Criolo e Maria Vilani: mãe e filho cantam sobre luto e solidão em "Pequenina" - Reprodução/Instagram

Criolo narra experiência de gravar com a mãe, Maria Vilani: "ela que deu força pra mim"

Participação da mãe é ponto alto de novo disco de Criolo; música fala sobre a perda da irmã do músico, Cleane, vítima de covid em 2021

Eduardo do Valle (@duduvalle) Publicado em 08/05/2022, às 12h12

Um retorno no tempo. É assim que Criolo define a experiência de gravar em estúdio pela primeira vez com sua mãe, Maria Vilani. É dela um dos pontos altos do novo disco do rapper, Sobre Viver, na faixa 'Pequenina' (ouça abaixo). A música remonta a um diálogo familiar entre os dois, quando Vilani descobriu que estava grávida de Cleane, a irmã de Criolo, vítima de covid-19 em 2021. Segundo o músico, o tom emocional da música na voz de Vilani chegou a lhe preocupar: "pensei que eu ia dar força para ela, mas foi o contrário, ela que deu força pra mim".

'Pequenina', que ainda conta com participações de Liniker, MC Hariel e Jaques Morelenbaun, fala da solidão da mulher periférica e acena para o luto vivido pela família no último ano. A perda da irmã já rendera a Criolo outra faixa, chamada 'Cleane', em setembro de 2021 (veja o vídeo abaixo). Se antes, porém, o rapper compôs movido pela indignação - "eu tô puro ódio", cantou antes -, agora ele versa sobre amor: "Amor, precisamos de amor / Precisamos nos abraçar pra acabar com a dor / Sorrir. Cantar e resistir".

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"Eu voltei a 1982, quando minha mãe descobriu que tava grávida da minha irmã e soube que era uma menina. Ela chegou pra mim e falou: 'eu me sinto muito só'. Isso foi muito impactante pra ela, muito forte, contou Criolo à Rolling Stone Brasil, "Então eu voltei a 1982, naquele barraco. Era um contexto de fome, de medo, de insegurança e a minha mãe gestando esperança. Isso é muito forte, irmão. Porque realmente nós vivíamos dias terríveis, sem saber do amanhã. Por isso sou eternamente grato ao rap na minha vida. Se não fosse o rap eu não sei o que seria de mim".

 

Luto e abismo social

Falando especificamente da perda, Criolo diz que "ainda tá muito recente". "Sempre vai ser recente quando você fala da morte de um irmão, certo? Podem dizer, 'ah, mas passaram 30 anos' - não, foi ontem! E não é porque a gente quer sofrer. É porque é um fato. E eu voltei em 1982 naquele barraco. E eu lembrei da minha mãe ali jovem, passando por aquelas fita toda. Agora a gente volta pra trocar ideia, em 2022, sem minha irmã."

O músico conta que a ideia para a canção surgiu quando um riff de uma música o lembrou dessa conversa entre mãe e filho ainda em um barraco no Jardim das Imbuias em São Paulo: "Ela disse que ela se sentia só, e aí veio tudo de uma vez. Tudo o que a gente passou naquele barraco no Jardim das Imbuias... uma coisa é falarem do abismo social, outra coisa é você estar no coração disso, vivendo no dia a dia, numa favela no Brasil, tá ligado? E tudo o que a gente passou junto, todo o sofrimento, toda a dor, toda a insegurança, todo o medo do amanhã, tá tudo ali, tá ligado?"

Segundo o músico, alguns trechos da faixa foram difíceis demais para ele próprio cantar em estúdio. A solução veio com o convite a Maria Vilani, que, segundo o rapper, é a referência maior para ele. "A música tinha algumas frases que eu não conseguiria fazer, só minha mãe poderia ter gravado aquelas frases que tão na faixa", diz. Ao contrário do que pensou, porém, Vilani trouxe força à composição e conseguiu gravar o que nem ele conseguiu, apesar de toda a dor. Toda essa firmeza foi, segundo Criolo, força motriz para o próprio disco, que chega após um hiato do músico como compositor:

"O disco só acontece pela energia de todas as pessoas que tão envolvidas nele. Mas sem minha mãe e meu pai não aconteceria. Eu fiquei uns três anos sem compor, antes da pandemia, eu ficava meio assim, tava até meio desacreditado de mim, tá ligado? E se não tivesse eles ali junto, eu não tinha nada."

Abaixo, você confere a letra e música de 'Pequenina', faixa de Sobre Viver, novo álbum de Criolo:

Tão pequenina, uma linda
O sonho de vária das mãe, uma menina
Uma filha mulher pra tecer, pra trocar, pra tirar da solidão que existe lá
Mães sofrem em silêncio há tanto tempo
Nem todas tem a casa com equilíbrio no sustento
As vezes naquela mais bela mansão
Uma rotina de dor vai tecendo esse refrão
Não é emprego, nem é profissão
Mãe é mãe e a minha chora no caixão
Ceis não sabe o que é favela
Ceis nunca moraram nela
Ceis vivem as suas vidas e ainda criticam elas... as mães... jovens
As filhas
Nascer pra ser feliz, não só pegar barriga…
Mãe solteira, obesa, de periferia, professora de escola pública, o alvo do dia
Filha de um preto com uma nordestina
O que pra vocês é vitimismo, pra nós, é nossa vida
Abandono e o descaso são temperos deste coração
Eu prometi que ia ser rico e cuidar dos meus irmãos
Cuidar da minha irmã, agora só em prece
Ela não tá mais aqui... é que esse mundo não te merece

Eu vou ganhar dinheiro, mãe
Porque é só assim que eles respeitam a gente
(Mas pensar assim, Criolo, não é vitória do sistema, tio?)
(Da onde eu vim, fi, sempre é vitória do sistema. Cê tá em Nárnia, criança?)

Eu vou ganhar dinheiro, mãe
Porque é só assim que eles respeitam a gente
(Mas pensar assim, Kleber, não é vitória do sistema, tio?)
(Da onde eu vim, fi, sempre é vitória do sistema. Bairro que depende do bom prato... E os que nem bom prato tem?)

Ceis não sabe o que é amor, ceis só sabe que é rancor
Ceis não têm dimensão do tamanho dessa dor
Uma mãe não abraçar seu filho na situação
Isso é tão triste da minha mais triste canção
O que acontece aqui é pra te oprimir, te fazer desistir, não te deixar sorrir
Amor, precisamos de amor
Precisamos nos abraçar pra acabar com a dor
Sorrir. Cantar e resistir
Questionar o real motivo de tudo isso aqui
Pois abandono e o descaso são temperos desse coração
Eu prometi que ia ser rico e cuidar dos meus irmãos
Cuidar da minha irmã agora só em prece
Ela não tá mais aqui... é que esse mundo não te merece

Eu vou ganhar dinheiro, mãe
Porque é só assim que eles respeitam a gente
(Eu vou ganhar dinheiro, mãe)
(Mas pensar assim, Criolo, não é vitória do sistema, tio?)
(Da onde eu vim, fi, sempre é vitória do sistema. Cê tá em Nárnia, criança?)

Eu vou ganhar dinheiro, mãe
Porque é só assim que eles respeitam a gente

Eu vou ganhar dinheiro, mãe
Eu vou ganhar dinheiro, mãe
Eu vou ganhar dinheiro, mãe
Eu vou ganhar dinheiro, mãe


+++ Ouça o podcast:

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