Acompanhada de paisagens sonoras deslumbrantes, Clairo mostra a potência como letrista no segundo disco da carreira, Sling
Isabela Guiduci Publicado em 17/07/2021, às 12h00
Nostalgia, referência ou reimaginação: chame do que preferir, mas é inegável a viagem no tempo de Sling conduzida por Clairo Cottrill. Da estética aos elementos sonoros, a jovem cantora de 22 anos mergulha o ouvinte na música dos anos 1970 no novo disco da carreira, com influências diretas às discografias de Joni Mitchell e Carole King - e faz um trabalho impecável.
Diferente do disco de estreia, Immunity, e do ‘soft-pop’ dançante acompanhado de sintetizadores na maior parte das canções apresentadas anteriormente por Clairo, Sling dá espaço à flauta, cordas, melodias suaves de piano e ao pedal steel (um tipo de guitarra elétrica). Uma sonoridade ainda mais confortável e aconchegante toma conta de todo o novo trabalho, com destaque às construções sonoras deslumbrantes.
Co-produzido por Jack Antonoff e com backing vocals de Lorde, Sling resgata a estética e espírito indie de Immunity. No entanto, ao se aproximar dos elementos sonoros do acolhedor folk acústico dos anos 1970, com melodias elegantes e paisagens sonoras expressionistas, distancia-se do que Clairo entregou antes do novo disco, e expande os horizontes da artista.
No segundo álbum, Clairo Cottrill prova e consagra as habilidades como letrista. As vulnerabilidades, sensibilidades e angústias - escancaradas ao longo da carreira - são apresentadas com uma maturidade impressionante para uma jovem de 22 anos. A transparência lírica é uma aposta certeira da trajetória artística da compositora.
Dessa vez, porém, a cantora mostra que, apesar das inseguranças e angústias, precisa cuidar de si antes de se envolver romanticamente com alguém. O retrato da honestidade, como contou Clairo à Rolling Stone EUA recentemente, vem de um momento em que “estava perto de realmente perder a cabeça e não querer estar aqui”: “Realmente não vi um motivo,” afirmou.
A artista é precursora do bedroom pop [pop de quarto, em tradução livre], estilo que, como o título sugere, floresce nos quartos dos artistas. Em Sling, continua a revisitar o gênero, característico pela liberdade criativa, a voz suave e delicada, e um grande espelho para introspectividade. A sonoridade alternativa segue como um dos pilares da discografia da também compositora.
Chegamos à abertura do disco com “Bambi”, “Amoeba” e “Partridge”. Magistralmente, a cantora abre o álbum com as três faixas, guiadas por melodias deliciosas e aconchegantes de pianos - um nível lírico sincero também aparece nas canções. Com graciosidade e delicadeza, Clairo convida sutilmente o ouvinte para seu universo artístico.
Levada pelas cordas, “Zinnias” ganha um ritmo potente conforme é desenvolvida, e dá espaço para uma construção sonora lindamente crescente e envolvente. De maneira grandiosa, a compositora antecede uma das faixas mais fascinantes - em lírica e sonoridade - do álbum, “Blouse”.
Quinta música, “Blouse” é uma confissão identitária de uma mulher frente a muitas relações heteronormativas: “Por que eu te digo como me sinto, quando você está apenas olhando para a minha blusa?” diz o refrão. A melodia profunda da canção combina aos desabafos e complexidade lírica, assim como backing vocals de Lorde.
“Wade” e “Harbor” vêm em sequência e seguem explorando, com graciosidade e sensibilidade, os pensamentos mais vulneráveis de Clairo - acompanhados das cordas e pianos, detalhes melódicos presentes ao longo de todo o disco.
Outro ponto alto do álbum chega com a oitava faixa, “Just For Today”. A canção traz uma forte lírica sobre saúde mental, frustração com a indústria musical e um questionamento relevante sobre continuar a carreira. É uma confissão quase acústica que derrama sentimentos em cada nota.
A instrumental “Joanie” potencializa a aura angelical do disco. Inspirada na própria cachorra da artista, Joanie, a música conta com altos e baixos na melodia devido à interessante proposta de imaginar a energia diária de um animal de estimação.
Ainda, a faixa é a responsável por abrir caminho para uma das peças centrais de Sling, "Reaper". Aqui há uma espécie de pensamentos de Cottrill sobre a esperança em relação à maternidade, e em meio aos devaneios, volta à temática da ansiedade, que controla a mente dela no presente.
Clairo segue com as confidências complexas e sinceras na décima primeira canção do disco, “Little Changes”. Nela, a artista reflete sobre manipulação masculina em um relacionamento: “Ele me amou o suficiente para me acalmar, mas tentou me enganar para fazer pequenas mudanças.”
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“Management” soa como a escolha perfeita para encerrar essa viagem de confissões de Clairo Cottrill: “Ela só tem 22 anos,” diz na canção. Acompanhada de uma sonoridade que parece capturar a essência do disco, a artista encerra florescendo: “Estou fazendo isso pelo meu futuro eu/Aquele que precisa de mais atenção.”
É incrível como as 12 faixas de Sling são um conjunto definitivo, e nada parece fora do lugar, redundante ou mal-combinado. Até canções as quais levam mais segundos para um desdobramento fascinante são bem posicionadas neste diálogo sincero e confessional de Clairo Cottrill. As músicas formam um encaixe musical sublime - e impressionante.
Embora seja apenas o segundo disco da carreira da jovem artista, Sling é um álbum artisticamente interessante com líricas intensas, acentuadas e desenvolvidas somadas às sonoridades delicadas e graciosas. De fato, o projeto marca uma transformação significativa na trajetória da cantora, em todos os aspectos.
Sling, de Clairo, já está disponível em todas as plataformas digitais.
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