Martin Gore, guitarrista do Depeche Mode, revelou inspirações e ressaltou que composição do disco ajudou a manter a mente ocupada em entrevista à Rolling Stone Brasil
Dimitrius Vlahos (@dimitriusvlahos) Publicado em 20/03/2023, às 09h00
“Lembre-se de que você é mortal.” É com esta mensagem que Depeche Mode, agora como um duo, lança seu primeiro disco após a morte de Andy Fletcher, tecladista e integrante fundador da banda. Engana-se, no entanto, quem pensa que Memento Mori é um disco melancólico. O projeto tem momentos de introspecção, é claro, mas seu papel foi justamente ensinar Dave Gahan e Martin Gore a olhar para frente durante alguns dos períodos mais delicados do luto.
“Obviamente, [o disco] foi feito em circunstâncias estranhas. Andy morreu seis semanas antes de quando começaríamos a gravar. Decidimos continuar, porque pensamos que seria melhor estar focado mentalmente na música, manter nossa mente nisso. Ficamos muito felizes com o resultado,” explicou Gore, guitarrista do grupo, em entrevista à Rolling Stone Brasil.
Em outras declarações durante o anúncio da nova fase, a dupla já demonstrava empolgação com um álbum do qual, segundo eles, Fletcher estaria orgulhoso. Apesar da aura que envolve Memento Mori, as faixas não nasceram com um propósito claro. Gore não sabia nem mesmo se elas integrariam o catálogo do Depeche Mode quando começou a compor ao lado de Richard Butler. As faixas, inclusive, foram as primeiras escritas pelo músico com pessoas de fora da banda.
Faixas como “Soul With Me” ajudam a resumir as influências da banda, que consegue trazer sua identidade e uma mistura de texturas características de sua discografia sem se tornar repetitiva ou datada. Gore descreveu as combinações com um exemplo inusitado: “Como se os Beach Boys tivessem se encontrado com Kurt Vile e precisassem escrever uma música gospel.” A contraposição entre o debate sobre a morte presente nas letras e os instrumentais carregados de sintetizadores grandiosos parece dar o tom de alguns dos melhores momentos do álbum, como “Wagging Tongue.” “Tudo parece vazio quando você assiste à morte de outro anjo,” diz um dos versos da canção.
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“Ghosts Again,” primeiro single do disco, conseguiu uma recepção que nem os próprios integrantes imaginavam, alcançando um público “meio universal.” A popularidade do Depeche Mode, que, como bem destacou Gore, sempre se renovou diante das novas gerações, foi alavancada ainda mais pela presença de “Never Let Me Down Again” em The Last of Us - sucesso de audiência da HBO Max.
Após o lançamento de Memento Mori, o próximo passo parece óbvio: apresentações ao vivo. Embora haja a empolgação de retornar às grandes excursões após cinco anos, o guitarrista admite que a ausência de Fletcher deve mexer com a banda: “Vai ser interessante ver como será ao vivo, porque será diferente e emocionante. Olhar ao redor do palco, o local onde Andy costumava ficar, vai nos afetar.”
Até o momento, Depeche Mode tem datas anunciadas no México, América do Norte e Europa, mas fãs brasileiros não devem se desanimar. Caso Gahan e Gore estejam “curtindo” a experiência e decidam estender a turnê, a América do Sul deve ser o próximo destino.
Confira a entrevista completa de Martin Gore à Rolling Stone Brasil:
Rolling Stone Brasil: Vocês descreveram Memento Mori como um dos melhores trabalhos da banda nos últimos anos. Como foi trabalhar nele e do que você tem mais orgulho?
Martin Gore: Terminamos o disco há muito tempo, seis meses atrás. Sentimos que há algo especial nele. Realmente estou ansioso pra que o público ouça.
Obviamente, foi feito em circunstâncias estranhas. Andy morreu seis semanas antes de quando começaríamos a gravar. Decidimos continuar, porque pensamos que seria melhor estar focado mentalmente na música, manter nossa mente nisso. Ficamos muito felizes com o resultado.
O disco tem muitas texturas diferentes, tanto na guitarra como nos sintetizadores. Há faixas como “Wagging Tongue,” que lembram hits do Depeche Mode, e outras que se assemelham a baladas. Ao mesmo tempo, Memento Mori não soa como uma coleção aleatória de músicas. O que deu coesão ao álbum na sua opinião?
Há alguns motivos para haver uma certa coesão. Tínhamos 16 músicas gravadas e foi muito difícil escolher quais seriam as 12 que entrariam no álbum. Então, eu imagino que as 12 que entraram formam uma coleção melhor do que as 4 restantes formariam. Isso ajudou. Também passamos muito tempo trabalhando na ordem certa, para fazer que funcionasse como um disco. Outra coisa que estive pensando: não houve muitos pontos positivos sobre a pandemia, mas ter um longo período para escrever é sempre um bônus para um compositor.
Havia menos pressão?
Bem, talvez um pouco menos de pressão. Eu tive mais tempo para pensar em como as demos soavam e me assegurar de que as canções funcionavam juntas.
Falando sobre uma faixa específica, “Soul With Me,” que tem guitarras com chorus, um ar psicodélico e letra melancólica. Como foi o processo?
É uma música muito estranha para o Depeche Mode. Eu gosto das influências estranhas que carrego nessa música. Soa como uma faixa estranha do Beach Boys, como se tivessem se encontrado com Kurt Vile e precisassem escrever uma música gospel.
Uau, uma combinação incrível.
[Risos] Sim. Eu gosto da estranheza.
Você mencionou que as primeiras ideias surgiram na pandemia. Além de terem mais tempo para escrever, como essas circunstâncias afetaram o disco?
A maior mudança aconteceu um mês após o início da pandemia quando Richard Butler entrou em contato comigo. Ele me enviou uma mensagem dizendo que deveríamos escrever uma música juntos. Como estávamos na pandemia, eu pensei que seria interessante.
Na época, imaginávamos que seriam lançadas como um projeto paralelo. Fizemos seis canções que gostávamos. Eu gostei tanto que pensei em usá-las com o Depeche e perguntei a Richard. Não tinha ideia do que ele iria responder, mas ele apenas disse: ‘Ok. Estou feliz que vai usá-las.’ Então, quatro músicas no álbum foram coescritas com Richard. Essa foi uma mudança enorme para nós. Eu nunca compus com alguém de fora da banda até então.
É curioso que Memento Mori nasceu como um projeto paralelo.
Apenas pensamos em compor algumas músicas. Nunca definimos se seria um projeto paralelo ou como usaríamos. Mas, no fundo da minha mente, eu imaginava que seria um projeto paralelo.
Como foi a reação do público com o anúncio do disco e o lançamento de “Ghosts Again”?
Foi a melhor recepção que tivemos nos últimos 25 ou 30 anos. A faixa está sendo tocada em todos os lugares. As rádios estão tocando muito, até mesmo estações que não tocavam músicas nossas há anos. Muitas pessoas que não costumavam escutar Depeche Mode estão gostando, então teve esse alcance meio universal.
Qual foi o impacto de trabalhar com Marta Salogni (que trabalhou com artistas mais experimentais como Björk, Animal Collective e Black Midi) e com James Ford, com que vocês já haviam trabalhado em Spirit?
Como você mencionou, trabalhamos com James em Spirit, então já conhecíamos a forma dele trabalhar. Ele é um ótimo produtor, mas também um grande músico. É muito bom tê-lo por perto. Ele pode surgir com uma ideia, por exemplo: ‘Oh, vamos adicionar uma linha de baixo junto com o sintetizador.’ Então, ele vai lá e toca o baixo, grava em apenas um take, e fica incrível, nem precisamos mexer. James também toca bateria. Gravamos o projeto todo no meu estúdio, exceto por cinco dias, quando fomos ao estúdio de Rick Rubin em Malibu. Durante esses dias, James gravou a bateria de várias músicas, gravamos cordas…
Marta fez a mixagem, mas também era a engenheira de som e esteve lá durante todo o processo de gravação. Foi ideia dela utilizarmos gravadores em fita dos anos 1970 para criar loops. Isso deu um sentimento diferente pro disco e ajudou a criar várias das texturas que estão presentes nele.
Como é voltar aos palcos após a pandemia e, agora, sem Andy? Como você e Dave chegaram a decisão de finalizar o álbum e planejar uma turnê?
Sobre o disco, apenas decidimos continuar o que estávamos fazendo. Era uma boa distração para que evitássemos pensar na morte de Andy o tempo todo. Se tivéssemos optado por um intervalo de um ano, apenas afundaríamos na angústia. Apenas sentados em casa, tristes.
Vai ser interessante ver como será ao vivo, porque será diferente e emocionante. Olhar ao redor do palco, o local onde Andy costumava ficar. Vai nos afetar.
Tenho certeza que a turnê será boa para vocês no final.
Sim, espero que seja. Nós fizemos um show pequeno em Munique. Foram apenas cinco músicas para uma plateia de cinco mil pessoas. Nós dois nos sentimentos empolgados por voltarmos a tocar ao vivo depois de tanto tempo - desde 2018.
O sucesso de “Never Let Me Down Again” após a estreia de The Last of Us te surpreendeu? Como é ver pessoas de gerações mais novas, que talvez não tiveram contato com o Depeche Mode, ouvindo suas músicas?
É sempre uma boa surpresa quando algo tão grande acontece e atinge um público diferente… mas somos muito sortudos de atrairmos os fãs mais jovens de qualquer forma. Mesmo na última turnê, é sempre muito bom ver adolescentes e jovens na casa dos 20 anos em nossos shows. Claro que a série fala com uma audiência muito maior. Foi uma loucura por alguns dias, a quantidade de ‘Shazams’. Também aconteceu com ‘Enjoy The Silence’ no TikTok. Acho que tudo isso ajuda, de repente viemos com um single mais comercial, que está sendo tocado em todo lugar e parece que somos os artistas do momento de novo [risos].
As músicas do Depeche Mode parecem ter envelhecido muito bem.
Obrigado! É bom estar trabalhando novamente, sem ficar em casa o tempo todo [risos].
Martin, após o anúncio da grande turnê do Depeche Mode, incluindo datas em festivais na Europa, eu preciso perguntar se a América do Sul está nos planos da banda.
Bom, temos planos para até daqui a um ano. Não falamos sobre aonde iremos depois disso. Há a chance de estendermos a turnê se ainda estivermos curtindo. Se esse for o caso, imagino que a América do Sul seria o próximo destino.
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