve, o horário eleitoral nos lembrará de todas as transformações pelas quais o país passou nos últimos quatro anos (o Ratos lançou o ultimo disco, Homem, Inimigo do Homem, há quase uma década, em 2006): a redução da miséria de um lado e a inclusão do Brasil entre as nações mais violentas do mundo de outro; a ascensão material da classe média e a própria classe média atrelando o conceito de justiça à ideia de vingança; a alegria da Copa do Mundo e a brutalidade eventual das manifestações de rua. Ainda que a ideia do prazer imediato do funk ostentação componha parte do panorama atual, Século Sinistro complementa o estado de espírito dando voz e som à violência latente da pátria amada.

Não que para o RxDxP o lado negro do mundo tenha deixado de ser evidente – seja nos últimos oito ou nos últimos 30 anos, quando a banda estreava com Crucificados pelo Sistema. Mas a sintonia com o que acontece hoje foi atualizada em termos de corpo e conteúdo. Já na introdução, os gritos, as bombas e os ruídos dos protestos de junho de 2013 descambam em “Conflito Violento”, como se os cânticos de “sem violência” dos manifestantes das ruas fossem subvertidos – como de fato foram muitas vezes – e transformados em um tuíte urgente e brutal, complexo apenas no pequeno limite que os caracteres do miniblog permitem ser. A sequência com “Mundo Canibal” é quase uma carta de intenções e sugere a atmosfera de todos contra todos que permeia Século Sinistro, que é embalado em riffs que viajam pela fusão do thrash metal e do hardcore com a produção pesada de João Gordo.

Ainda que um convidado de renome apareça no disco (Moyses Kolesne, do Krisiun, é responsável pelos solos de “Neocanibalismo” e “Progeria Power”, versão de música dos suecos do Anti Cimex), a faixa “Sangue e Bunda” marca o sarcasm e o humor negro do Ratos na simpática participação de Atum, o porquinho de estimação de Gordo que urra com tanta clareza quanto o dono em certos momentos, como na ininteligível faixa-título. Irônico também é o fato de a música mais descartável do trabalho justamente levar o título de “Grande Bosta”.

João Gordo, Boka, Jão e Juninho não estão preocupados com análises mais profundas. O recado é direto sobre tudo e contra todos: o sistema e suas faces da lei e da ordem (“Conflito Violento”), o caos (“Boiada pra Bandido”), os politicos (“Puta, Viagra e Corrupção”). Sobra também para a população em geral (na já citada “Sangue e Bunda”). O Ratos, é claro, não é o primeiro a destilar críticas e ódio contra instituições através da música. Não se trata sequer da melhor tentative da própria banda em fazê-lo – ainda que passe muito perto. Mas o disco apresenta composições sólidas com quilate para aparecer com destaque em futuras coletâneas da banda. Século Sinistro é honesto e faz uma síntese bem condensada, à sua maneira, do trabalho e da relevância do Ratos de Porão no underground global. Que eles voltem – e se revoltem – mais vezes.

Fonte: Independente

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