Tulipa Ruiz
Ronaldo Evangelista
Publicado em 06/07/2012, às 15h54 - Atualizado em 10/07/2012, às 16h00Leveza, naturalidade e beleza melódica marcam segundo CD da cantora paulistana
O novo de Tulipa começa como se o filme estivesse voltando do intervalo. Uma virada de bateria e já estamos no meio da ação, plano sequência, carros em perseguição, janela do trem, encontro romântico com travelling de câmera, cinéma vérité, musical, suspense e comédia. Mudando de cenário em movimento, para não deixar a mágica escapar, a mocinha da película encara com fascínio especial a aventura do segundo álbum, primeira reinvenção. A musicalidade natural, a vivacidade dos arranjos, a graça espontânea das composições: tudo mais ou menos igual, só que mais. Dois anos depois de Efêmera, a leveza continua lá, mas entre novas nuances e sugestões. A produção do irmão e guitarrista Gustavo Ruiz – parceiro em sete das 11 composições do álbum – é tão prodigiosa quanto são engenhosos os arranjos sobre os quais a voz de Tulipa flutua, inventa timbres, revela melodias. Em cada enquadramento, a cada esquina dobrada, pelos detalhes de cada faixa, salta aos ouvidos a unidade, o som claro e direto, totalmente contemporâneo.
Empreendimento familiar, com o pai, Luiz Chagas, também tocando guitarra e todos juntos chegando a grandes momentos, a banda base de Tulipa tem ainda Marcio Arantes no baixo e o baterista Caio Lopes, em algumas faixas com o núcleo carioca de Kassin, Stephane San Juan e Alberto Continentino. Em cinco faixas, arranjos de cordas do jovem Jacques Mathias – amigo de São Lourenço, cidade mineira onde Tulipa cresceu. Cada músico parece compreender o espírito simbiótico das melodias, letras, ideias, criando junto universos e enriquecendo o imaginário das canções. As cordas, além de criarem simples camas harmónicas ou complexos desenhos melódicos no ar, são surpreendentes em sua intimidade com as vozes e arranjos de bases, complementando dinâmicas em wide-screen. Isso acontece em “Desinibida”, um dos momentos mais bonitos do álbum, amorosa canção-retrato que é a cara do nosso tempo. É uma parceria com Tomás Cunha Ferreira, da banda portuguesa Os Quais. O grupo São Paulo Underground aparece com Groove minimalista no acompanhamento de “Cada Voz”, composição já antiga de shows, aqui renovada e pronta para nova fase. Já “Víbora”, penúltima faixa de Tudo Tanto, rouba o show. De intensidade eletrizante, foi criada em um ensaio em parceria com a banda e tem a segunda parte escrita por Criolo (que participa da gravação com sussurros). Sobre uma base climática de aura blues, em desenvolvimento melódico quase falado, Tulipa manda: “A gente aqui esperando você falar alguma coisa e você aí bem na nossa frente mudo / a gente nunca esperou isso de você, essa coisa esquisita de ficar em cima do muro.”
“Expectativa” deixa no ar: como fazer o inesquecível acontecer, o invisível aparecer, o imprevisível permanecer? “Dois Cafés” é surpreendente e delicioso encontro com a voz de Lulu Santos. Bom lembrar que uma perfeita canção redondinha pode ser inteligente, esperta, real, crônica da vida normal. O que fica claro é que o pop de Tulipa é dela própria. Se prestar atenção, você ouve as conexões – estão lá Itamar Assumpção e Caetano Veloso, Grupo Rumo e Gal Costa, Yoko Ono e Wings, Of Montreal e Lulu Santos – mas tudo funde em algo novo, como se Tulipa sentisse a graça das influências pelo que inspiram a criar, mais que as reproduzir.
Fonte: Independente