- Foto: João Atala
Entrevista

Afro-brasilidade: Sylvio Fraga e Marcelo Galter falam sobre o novo álbum de Mocofaia [ENTREVISTA]

Sylvio e Marcelo refletem sobre a origem do grupo, o álbum de estreia e a importância do vinil

Aline Carlin Cordaro (@linecarlin) Publicado em 31/10/2024, às 16h10

Mocofaia, grupo formado por Luizinho do Jêje, Marcelo Galter e Sylvio Fraga, estreou seu aguardado álbum, um trabalho que une tradição e inovação nas sonoridades afro-brasileiras. O disco é um projeto gravado e prensado pela Rocinante, que também disponibiliza uma edição em vinil.

Misturando influências de figuras como Dorival Caymmi e Mestre Pastinha a elementos contemporâneos, o trio busca, com autenticidade, resgatar e recriar um som com raízes profundas na Bahia e no Brasil, explorando novas linguagens. Ouça:

A Rolling Stone Brasil conversou com Sylvio e Marcelo, que explicaram o significado do projeto e revelam o processo criativo envolvido na construção do álbum.

Confira a íntegra:


RS: Como surgiu a ideia de formar o grupo Mocofaia e como foi esse processo?

Sylvio: "Mocofaia nasceu de uma maneira muito orgânica. Eu, o Marcelo e o Luizinho já vínhamos colaborando em diversos projetos ao longo dos anos. Marcelo e Luizinho, mais ainda, pois tocaram juntos por dez anos em outro grupo na Bahia. Nos conhecemos através do maestro Letiéres Leite, um saudoso amigo, e percebemos uma afinidade musical muito grande entre nós. Quando o Luizinho se mudou para o Rio de Janeiro, nós começamos a compor muito juntos. Ele vinha, a gente se juntava e começava a compor. Depois, o Marcelo veio para o Rio também e se juntou à composição. Então, nós três começamos a compor direto, e fizemos muitas músicas.

Em algum momento, pensamos: vamos dar vazão a isso, né? Bora tocar essas músicas. Cada um de nós toca um instrum;ento – Luizinho é percussionista, eu toco violão e o Marcelo é pianista e baixista – e nossas composições acabaram encontrando as ondas que trazíamos como instrumentistas. Todo mundo começou a cantar também, e foi acontecendo naturalmente. Algo que gosto de falar é que esse disco tem muito da alegria de estar junto tocando, repetindo os grooves. Então foi assim que tudo surgiu: compondo juntos e decidindo tocar essas músicas."

Marcelo: "Um ponto importante nesse processo foi esse encontro, inicialmente trabalhando em projetos de outras pessoas. Colaboramos de maneira muito orgânica na música dos outros, mas em um certo ponto, decidimos fazer algo nosso mesmo, assumindo nossas diferenças e as brechas na musicalidade de cada um. No começo, era mais uma brincadeira; nos mandávamos áudios, mesmo à distância. Mas, quando fomos todos para o Rio, essa convivência prolongada deu corda à nossa criatividade coletiva."


RS: O que o nome Mocofaia representa para vocês?

Marcelo: "O nome Mocofaia representa essa espécie de confusão organizada. Um exemplo clássico era a ‘mochila do Letiéres’, cheia de tudo que ele precisava: computador, tênis, partitura, flauta. Embora parecesse desorganizada, ela continha o essencial para ele. Esse conceito também está presente na nossa música e no nosso processo criativo, que foi muito diferente de uma gravação mais formal. Não começamos com uma partitura ou algo pré-estabelecido; o processo foi mais sobre experimentação, incluindo palavras e sons que soavam bem, mesmo que não tivessem um sentido claro. E com isso, criávamos."

Sylvio: "Essa ideia de Mocofaia também reflete a leveza e flexibilidade do nosso processo criativo. Embora o álbum tenha uma estrutura e arranjos bem definidos, a forma como surgiram as ideias foi colaborativa e, de certo modo, caótica. Foi uma brincadeira que virou uma estrutura, e acho que essa brincadeira é a marca do álbum."


RS: Como Mocofaia representa o eu artístico de cada um de vocês?

Sylvio: "Esse disco é uma justaposição das nossas singularidades criativas. Ele não é uma extensão de nenhum dos nossos projetos individuais, mas sim uma fusão dos três. É um disco impregnado com as características de cada um de nós. Não há uma faixa que possamos dizer que é ‘mais minha’ ou ‘mais dele’; tudo foi feito em conjunto, misturando nossas influências e estilos."

Marcelo: "Para mim, foi uma oportunidade de me alimentar da música dos meus parceiros. Normalmente, em projetos solo, cada um lidera o próprio trabalho, mas em Mocofaia precisávamos aprender a abrir espaço para as ideias dos outros. Foi uma experiência de aprendizado intenso, onde, em vez de querer direcionar o trabalho, cada um incorporava a contribuição dos outros."


RS: Como vocês equilibram as diferenças criativas e o que aprenderam ao longo do processo?

Sylvio: "Com o tempo, fomos desenvolvendo uma intimidade criativa. Cada um de nós tem liberdade para experimentar e dizer, ‘isso aqui tá incrível’ ou ‘guarda esse negócio’. Essa troca é importante para que possamos valorizar e construir juntos, aproveitando o que cada um traz."

Marcelo: "A troca entre nós foi essencial. Fomos elaborando tudo em conjunto, de forma espontânea. Era como uma reciclagem, guiada pelo ouvido e pelo que a música pedia no momento. Isso nos permitiu desenvolver uma intimidade criativa, onde cada um de nós aprimorava seu próprio estilo e o estilo dos outros."


RS: Como foi o processo colaborativo de produção no estúdio no Rio de Janeiro?

Marcelo: "Ah, essa é a parte mais divertida, assim. É a parte que o disco registra um pouco dessa energia, mas essa parte da vivência é uma coisa que começou primeiro em duo com o Silvio e o Luizinho, né. Isso é uma coisa artesanal. Foi um processo de brincadeira e descoberta. A essência da vivência no estúdio era essa troca lúdica e espontânea. Cada pequeno groove, cada ideia trazida, era uma descoberta. Para nós, o processo foi mais sobre explorar do que definir.

Aí começa a cantar, a brincar, né? Acho que a brincadeira no processo é a coisa mais interessante e é o essencial que vai pro nosso som, é essa coisa, esse momento maravilhoso da descoberta, né, que não é um cacho de peças, assim, é uma coisa mais lúdica, é tipo você buscar no seu íntimo coisas que que se complementem, né, com a musicalidade de seu parceiro, né?"

Sylvio: "A gente passou, antes de ir pro estúdio, duas semanas seguidas tocando, ensaiando, ensaiando, ensaiando. E aí a gente chegou no estúdio pra tentar registrar aquela, que nem o Marcelo falou, aquele espírito, sabe? Chegamos lá com tudo mapeado e prontos para registrar o que já tocávamos, e a criatividade do estúdio ficou em detalhes como a escolha de timbres. Mantivemos o espírito das nossas sessões de ensaio, mas no estúdio tivemos oportunidade de experimentar novos sons e explorar possibilidades."


RS: Como a influência afro-brasileira se manifesta nas faixas de Mocofaia?

Marcelo: "A música afro-brasileira é central para nós, é algo que trazemos de maneira natural. A Bahia aparece como uma influência cultural profunda, algo orgânico e não planejado. Nossa música é uma conexão com o corpo e busca essa expressão verdadeira, que resgata o que há de mais essencial na cultura afro-baiana."


RS: Qual a importância de lançar um álbum em vinil hoje em dia?

Sylvio: "O vinil é um luxo e uma experiência única. É uma oportunidade para o ouvinte se desconectar das distrações digitais e mergulhar totalmente na nossa música. Além disso, a qualidade do som em vinil é muito superior, sem a compressão das plataformas digitais. É como assistir a um filme no cinema em vez de no celular."


RS: Qual mensagem vocês esperam que o público sinta ao ouvir o álbum?

Sylvio: "Espero que o ouvinte perceba o quanto nos divertimos criando e tocando este disco. Que essa energia, essa alegria esteja impressa no som e que ele possa captar um pouco da nossa felicidade em cada faixa."

mocofaia

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