Os dois discos mais íntimos de Milton Nascimento são temas de review na edição especial da Rolling Stone 80 anos de música brasileira
Redação Publicado em 13/02/2023, às 17h00
Caçador de Mim (1981) é um trabalho contraditório na discografia de Milton Nascimento. Ao mesmo tempo em que é politizado, engajado com o social, também soa autocentrado, nostálgico. Ainda que alguns arranjos remetam ao experimentalismo e complexidade de sempre, outras músicas carregam os timbres típicos dos sucessos populares.
A começar pela faixa-título. Escrita originalmente para o 14 Bis pelo baixista Sérgio Magrão com Luiz Carlos Sá (da dupla Sá e Guarabyra), “Caçador de Mim” traz reflexões de dura sinceridade, com as quais Milton se identificou imediatamente. De volta a Minas Gerais e prestes a chegar aos 40 anos, ele caçava respostas para suas escolhas de vida, olhando para dentro de si e tirando conclusões.
A entrada na década de 1980 certamente inspirou mudanças na música de Milton. A sonoridade típica da época, tomada por sintetizadores e arranjos “radio-friendly”, contribuiu para uma guinada nas estruturas das composições, antes tão dependentes de instrumentações acústicas e sonoridades orgânicas. Se Sentinela (1980) já se mostrava favorável a novas experiências, Caçador de Mim marcou a entrada definitiva na nova era.
A participação do Roupa Nova como banda de apoio contribuiu para tal modernização. Oferecendo um bem-vindo acento pop a duas faixas, o grupo (cujo nome foi inspirado em uma música de Milton) entrega tudo no outro hit do disco, o hino “Nos Bailes da Vida”. A letra de Fernando Brant – uma das raríssimas para a qual Milton pediu modificações – descreve as idas, vindas e vivências do artista destemido que jamais teve pudores de ir aonde o povo está. Irresistível, a canção foi a terceira mais ouvida no Brasil ao final de 1981, dando a Milton um hit radiofônico tão merecido.
Por outro lado, Caçador de Mim também ecoa o zeitgeist nacional, com o afrouxamento da ditadura militar que consolidaria a volta da democracia em 1984. As críticas explícitas de “Notícias do Brasil” e“Coração Civil” correriam risco de censura caso lançadas anos antes; dessa vez, passaram batido. Já as densas “Amor Amigo” e “Vida”, sustentadas por lindos arranjos de orquestra, reforçam que o artista complexo e profundo de sempre estava intacto. São vários Miltons presentes em Caçador de Mim, e todos parecem fazer sentido. O caçador de si havia se encontrado.
Para seu vigésimo quinto álbum, Milton Nascimento se dispôs a realizar um trabalho marcante e digno da ocasião. Entre tantas possibilidades, a escolha foi por evocar o espírito do que é considerado seu projeto mais icônico, o Clube da Esquina. Mas como artista globalizado que havia se tornado, Bituca tinha até o privilégio de “esnobar” os velhos amigos e convocar parceiros internacionais para a nova empreitada.
“Muita gente me cobrou para eu gravar um disco chamado Clube da Esquina 3. Eu sempre respondi que este disco já existe e é o Angelus”, ele contou à Rolling Stone Brasil, em 2011.
Realmente, a essência do famoso clube está no álbum, na forma de encontros entre almas tão distintas quanto talentosas, do jeito que só Milton consegue fazer possível.
E Bituca pinta e borda em Angelus. Faz Jon Anderson, do Yes, cantar com sotaque em “Estrelada”. Ao lado de James Taylor, executa um dueto bilíngue em “Only a Dream in Rio”. Convida Peter Gabriel a encarar o português em “Qualquer Coisa a Haver Com o Paraíso”. Traz Wayne Shorter para inspiradas canjas em “Seis Horas da Tarde” e “De Um Modo Geral”. E ainda tem tempo de celebrar a inspiração eterna dos Beatles, em uma curiosa leitura de “Hello, Goodbye”.
E não faltam as regravações, recurso típico de sua discografia “Vera Cruz” é interpretada por um quarteto incomparável: Pat Metheny (guitarra), Ron Carter (baixo), Jack DeJohnette (bateria) e Herbie Hancock (piano). A formação dream team se repete na jazzística “Novena”. Outra volta às origens é a presença de Márcio Borges, cujas letras ilustram quatro músicas – uma delas, a originalmente instrumental Clube da Esquina Nº2, na primeira vez que Milton se atreve a gravá-la em estúdio. O resultado é uma versão muito particular para a melodia mais famosa que ele compôs com Lô Borges, o principal sócio do clube.
“É um álbum que é world music total. Começou a ser gravado numa fazenda, na roça em Minas Gerais, e foi finalizado em Nova York, com músicos de jazz, músicos pop (...), o que, pra mim, é um
‘clube da esquina’”, brincou Milton, que ainda explicou o título do que considera seu disco favorito:
“[Na fé católica,] angelus é a hora em que eu nasci, seis horas da tarde – que, aliás, é o nome da primeira música do disco”.
As resenhas de Caçador de Mim e Angelus estão presentes na Especial 80 Anos de Música, uma edição exclusiva da Rolling Stone Brasil dedicada à Geração 1942, que reúne nomes essenciais da MPB, como Gilberto Gil, Caetano Veloso, Paulinho da Viola e o próprio Milton Nascimento, além de um panorama global dos nascidos neste ano. O especial impresso já está nas bancas e ns bancas digitais. Clique aqui para saber mais.
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