- Caetano Veloso é convidado do Roda Viva, da TV Cultura

Caetano Veloso volta ao Roda Viva depois de 25 anos e fala sobre Lula, brasilidade, Luisa Sonza e identidade

Caetano Veloso, depois de 25 anos, voltou ao programa da TV Cultura para discutir o Brasil em sua essência

Redação Publicado em 21/12/2021, às 13h30 - Atualizado às 16h20

Caetano Veloso foi o convidado do Roda Viva, programa da TV Cultura apresentado por Vera Magalhães, na segunda, 20. O músico baiano voltou à bancada de entrevistas depois de 25 anos, e relembrou os ideais de igualdade e esperanças de crescimento do país, levados por ele para a roda há tantos anos: "Acredito [no ideal brasileiro]. [...] Temos a obrigação de fazer. É o mínimo que um país deve ao seu povo."

Como a própria história do músico (quem lançou Meu Coco, disco de inéditas, em 2021) o papo correu em volta de brasilidades, certezas e incertezas pátrias, um combate "delicado" da violência e potenciais do Brasil. Não haveria como excluir política. Para Caetano, uma maneira de "combater o fascismo e desigualdades" é usar "poesia e delicadeza": "Não se pode fazer canções se não acreditar nisso. 'Não Vou Deixar' é uma canção que, no fundo, foi homenagem a 'Apesar de Você', do Chico Buarque. Coloquei quase escondido na letra da questão. No fundo, ideia de enfrentamento político é a mesma. A delicadeza, elegância, as forças estéticas têm capacidade de enfrentar a brutalidade, a ignorância e a injustiça."

Participaram da bancada de entrevistadores Adriana Couto, jornalista e apresentadora do programa Metrópolis da TV Cultura e do programa Nova Manhã, da Rádio Nova Brasil FM; Mariliz Pereira Jorge, colunista da Folha de S.Paulo e colunista e apresentadora do Mynews; Maria Fortuna, repórter de Cultura do jornal O Globo; Luiz Antonio Simas, professor e escritor; Leonardo Lichote, jornalista; e Ademir Correa, diretor de conteúdo da Rolling Stone Brasil.

Eleições 2022 e visão política

Caetano, com afinco político, comentou sobre as Eleições Presidenciais de 2022. Vera Magalhães relembrou alguns dos políticos anteriormente apoiados pelo músico - Marina Silva, Fernando Henrique Cardoso, Ciro Gomes. Questionado sobre o próximo voto, afirmou estar "total" a favor de Lula, quem aponta como preferido da corrida eleitoral brasileira. "Estou 'de Lula', de certa forma, porque as coisas estão assim, configuradas. Mas meu coração está [com o petista] e com Ciro." Sobre a operação da Polícia Federal a Gomes, Veloso classificou "suspeita."

Caetano também relembrou o apoio a Fernando Henrique, e como a própria visão política mudou desde então. Em uma resposta sobre identidades nacionais e críticas ao imperialismo - focando em exageros e como isso pode gerar ressentimento - o músico disse ter mudado muito recentemente. Antes, considerava-se "liberalóide", mas quando FHC começou a mudar e privatizar empresas, Veloso passou a desconfiar desse ideal.

Depois, aprendeu mais sobre desigualdade, principalmente racial. Não acha possível satisfazer-se com a história do Brasil nesta questão - pois, durante a colonização europeia, as Américas viram chegar muitos negros escravizados "cujas sociedades nativas foram dizimadas, oprimidas e negadas," e essa "experiência colonial" não foi reparada - embora, hoje, seja nosso dever o fazer.

Bem Luisa Sonza

Sobre conformidade de gênero, Caetano também tinha lembranças e uma opinião. Deu à geração dele a noção de quebrar esse estereótipo, principalmente quando falamos de artistas. "Nos anos 1960, todos colocavam em questão a autodefinição do gênero do gestual, na roupa, no cabelo. Os homens com cabelos longos, lá nos anos 1960, [forçavam os padrões]."

Lembrou a Ademir Correa como gostava dos Beatles, e como os cabelos longos tornavam-os "andrógenos, de uma maneira geral." Em uma visita a Londres nos anos 1960, ficou impressionado com os cabelos por lá. Mas, mais impressionado ainda com os Rolling Stones (de quem não era tão fã assim). "Mas, quando vi o primeiro show deles... O Mick Jagger chegou com aquela 'bicharia' toda, achei espetacular. Eu fazia um pouco disso aqui, em [festivais]. Em 'É Proibido Proibir', eu dançava [rebolando]. Parecia a Luisa Sonza. Só não era loira, nem linda."

Mostrou-se positivo ao fato das definições de gênero estarem evoluindo sempre. "Não para de mudar e não vai parar mais, não adianta. O ser humano é algo bem louco, as possibilidades, as nuances, variações, experimentação de sexo e gênero são ilimitadas."

O que é o Brasil?

Caetano Veloso e toda a trupe de grandes músicos da segunda metade do Século XX são, intrinsecamente, brasileiros. Quando pensamos em nossa cultura, nossa música e nossa identidade, os grandes tropicalistas pegam na mão e conduzem. Caetano sempre mostrou amar o Brasil. Mesmo que, hoje, haja quem não conheça o país.

Luiz Antonio Simas, professor, explicou como vê cada vez mais jovens e crianças querendo sair do país. Não sabem o que é o Brasil, qual nossa identidade - um debate amplamente construído no século anterior, como lembraram o entrevistador e o músico:

"[Os jovens vivenciam] algo difícil, evidentemente a situação é muito diferente do Século XX. Lembro de eu bem novo, talvez perto da idade da sua aluna, sentir que o Brasil era muito ensimesmado.[...] Um brasileiro fora do Brasil era algo raro. Poucos saíam para viajar, e poucos saíam para morar fora."

Diferente de hoje. Caetano lembrou uma fala de Tabata Amaral, deputada do PDT, quem viveu fora do país e "usa expressões do inglês traduzidas pro português, sem saber que antes nao eram usadas. 'No fim do dia', por exemplo, uma expressão inglesa. Eu com 19, se alguém dissesse 'no fim do dia', não entenderia. Significa 'no final das contas.'"

Hoje, o Brasil e o brasileiro percebem mais o mundo, e outros países ocupam um lugar maior na mente, mas "o Brasil não se desfez." Citou uma conversa a qual o fez pensar se a queda do Brasil como Brasil é irreversível, ou não. Para ele, há voltas. E, caso aconteça, poderia volta o pensamento dele quando menino: um patriotismo e nacionalismo alegres, e a ideia de uma totalidade brasileira.

"Não sentia a vontade - não tenho vontade - de morar fora do Brasil," contou. "Na minha geração, raramente essa vontade aparecia. Morei fora porque o Brasil me exilou, me expulsou, botou pra fora, eu próprio não sairia. Diga à sua aluna como fui expulso do Brasil [...] mas estou aqui, não quero sair. O Brasil pode -e já que pode, deve - fazer algo grande para o mundo.

Mulato: pode ou não?

Adriana Couto chamou atenção de Caetano por usar a palavra "mulato" para designar o pai. A jornalista explicou como a palavra é tida como pejorativa - perguntou como o músico se declara racialmente: 

“Sou pardo. Tem uma música que fala isso. Mas a primeira palavra que aparece no Meu Coco a esse respeito é 'mulato'. Até dediquei essa primeira canção ao Jorge Mautner, eterno defensor da miscigenação brasileira."

Veloso relembra a história do amigo, judeu de origem austríaca cujos pais fugiram da Europa por causa do nazismo, e vieram ao Brasil. "O amor do que ele viu no Brasil, ninguém apaga. Ele tem 81 anos, dois a mais que eu, e nunca mudou! Acha um deslumbramento essa miscigenação do Brasil."

Somos mulatos, híbridos e mamelucos
E muito mais cafuzos do que tudo o mais
O português é um negro dentre as euro línguas
Superaremos câimbras, furúnculos, ínguas" - "Meu Coco"

Para Caetano, porém, a miscigenação "virou um mito de beleza brasileira", e também um empecilho digno de enfrentamento. Mas não exatamente por meio das palavras, pois não caberia a alguém "decidir modificar a terminologia, o que pode ou não usar a respeito de raça." Sobre usar "mulato", reafirmou, não vê problemas:

"Meu pai era mulato, a pessoa que eu mais adorava e respeitava. Tem quem diga ser tirado de 'mula'... Mas qual o problema das mulas? Não tenho nada contra! Embora nem acho que venha de mula... Pode até vir, porque mula é filho de jegue com égua, ou cavalo com jeque. ("Algo híbrido," comentou uma mulher ao fundo.)"

Também disse: "Não sou obrigado a concordar com todas as coisas," taxou. "Essa movimentação, em grande parte americanizada, é muito útil ao Brasil, se o Brasil souber aproveitar. Sou antropófago. O Brasil precisa saber comer e metabolizar isso, não se deixar dominar por isso."


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