No disco de estreia, Gueto Elegance, BADSISTA vai além da fritação, se reconecta com a identidade pessoal e prepara persona para uma nova era musical
Julia Harumi Morita Publicado em 27/11/2021, às 10h00
Criada por Rafaela Andrade, BADSISTA é resultado e causa das mais variadas vivências: das composições que escreveu inspirada nas bandas Fresno e Fake Number; da criação de beats em sua antiga casa em Itaquera, Zona Leste de São Paulo; de cinco anos fazendo shows em bares; dos setlists nacionais e internacionais; dos encontros com Lei Di Dai, Linn da Quebrada, Jup do Bairro e mais.
BADSISTA ganhou nome como DJ e produtora, mas não quis se acomodar nesses ofícios, muito menos estrear com um "álbum de produtora". Na última sexta, 26, lançou o primeiro disco da carreira, Gueto Elegance, no qual consolida suas referências musicais em uma refrescante linguagem artística.
A estreia é marcada por uma colisão melódica entre BADSISTA e Rafaela. Aos 28 anos, a artista se reconecta com a identidade pessoal e prepara sua persona para uma nova era musical, na qual é protagonista das composições e dos vocais.
Em Gueto Elegance, BADSISTA coloca a fritação em câmera lenta para focar na beleza e elegância das noites na pista. O beat quente. O drink na boca. O tesão pulsante. A conversa no ouvido. O suor na pele. A despedida sem dar tchau.
Durante uma conversa com a Rolling Stone Brasil, BADSISTA falou sobre as memórias que foram traduzidas em Gueto Elegance, revelou quais artistas foram referência para a produção e refletiu sobre os limites entre o pessoal e profissional. Confira trechos editados da entrevista:
Gueto Elegance inicia uma nova fase na sua carreira, na qual você tem um grande papel nas composições e nos vocais, além de trabalhar na produção. Como você define essa nova era artística?
É muito BADSISTA 2.0. Eu me coloco nesse lugar de cantar e compor, não sou só aquela pessoa fazendo o beat. Poderia muito bem ter feito o álbum com alguém cantando todas as músicas. Um "álbum de produtora," sabe? Só que não ia fazer sentido para mim. Por mais que eu tenha conexões muito profundas com outros artistas, existem coisas que apenas eu vou poder executar, cantar e falar como quero.
Estou com 28 anos e finalmente sinto que, depois de um tempo flutuando na vida, estou pisando com meus pés no chão. Desde o início da BADSISTA, de 2016 até 2019, foram anos muito intensos e não tive tempo de pensar nas coisas que aconteceram.
Nós, da quebrada, temos o sonho, mas, quando ele acontece, a gente está zero preparado. Muitas vezes me encontrei um pouco longe de mim mesma, muito cansada, sem tempo para conseguir raciocinar.
Então, estou pisando com os pés no chão nesse álbum e falando: 'Ó, gente, DJ não é tudo que sou! DJ é uma das coisas que sei fazer.' É elevar meu nível de trabalho, me desafiar, me colocar nesse lugar de protagonista.
Não vai ser aquela DJ do Boiler Room que você ouve 3 ou 4 horas da manhã doida de bala, MD ou doce. Você vai ouvir Gueto Elegance na sua casa, na academia, em um date com alguém. A vida do DJ não é só fritação.
Você acha que a pandemia te ajudou a ver a rotina de DJ e das pistas de outra forma?
Bastante. Falo muito sobre a noite no disco. Até falei para Jup: 'Meu, o que mais ia falar no álbum sendo que vivo dentro da noite faz quatro anos?' Eu ficava muito assim: 'Será que vou escrever poesias mil e palavras difíceis?' Então fiquei: 'Gente, vou escrever do jeito que sei falar e acabou.'
Me afastei do 'tuntz tuntz' e da fritação, e mostrei outra energia, novas sensações, timbres, ritmos. As letras são muito desse universo de festa: o flerte; o rolê; o tesão; o 'Tô com minhas amigas, vê se não enche meu saco'; o 'Quero ficar de boa' ou 'Gente, já gastei tudo que tinha para gastar, agora quero ir embora para casa. Beijo e tchau.'
Quando comecei a escrever, não sabia que estava escrevendo o álbum. Só fui fazendo. Então quando comecei a escrever, ficava pensando muito em cenas que vi e estava a fim de dar importância para coisas corriqueiras.
Sempre esperamos um grande momento, uma grande coisa, aquele evento, aquele negócio. Mas, às vezes, a gente esquece que a grandeza está rolando o tempo todo. A beleza e a elegância estão no dia a dia também.
Antes, a gente não estava dando muita conta disso porque mil coisas estavam rolando. Agora que as festas voltaram, tenho reencontrado algumas pessoas e escutado muito sobre viver o presente, respirar e falar: 'Nossa, estou viva com minhas amigas fumando um beque, cozinhando, fazendo uma feijoada.' Sinto que esses momentos de celebração, às vezes, passavam batido antes.
Você pode me falar mais sobre quando começou a compor? Você já tinha o hábito de escrever quando começou a trabalhar em Gueto Elegance?
Já escrevi bastante. Agora que vou ficar mais conhecida vou ficar até com medo de começarem a achar meus vídeos de 10 anos atrás no Youtube. Eu finjo que nem existe, mas também não derrubo, porque gosto de ver.
Eu sempre escrevi e toquei quando estava na pré-adolescência e na adolescência. Era fã de Fake Number e Fresno, e escrevi horrores coisas que eu nunca vivi. Ficava imaginando e escrevia. Também já tive um blog de texto. Sempre curti escrever mais texto do que música, estrofe ou refrão.
Quando comecei a ser DJ, deixei essas coisas de lado e só voltei a escrever para o álbum. Antes, ficava dando uma zoada, principalmente com a Jup do Bairro. A gente sempre ficava no freestyle mil, escrevendo juntas. Devemos ter uns dois álbuns só de besteira.
A primeira [música] que escrevi foi "VSNF". Literalmente pensei em uma cena equando fiz o instrumental... cheguei naquele momento que não queria mais usar acapella dos outros nem ficar chamando alguém. Eu mesma vou cantar isso aqui.
Outras músicas escrevi em conjunto, tipo a do Rey Sapienz com o Lord Spikeheart e a da Ashira. [Esta última], comecei a escrever uns versos bem soltos e mandei para ela, que mandou de volta com uma gravação, mas mexeu um pouco na letra e tal. E não estava a fim de ficar dando textão. Meu textão está nos instrumentais e nos arranjos. Curto o que fiz no Boiler Room, mas quero uma vibe mais tranquila agora.
Vamos falar sobre a sonoridade do disco. Quais foram suas referências durante a produção?
Várias coisas. Para fazer esse álbum, ouvi muita música pop, tipo, Rihanna, Lady Gaga. Ouvi Lady Gaga horrores com o ouvido técnico [para entender] como as músicas foram feitas, quais truques foram usados para composição e mixagem. Eu e o Roni ouvimos muito Billie Eilish, que é bem pop, mas tem um peso massa. Não é super achatada, tem um som da hora e gostoso de ouvir.
Queria fazer pegar a BADSISTA diferentona e dar uma lapidada nesse shape. Apresento coisas que você ouve assim: 'Não sei que música é essa. Não sei se é dancehall, house, hip hop...'
Nada é definido. Tem música que a estrutura rítmica vem do dancehall e do ragga, mas os timbres e as melodias vêm daquelas músicas com bastante sintetizador dos anos 1980. Tem música com a Lari bxd 777 que parece um boogie, mas o jeito que ela vem rimando é muito trap. Quis muito tacar um f*da-se para essas coisas, tipo: 'Vou fazer um trap.' A Thais [esposa de BADSISTA] tinha pedido um trap e, no final, virou um dancehall.
Essa foi uma das tracks que apaguei e comecei tudo de novo - aquelas noiadas [risos]. Menina, fiz tanta versão dessa música, você não tem noção. Até versão piseiro tem, mas vou deixar para o disco de remix.
Mas estamos em 2021, o acesso à tecnologia deixa a produção de um disco dentro de casa muito mais fácil. Você não se aproveitar dessas ferramentas que tem para buscar outros caminhos é meio: 'Por que você está fazendo isso?' É massa dar uma arrochada no limite das coisas.
Por isso ficava pensando no rolê pop. A Lady Gaga deu essa forçada na música pop usando várias coisas que já existiam. Não digo que o que estou fazendo tem nada de novo. É o choque do meu natural com o meu cultural. Aí que mora a singularidade do trabalho de cada um.
Como você descreve o resultado final de Gueto Elegance?
Definiria com o nome do álbum. Nós fizemos [o disco] aqui em casa e teve um resultado babado, sem precisar pisar em um estudiozão e gastar horrores em dinheiro.
O grande eixo é termos o gueto em comum. Além de mim, Ashira vem das quebradas ao redor de Brasília, Larissa vem da Baixada Fluminense, Ventura [Profana] vem do Rio de Janeiro, Cronista [do Morro] é da quebrada de Salvador, Roni é da quebrada de Londrina, a Jup é o extremo sul de São Paulo. E galera da África, por mais que tenha outro contexto cultural, financeiro e social, tem uma coisa em comum.
Eu poderia ir atrás de artistas que têm números maiores, mas não faria sentido pra mim. Nesse primeiro álbum, precisava de pessoas que trabalhassem no rolê musical e tivessem alguma conexão comigo, de alguma forma. Sabia que essa era uma coisa nova [pausa] não nova, porque tem um toque velho, mas uma coisa fresh. A graça é repaginar as coisas de acordo com o tempo que você está vivendo.
Como a relação da Rafaela com a BADSISTA mudou ao longo dos anos? Hoje, essas duas pessoas se misturam ou ficam separadas?
Essa é uma boa brisa. É a primeira vez que me perguntam isso. É normal juntar as duas coisas, né? Quando falo para você que fiquei flutuando e me senti meio aérea durante um tempo, estou falando disso.
A BADSISTA estava ocupando demais a minha vida. Eu, Rafaela, sou uma pessoa muito caseira. Acordo cedo, faço café da manhã, cozinho, brinco com meus gatos. Quando meus sobrinhos vêm aqui, brincamos e trocamos ideia. Sou muito de ficar com a família e minhas amigas fumando um beque ou assistindo anime.
Quando a BADSISTA apareceu foi engraçado porque até mudei um pouco. Você está ali com outro nome, então se falar 'Vai tomar no c*! F*da-se!' é outra pessoa que está falando [risos].
Hoje, consigo dar uma separada melhor no rolê pessoal e profissional. Rafaela e BADSISTA. Antes, me sentia muito desgarrada de mim mesma. Depois de ficar um tempo em casa, criar uma rotina de novo, descobrir novas coisas que gostava de fazer, me senti mais preparada para viver essa persona.
Por me dar conta dessa persona, tomei a decisão de chegar desse jeito [em Gueto Elegance]. Ter esse apelo visual, chegar flertando com a moda. Queria uma coisa bapho, bonita e chique. Uma coisa enjoada mesmo. Me sinto muito confiante e empolgada para fazer o show do disco também.
Queria causar essa ruptura. Assim como tocar as mesmas músicas durante cinco anos no barzinho me cansou, o rolê depois do Boiler Room, quando teve um volume muito grande de trabalho, também me encheu o saco. Eu mesma quis falar: 'Cansei. Olha, vou fazer algo novo.' Estou muito animada com o tamanho que, de forma orgânica, esse lançamento está tomando.
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