Em sua décima edição, o evento mostrou que é possível agradar a todo mundo
Por Pablo Miyazawa, especial para a Rolling Stone Brasil Publicado em 05/06/2023, às 17h28
Ao final de sua décima edição, ficou a impressão de que o Best of Blues and Rock 2023 se arriscou e acertou em sua ousada mistura de épocas, estilos e públicos. Havia de tudo um pouco no elenco, o que tornou o festival democrático e acessível a quem estivesse disposto a encarar seus três dias.
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Na sexta-feira, o privilégio foi do rock. No sábado, o blues foi honrado. E no domingo, as duas lógicas tiveram espaço e se misturaram – com direito a várias homenagens a Jimi Hendrix e Rita Lee durante os shows. O dia começou com o apelo jovem da cantora Day Limns, voltou alguns anos para a nostalgia oitentista do Ira! e o pop rock radiofônico do Goo Goo Dolls e se encerrou com as reprises dos shows de Buddy Guy e Tom Morello, que já se tornaram os patronos não-oficiais do Best of Blues and Rock.
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Muita gente chegou cedo ao Parque Ibirapuera para conferir o show da cantora Day Limns. Revelada no programa The Voice e bem-sucedida nas redes sociais, a goiana de 27 anos acumulou uma base de fãs numerosa e fiel nos últimos anos, o que ficou mais do que evidente durante sua animada apresentação.
Mesmo sendo a mais jovem artista do Best of Blues and Rock, Day estava à vontade, e seu público também.
“Pra quem não conhece, meus fãs jogam calcinhas no palco", ela explicou, antes de cantar 'Vermelho Farol' ", justamente enquanto algumas calcinhas eram arremessadas.
A interatividade com a plateia, aliás, foi um show à parte: segurando balões pretos e vermelhos, uma multidão cantava faixas de ponta a ponta e gritava pela atenção da protagonista.
Com o sol das 14h a pino, boa parte dos fãs se espalhou pelo gramado, procurando os poucos focos de sombra. Day, porém, não se intimidou. Homenageou Rita Lee (“Mania de Você”), tocou música nova (“Minha Religião”) e desabafou sobre a importância do momento:
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“Meu pai faleceu faz dois anos. Ele era muito roqueiro e não teve a oportunidade de ver meu primeiro disco”, ela declarou. “Ele estaria – e está – orgulhoso. Quero dedicar este show a ele.”
A banda oitentista que melhor representa o rock paulistano trouxe ao festival uma versão de seu show em celebração aos 25 anos do disco Psicoacústica (1988). Praticamente repetindo o repertório da apresentação que fez no dia anterior (no João Rock, em Ribeirão Preto), a banda dos fundadores Nasi e Edgard Scandurra (completada pelo baixista Johnny Boy e o baterista Evaristo de Pádua) era o nome brasileiro do Best of Blues and Rock com mais história, e por isso mesmo, talvez merecesse tocar em um horário mais favorável.
O sol das quatro da tarde castigou metade do gramado já parcialmente lotado do Auditório Ibirapuera, afetando os quatro cavalheiros no palco – todos usavam óculos escuros, exceto por Scandurra, que trajava um chapeuzinho. Com toda sua experiência de 40 anos, a banda veterana entregou um “best of” parcial com vários de seus sucessos. Convenhamos, um show que começa com “Dias de Luta” e termina com “Núcleo Base” não tem como dar errado.
Em uma hora cravada, houve tempo para mais uma homenagem a Rita Lee (“Ando Meio Desligado”, d’Os Mutantes), um cover de Jimi Hendrix (“Foxy Lady“, a primeira menção do dia ao cultuado guitarrista), a participação de Day Limns em “Eu Quero Sempre Mais” (que originalmente teve a voz de Pitty no álbum Acústico MTV) e quatro faixas seguidas de Psicoacústica – as quais não foram tão bem recebidas como os hits de Vivendo e Não Aprendendo (1986), “Envelheço na Cidade” e “Flores em Você”. A solidez da cozinha de Johnny e Evaristo permitiu que Scandurra brilhasse solto com sua guitarra invertida, enquanto Nasi não parava de incitar a massa, com direito a gritos entusiasmados de “hey ho, let’s go”.
O Goo Goo Dolls era o representante do pop de FM no line-up do Best of Blues and Rock. E a banda norte-americana entregou exatamente o que o público atento esperava dela: canções levadas no violão, curtas e melódicas, feitas para se cantar junto e a plenos pulmões. Animando a torcida o tempo todo, o vocalista John Rzeznik e o baixista Robby Takac, que fundaram o grupo em 1986, percorriam o palco de ponta a ponta, sorrindo e espancando seus instrumentos com empolgação.
Todas as faixas do Goo Goo Dolls soam como hits – ou isso, ou porque se parecem muito umas com as outras. Mas os fãs obviamente sabiam diferenciar, celebrando com diferentes intensidades enquanto as mais conhecidas surgiram, como “Slide”, “Sympathy”, “Black Balloons", “Come to Me”, “Better Days” e “Name” (“Esta é muito antiga”, disse Rzeznik, sobre a faixa do álbum de 1995, A Boy Named Goo).
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De tão eficientes com a fórmula “pop-rock-edificante-com-refrão-emocionante”, é possível dizer que o Goo Goo Dolls praticamente criou um subgênero para chamar de seu. E o formato ainda funciona, dada a grande quantidade de adolescentes e famílias com crianças na plateia. Isso prova que o som da banda não apenas é atemporal, como consegue impactar as novas gerações pelas redes sociais.
Enquanto a noite chegava, só aumentava a impaciência geral pelo grande hit, a pegajosa “Iris”, da trilha do filme Cidade dos Anjos. A faixa nem precisou ser apresentada por Rzeznik, que despejou a introdução ao violão sem aviso, sabendo o que estaria por vir. Imediatamente, centenas de telas de celulares se elevaram sobre as cabeças, encerrando a apresentação do Goo Goo Dolls com tonalidades épicas.
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Nas horas finais do Best of Blues and Rock, Tom Morello e Buddy Guy reprisaram seus shows de sexta e sábado, respectivamente, e quem os assistiu percebeu ligeiras modificações.
Headliner da noite anterior, Guy fez no domingo sua derradeira apresentação no Brasil, já que a Damn Right Farewell Tour marca o adeus de uma carreira de sete décadas a serviço do blues. E o lendário guitarrista de 86 anos aproveitou a ocasião para se despedir dos brasileiros do jeito mais despojado possível.
A estampa de bolinhas “polka dot” ficou de fora dessa vez, com Guy optando por uma camisa florida sob o macacão e com a mesma Fender Stratocaster amarela durante todo o show. Talvez notando que o público estava mais distraído do que na noite anterior, o carismático bluesman abusou de seus truques. Fez solos mais barulhentos, brincou com o feedback, esfregou a guitarra na barriga e até afinou a corda mizinho enquanto cantava. “Se deixarem, eu toco a noite toda”, repetiu, com a voz baixinha, que fica incrivelmente musculosa quando canta.
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Em uma apresentação ligeiramente mais curta do que a do dia 3, Guy desfilou o típico repertório em que percorre highlights do blues, incluindo novidades, como “I Let My Guitar Do The Talking”, de seu álbum recente The Blues Don’t Lie (2022), além de “Five Long Years”, clássico do gênero de 1952. Claro, não faltou o tributo a Jimi Hendrix, com “Voodoo Child” (que seria tocada naquele palco mais uma vez na mesma noite).
Já com os descendentes Carlise e Greg Guy sob os holofotes, a banda fez uma versão aconchegante de “Little by LIttle” (Junior Wells), com pai e filha dividindo carinhosamente o microfone. Ao final, um inesperado participante especial: Tom Morello entrou solando em uma das Stratocaster Polka Dot do próprio Guy. Enquanto a jam continuava por alguns minutos, o mestre jogou palhetas para a plateia, agradeceu acenando e saiu, calmamente, sem olhar para trás.
Em seguida, Tom Morello mais uma vez fez sua apresentação ao estilo “Esta é sua vida”, percorrendo canções de quase todos os discos que já gravou, sem privilegiar nenhum momento específico. “Obrigado pelo apoio a todas minhas bandas ao longo dos anos”, ele disse, para um público ligeiramente menor e menos agitado do que na sexta-feira.
O repertório também teve alterações. Tocada na íntegra no primeiro show, “Cochise”, do Audioslave, foi apenas mencionada no medley de trechos do Rage Against the Machine. Outra novidade foi “World Wide Rebel Songs”, do projeto The Nightwatchman, em que Morello repetiu a brincadeira de fazer a plateia inteira se agachar e pular junto. A obrigatória homenagem a Hendrix veio com a mesma “Voodoo Child” também tocada por Buddy Guy. Outro momento interessante foi “The Ghost of Tom Joad”, de Bruce Springsteen, que ganhou uma interpretação pungente e mais pesada do que a original (na qual Morello participou cantando e tocando, no disco High Hopes, de 2014).
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A maior graça do show de Tom Morello é perceber o quanto ele parece se divertir tocando qualquer música, por mais distantes que sejam do estilo e temas que o consagraram nos anos 1990. “Eu falei para todo mundo que o Brasil tem os melhores fãs do mundo. Quero que vocês provem essa merda hoje”, declarou, pedindo engajamento e recebendo aplausos efusivos. Para terminar, duas canções de protesto, de épocas e contextos diferentes, mas intenções semelhantes: “Killing in the Name”, símbolo do Rage Against the Machine, e “Power to the People”, hino de John Lennon. De um jeito só dele, Morello mais uma vez deixou sua mensagem.
A décima edição do Best of Blues and Rock aconteceu de 2 a 4 de junho, no Parque Ibirapuera, em São Paulo.
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