Lançado em janeiro de 1968, primeiro disco solo de Caetano pegou carona no sucesso instantâneo de de 'Alegria, Alegria' e formou bases importantes para o que se tornaria a Tropicália
Marcelo Ferla Publicado em 30/01/2023, às 16h44
"Ele é um gênio: quem ousaria dedicar este disco a João Gilberto?”, escreveu Caetano Veloso para a contracapa do seu primeiro LP solo. Depois de lançar com Gal Costa uma obra de sonoridade joão-gilbertiana (Domingo, em 1967), o baiano de 25 anos ainda venerava o criador da bossa nova, mas se incomodava ao “ouvir a gente dizendo que o samba é sempre bonito e refaz nosso espírito”, e tinha vontade de “violentar isso de alguma maneira”, como contou em entrevista a Zuza Homem de Mello. “Depois da bossa, a MPB ficou discutindo tudo o que ela propôs, mas não saiu desta esfera.”
Empolgado com Roberto Carlos, Caetano vislumbrou no som ruidoso das guitarras o caminho para retomar a linha evolutiva da MPB e modernizá-la, como Bob Dylan fez quando eletrificou sua poesia em julho de 1965, no Newport Folk Festival. Enquanto colegas foram protestar na passeata contra a guitarra elétrica em julho de 1967, ele focou em Sgt. Peppers Lonely Hearts Club Band, o disco dos Beatles lançado um mês antes que tinha elevado o rock a outro patamar.
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A ânsia da ruptura e o anseio de criar impacto se intensificou com o sucesso de “Alegria, Alegria”, quarto lugar no III Festival de MPB da TV Record. Lançado em novembro de 1967, o compacto vendeu 100 mil cópias e fez de Caetano um ídolo jovem. Sua gênese é o DNA para o LP homônimo lançado em janeiro de 1968, produzido por Manoel Barenbein com arranjos de Júlio Medaglia, Damiano Cozzella e Sandino Hohagen.
“Alegria, Alegria” nasceu na telona, quando Caetano assistiu a Terra em Transe, de Glauber Rocha, e se impressionou com a liberdade revolucionária do cineasta; na telinha, quando viu Chacrinha e se impressionou como ele expunha as idiossincrasias de um Brasil feliz e subdesenvolvido; e no palco, quando o grupo argentino Beat Boys, que fazia um rock mais potente do que o dos brasileiros, substituiu o R7, conjunto de Roberto Carlos, no Festival da Record.
Se LPs como esse contribuíram para a fama de Caetano ao ponto de ele virar assunto 40 anos depois só porque estacionou o carro no Leblon, a letra de “Alegria, Alegria” nasceu de um passeio a pé por
Copacabana, em que as bancas de revistas são descritas com suas capas coloridas de atrizes de Hollywood e jornais em p&b e suas cenas de guerra. “Quem lê tanta notícia?”, questiona a letra da marcha que remete a Glauber, Sartre e Bardot.
Gênese concebida, a amplitude estética das 12 faixas de uma obra cinematográfica, experimental e ambiciosa concedeu a Caetano Veloso o status de precursor do tropicalismo. A faixa 1, chamada “Mistura Fina” até o cineasta Luiz Carlos Barreto propor o título de “Tropicália” (por conta da exposição do artista Helio Oiticica), exala as tradições e as contradições da brasilidade e se conecta às vanguardas concretistas com guitarras eletrificadas e tons épicos – estendidas para a capa, que exibe Caetano rodeado por desenhos coloridos, animais exóticos e frutas tropicais.
A salerosa “Soy Loco por ti America”, de Gilberto Gil e Capinam, é um baião com salsa cantado em portunhol em tributo a Che Guevara. “Superbacana” traz finalmente o R7 com Caetano. “Clara” tem vocal de Gal Costa e belo arranjo dissonante de Hohagen. “Eles”, junto com Os Mutantes, encerra o disco satirizando a burguesia e mixando instrumentos hindus com berimbau, rock psicodélico com coco.
Caetano Veloso (1968) é um dos discos resenhados no Especial 80 Anos de Música, uma edição exclusiva da Rolling Stone Brasil dedicada à Geração 1942, que reúne nomes essenciais da MPB, como Gilberto Gil, Milton Nascimento, Paulinho da Viola e o próprio Caetano, além de um panorama global dos nascidos neste ano. O especial impresso já está nas bancas e nas bancas digitais. Clique aqui para saber mais. Ouça o disco completo abaixo:
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