Em sexto trabalho, cantor caminha entre as barreiras que dividem a tradição e a modernidade. -

Sobre Noites e Dias

Lucas Santtana

Lucas Brêda Publicado em 15/08/2014, às 10h37 - Atualizado em 02/05/2017, às 16h29

Com Sobre noites e Dias, Lucas Santtana segue como um dos artistas brasileiros que se preocupam em olhar para o recorte temporal em que estão inseridos. Neste novo trabalho, o cantor e compositor abraça de forma mais intensa uma vastidão de sons, unindo contradições que carregam o ecletismo da modernidade. Entre os sistemas de streaming e a volta do vinil, as batidas eletrônicas e um violão com cordas de náilon, a atualidade se apresenta diversificada na infinidade de possibilidades.

Santtana entende bem essas divisões. Aos 43 anos, chega ao sexto álbum de uma carreira que tem reconhecimento também fora do Brasil. Sem Nostalgia (2009) angariou críticas positivas na imprensa dos Estados Unidos e da Inglaterra, figurou em listas alemãs e francesas, e ganhou, posteriormente, um relançamento com remixes feito por um selo europeu. Em O Deus Que Devasta Mas Também Cura (2012), o músico se apropriou do funk carioca, do tecnobrega e da música eletrônica, cantando em inglês e português, tendo como tema a calmaria de uma cidade litorânea ou a solidão de São Paulo.

Nesse sentido, a estética criada no álbum de dois anos atrás permanece em Sobre Noites e Dias – concebido durante a recente turnê europeia do músico. Só que agora tudo é mais lapidado, com canções despojadas e bem construídas. Logo na abertura, “Human Time”, Santtana conta com os vocais da atriz francesa Fanny Ardant para incitar indagações acerca do tempo e da complexidade da existência. Na doce “Alguém Assopra Ela”, o baiano mostra-se surpreso com pontes feitas de aço e asfalto que absorvem dióxido de carbono, acompanhado por simples teclados e crescentes arranjos de sopro.

A angustiante percepção da passagem do tempo ainda volta à tona com a dura e intrigante “Blind Date”. Sobre Noites e Dias – cujo título não poderia ser mais apropriado – une antíteses que remetem ao livro favorito de Santtana, Grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa. “Funk dos Bromânticos” (com beatbox feitos pela ex-namorada do cantor, a atriz global Camila Pitanga) é direta em abordar o “amor livre”. A reveladora “Partículas de Amor” (com baixo de Bi Ribeiro, do Paralamas do Sucesso) fala de uma idealizada “mulher solar”. O começo e o fim da vida se encontram no personagem de “Velhinho”, que é um menino com alma de idoso.

Santtana mostra-se autêntico ao incorporar elementos de um amplo espectro de ritmos. Além do funk, o rap carioca se faz presente com a participação de De Leve. Em “Diário de uma Bicicleta”, o rapper apoia Santtana e entra no clima da sua conhecida “Rolê de Camelim”. Já a carnavalesca “Mariazinha Morena Clara”, uma ode à cultura brasileira, é pura tradição. Lucas Santtana mistura pop e sons pouco convencionais, inglês e sotaque baiano, marchinha e música eletrônica, retratando um presente cheio de incertezas, pluralidade e efemeridades. Vale decifrar Sobre Noites e Dias, um passo carregado de frescor à frente da nova música brasileira.

Fonte: Diginóis

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