Na estreia de sua décima edição, Best of Blues and Rock misturou temáticas e contemplou artistas novos e clássicos. No fim, venceu a nostalgia
Por Pablo Miyazawa, especial para a Rolling Stone Brasil Publicado em 03/06/2023, às 10h00
Evento típico do calendário de shows paulistano, o Best of Blues and Rock começou a celebração de sua décima edição nesta sexta-feira (2). O público do primeiro dia do festival, que começou a ocupar o gramado traseiro do Auditório Ibirapuera já no meio da tarde, teria pela frente um elenco eclético, para dizer o mínimo: o blues raíz da brasileira Nanda Moura, o rock pesado do quarteto feminino Malvada, o hard rock noventista do Extreme e a guitarra cáustica e politizada de Tom Morello.
A guitarrista Nanda Moura subiu ao palco pouco antes das 16 horas, bem acompanhada por Otávio Rocha (guitarra), César Lago (baixo) e Gil Eduardo (bateria) – os três têm história juntos: todos fazem ou fizeram parte do Blues Etílicos, um dos nomes mais cultuados do gênero no Brasil. "Vou mostrar um pouco do meu blues", disse ela, dando pistas da apresentação de pouco mais de 40 minutos que marcou a abertura do festival e ofereceu à plateia que ainda chegava uma interessante amostra do blues dos anos 1920 e 30.
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Vestida de terno e chapéu pretos, Nanda tocou e cantou com personalidade, chamando a atenção para seu timbre potente e privilegiado alcance vocal. Ela também exibiu uma de suas marcas registradas: a performance em uma cigar box guitar de três cordas, instrumento que imita uma antiga caixa de cigarros. Vale também destacar sua interpretação do clássico "Let The Good Times Roll", um ponto alto do único show do primeiro dia a levar a sério o “blues” do nome do festival.
Entrando na sequência, o quarteto Malvada jogou com a plateia parcialmente ganha e no melhor cenário possível: o pôr do sol que pintou com belas luzes o palco diante do Auditório Ibirapuera. Apesar do line-up estrelado de headliners, não era raro ver pessoas com camisetas da banda feminina formada no início de 2020.
Angel Sberse (voz), Bruna Tsuruda (guitarra), Marina Langer (baixo) e Juliana Salgado (bateria) tocaram seu rock de timbres metálicos com visível segurança, ainda mais quando perceberam que parte das primeiras fileiras estava lá só para vê-las. Os fãs responderam bem a faixas como "Mais Um Gole", do disco A Noite Vai Ferver (2021), além do single recente "Perfeito Imperfeito".
Para conquistar a parcela do público que não conhecia o Malvada, as homenagens vieram a calhar – primeiro, para Rita Lee. "Sei que é foda fazer homenagem depois que morre... Mas a Rita é uma mulher que representa a mulherada”, explicou a vocalista Angel, antes do cover de "Esse tal de Roque Enrow" (do álbum Fruto Proibido, de 1975).
A outra homenagem foi para Janis Joplin, que ganhou uma interpretação pesada de “Summertime” com a performance inspirada de Angel rendendo gritos da multidão. Questões técnicas causaram uma interrupção no show de cinco minutos, mas as garotas contornaram com tranquilidade, interagindo com o público enquanto o problema era resolvido.
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Com 15 minutos de atraso, a guitarra de Nuno Bettencourt ecoou estridente para marcar a chegada do Extreme, na primeira apresentação da banda no Brasil desde 2015. Com sua formação clássica quase intacta – que inclui também Gary Cherone no vocal e Pat Badger no baixo (o baterista Kevin Figueiredo está na banda desde 2007) –, o quarteto veterano encarou um público receptivo e animado, abrindo com “Decadence Dance”, faixa inicial de Pornografitti, álbum que levou o Extreme ao alto das paradas no início dos anos 1990.
Com competência técnica evidente e favorecida pela boa acústica do local, a banda formada em Boston arriscou canções novas como “Rise”, “#Rebel” e “Banshee”, todas do álbum Six, que será lançado na próxima semana. A recepção da audiência foi morna, mas esquentou com as faixas mais conhecidas dos álbuns lançados entre 1989 e 1995, como “Rest in Peace”, de III Sides to Every Story (1992).
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Com uma performance energética, Cherone (que cantou frente à banda de Joe Perry no último Best of Blues and Rock) surpreendia com a voz intacta e boa técnica, mas não havia dúvidas: o centro das atenções era Bettencourt, um guitar hero à moda antiga que continua em alta – recentemente, apareceu no show do intervalo do Super Bowl tocando com Rihanna.
Com seu timbre rascante inconfundível, o português nascido nos Açores exibiu a técnica virtuosa sempre que possível, seja em seu número solo, “Flight of the Wounded Bumblebee”, seja homenageando ídolos como Jimi Hendrix e Jimmy Page (antes do hit “Hole Hearted”, ele chegou a brincar com o dedilhado de “Stairway to Heaven”).
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“Com os anos, essa música se tornou um dueto entre eu e Nuno e vocês”, disse Cherone, antecipando o momento mais aguardado do set. “Sei que vocês sabem a letra”, ele convidou antes do primeiro acorde de “More Than Words”, hit onipresente em 1991. Em meio a centenas de telas de celulares acesas, não eram poucas as pessoas fechando os olhos para cantar a letra, praticamente impressa no DNA de quem foi adolescente naquela época.
Ao final, a presença de um convidado inesperado: o guitarrista brasileiro Mateus Asato (conhecido por acompanhar estrelas como Bruno Mars e Jessie J) teve seu momento de brilho, tocando lado a lado com Nuno o solo de “Get the Funk Out”.
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Tom Morello compensou o atraso do Extreme e subiu ao palco quase de surpresa, às 20h35, com “One Man Revolution”, de seu projeto solo The Nightwatchman. Acompanhado da Freedom Fighter Orchestra, o trio que o acompanha em turnês, Morello, sempre de guitarra em riste, fez de tudo um pouco: cantou, fez solos hipnóticos utilizando todas as partes do instrumento (inclusive a ponta do cabo da guitarra na palma da mão), contou histórias e fez discursos cheios de boas intenções.
Ao longo de quase uma hora e meia, passeou pela carreira de décadas, contemplando cada um dos projetos em que já se meteu, em especial as bandas Rage Against the Machine, Audioslave e Prophets of Rage. Devidamente trajado de “Tom Morello” (boné, echarpe vermelha e sua icônica Mongrel azul com a frase "Arm The Homeless"), o guitarrista de 59 anos parecia equipado para seu show politizado como de praxe.
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Mas diferentemente da aparição que fez no Best of Blues de 2018, Morello dessa vez não citou nomes ou apontou dedos, preferindo proferir slogans encharcados de good vibes (“fascismo sucks!”, “estamos juntos nessa”, “vamos tocar pelo amor e pelo rock and roll”).
“Prontos para começar a festa?” A pergunta retórica foi o sinal verde para um medley de riffs do Rage Against the Machine, como “Bulls on Parade”, “Guerrilla Radio” e “Sleep Now in the Fire”. A banda que tornou Morello famoso no início dos anos 1990 voltou ao repertório mais duas vezes: em outro medley, com trechos de “Testify” e “Freedom”; e na clássica “Killing in the Name”, na íntegra e em versão instrumental. De tão inserida no imaginário popular, a faixa-protesto foi exclamada verso a verso pela plateia, concedendo ao momento ares de um gigantesco karaokê de incontida energia.
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“Eu gravei 21 discos na vida. E aqui vou tocar música de 17 deles”, ele enumerou, ao apresentar uma canção de sua banda da adolescência, Electric Sheep, como homenagem a um amigo falecido.“Essa música com certeza nunca foi ouvida fora do estado de Illinois”, ele comentou, sobre a faixa que vagamente soou como um protótipo de ideias para o Rage Against the Machine e o Audioslave.
Um show de Tom Morello é um “best of” que passa longe do tédio, já que variedade é também uma das (muitas) palavras de ordem. Neste caso, isso incluiu canções de seu álbum solo recente The Atlas Underground Fire, um cover fiel de Jimi Hendrix (“Voodoo Child”) e até uma versão do grupo italiano Måneskin, “Gossip”, na qual Morello fez uma participação recente. Mesmo com tamanho sortimento musical, cada faixa imprime as marcas sonoras típicas e tão saborosas de um dos mais icônicos guitarristas de sua geração.
A homenagem à curta fase com o Audioslave veio em “Like a Stone”, cantada pelo guitarrista Carl Restivo, com direito a uma imponente imagem de Chris Cornell ao fundo. O falecido vocalista ganhou outra reverência pela voz potente de Gary Cherone, do Extreme, que foi chamado junto a Nuno Bettencourt para uma celebrada versão de “Cochise”, que estimulou animadas rodas de pogo na multidão.
O palco se encheu mais uma vez para o desfecho (além do Extreme, surgiu também Steve Vai, que se apresentará neste sábado no festival), com uma interpretação animada de “Power to the People”, hino político escrito por John Lennon em 1971. Imponente maestro das massas, Morello exigiu que toda a plateia se agachasse por instantes e pulasse na hora apropriada, rendendo uma imagem no mínimo curiosa e encerrando com astral elevado a primeira noite do festival, pontualmente às 22h.
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O Best of Blues and Rock 2023 continua neste sábado (3) com shows de Dead Fish, Artur Menezes, The Nu Blu Band, Steve Vai e Buddy Guy. No domingo (4), apresentam-se Day Limns, Ira!, Goo Goo Dolls e, novamente, Buddy Guy e Tom Morello.
*Com reportagem de Dimitrius Vlahos
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