No início da carreira, Elvis resolveu um entrave de vendas da indústria – mas com o sucesso repentino, veio também a reação de conservadora de uma sociedade, horrorizada com os quadris rebolantes do Rei do Rock
Redação Publicado em 29/07/2022, às 13h13
Quando 1956 começou, o jovem Elvis Presley se encontrava em uma encruzilhada mercadológica. Os executivos da gravadora RCA coçavam a cabeça: “O que fazer exatamente com ele?” Elvis tinha misturado o som black com a música country na Sun Records e ficou conhecido no Louisiana Hayride, que era um programa de rádio country. Não existia ainda a chamada “cultura do rock”. Claro, Bill Halley & His Comets havia estourado com “Rock Around the Clock”, colocando fermento na revolução iminente. Artistas negros como Chuck Berry (“Maybeleine”) e Little Richard (“Tutti Frutti”) estavam nas paradas pop. Faltava uma figura para conectar os pontos. Ninguém sabia que seria Elvis.
Steve Sholes, o homem que apostou em Elvis, encontrava-se em situação peculiar. Ele tinha assistido a várias apresentações do cantor no Hayride e em caravanas country, e instintivamente percebeu que Elvis tinha algo a mais. O público de música country era predominantemente masculino, de meia-idade e conservador, mas, nos shows de Elvis, o que mais havia era adolescentes histéricas, querendo pegar um pedaço do cantor. Era esse pessoal que deveria ser o alvo. Sholes colocou pressão no departamento de Marketing da RCA para promover Elvis simultaneamente como artista de country e pop. O executivo visava conseguir o mesmo impacto de Bill Halley, que começou em obscuras bandas de western swing e, naquele momento, era o artista número 1 do país.
Já para Elvis, alheio às maquinações que ocorriam nos escritórios de sua nova gravadora, 1956, até então, era pura rotina. Ele passou os primeiros dias de janeiro em Memphis e caiu na estrada com Johnny Cash. Depois, fez mais alguns shows com o pessoal do Lousiana Hayride. O cantor estava tão exausto desses dias na estrada que, quando voltou a Memphis no dia 8 de janeiro para celebrar seu 21º aniversário, não fez festa: dormiu o dia inteiro. No dia 10, estava em Nashville para a primeira sessão de gravação pela RCA. Ele gravou, dentre outras, “Heartbreak Hotel”, que não foi bem recebida pelo produtor Chet Atkins e pelos executivos da gravadora. Mesmo assim, ela foi escolhida por Sholes como o single de estreia. O lançamento foi marcado para o dia 27 daquele mês. O rapaz seguiu na estrada em suas extenuantes turnês, e o grau de excitação das plateias era cada vez maior. Sabiamente, o Coronel Parker, investiu na televisão. O cantor foi contratado para aparecer no TV Stage Show, comandado pelos irmãos Tommy e Jimmy Dorsey, veteranos da era das big bands. A primeira aparição dele no programa, que era transmitido de Nova York, foi em 28 de janeiro. Em uma noite chuvosa, ele cantou o medley “Shake Rattle and Roll” / ”Flip Flop Fly” e “I Got a Woman”. Elvis se apresentou mais cinco vezes nos meses seguintes, interpretando “Blue Suede Shoes”, “Baby Let’s Play House”, “Tutti Frutti”, “Money Honey” e outras, mas dando um gás especial em “Heartbreak Hotel”.
Toda a promoção feita pela RCA e os esforços de Elvis deram certo. No final de março, “Heartbreak Hotel” já tinha vendido mais de 1 milhão de cópias e era o disco número 1 nas listagens de pop, country e R&B. Steve Sholes finalmente pôde gargalhar. Ele tinha ouvido que havia contratado o cantor errado da Sun Records. Afinal, Carl Perkins tinha explodido na gravadora de Memphis com “Blue Suede Shoes”, que logo também foi gravada por Elvis.
O primeiro álbum de Elvis Presley, que teve apenas o nome do cantor, também foi lançado em março. Foi outro trunfo de Sholes. Adolescentes não tinham dinheiro para comprá-los, mas Elvis já tinha cacife suficiente para se arriscar no formato 12 polegadas. Em pouco tempo, o disco já estava no topo das paradas.
Com os royalties de “Heartbreak Hotel”, o cantor comprou uma casa em Audubon Drive, localizada em um subúrbio de classe média de Memphis, no número 1034. Gladys e Vernon, os pais dele, gostaram do ambiente, espaçoso e simples, onde podiam receber os parentes. Logo a calma foi perturbada por fãs que começaram a acampar perto do local, na esperança de encontrar o ídolo. Ele, no começo, atendia a todo mundo, mas aos poucos sua rotina ficou perturbada. Elvis também passava mais tempo na estrada e nem pôde apreciar direito a nova residência.
No dia 13 de abril, Elvis estreava em Las Vegas. O Coronel tinha conseguido uma temporada de duas semanas no New Frontier Hotel, junto com o comediante Shecky Greene e orquestra de Freddie Martin. Não foi exatamente um grande sucesso. O público da cidade, constituído por adultos endinheirados, não se interessou pelo “cantor atômico”, como havia sido promovido pelo Coronel. Os curiosos que foram aos shows apenas aplaudiam educadamente, e o caos e gritaria presentes nos shows normais passaram longe do palco do hotel. O crítico Bill Willard escreveu: “Para os adolescentes, Elvis é um mago, mas para os gastadores de Vegas, ele é só um chato. Seu trio de instrumentistas faz um som cru, que tem tudo a ver com as letras sem nenhum sentido pronunciadas pelo cantor”. Para Elvis, os dias em Vegas serviram como aprendizado. Ele circulou pelos outros shows, assistiu a Liberace, ídolo de sua mãe, e tentou absorver ao máximo da atmosfera do showbusiness local.
Depois, foi escalado para o programa de Milton Berle na rede de TV NBC. Foi um passo significativo. Berle era ícone televisivo nos anos 1950, e seu programa tinha uma das maiores audiências da época. A transmissão foi feita de San Diego, do deck do porta-aviões USS Hancock. Elvis, trajando roupa escura, detonou ao som de “Heartbreak Hotel” e “Blue Suede Shoes”, e ainda participou de um quadro humorístico com Berle, no qual interpretou o “irmão” dele, Melvin. O cantor achou aquilo meio apelativo, mas sabia que a mãe, Gladys, fã de Berle, gostaria de vê-lo atuando ao lado do veterano. Algo simbólico aconteceu nos bastidores do Milton Berle Show: além de Elvis Presley e seus músicos, o baterista Buddy Rich e a banda dele também estavam no programa. D.J. Fontana, baterista de Elvis e fã de Rich, aproximou-se para cumprimentar o colega de baquetas. Foi esnobado. Rich chamava Elvis e seus músicos de caipiras e ficou horrorizado quando percebeu que a trupe do futuro Rei tocava sem partitura e sem ensaiar. Quando Elvis apresentou “Blue Suede Shoes”, Rich desdenhou: “Nossa, isso é um pavor. Graças a Deus vai passar”. Logo o jazz de Rich é que se tornaria peça de museu. “I Want You, I Need You, I Love You” foi o próximo single, mas Elvis nunca teve boas recordações da canção. O voo a caminho de Nashville para a gravação foi turbulento e o pequeno avião ficou sem gasolina, quase caindo. Nervoso, Elvis não correspondeu na gravação e até errou a letra. No final, foi obtida uma matriz satisfatória. O disco inevitavelmente chegou ao primeiro lugar, em maio.
Elvis já estava acostumado com o que acontecia em um estúdio de televisão. Para a sua segunda aparição no programa de Milton Berle, marcada para 5 de junho, ele estava bem mais relaxado. A presença galhofeira do apresentador também ajudou. Ele foi promover “I Want You, I Need You, I Love You”, mas tinha direito a mais um número musical. Em sua malfadada temporada em Las Vegas, Elvis assistiu a Freddie Bell and the Bellboys interpretando “Hound Dog”, canção da blueswoman Willie Mae “Big Mama” Thornton. A interpretação da banda de Bell era cômica e o cantor gostou, achando que ela cairia bem em apresentações ao vivo. No programa de Berle, dispensou a guitarra. Rebolou e dançou como uma stripper, girando o microfone de forma sensual, mas sem malícia aparente. Ele achou que seria apenas engraçado, mas não foi bem assim.
No dia seguinte, Elvis finalmente ganhava manchetes nacionais e a atenção de adultos (e pessoas que nunca tinham ouvido falar dele). Infelizmente, não da maneira que esperava. “A música popular nunca chegou tão baixo quanto ontem”, disse Ben Gross, do New York Daily News. “No programa de Milton Berle, o cantor girou seus quadris de uma maneira tão vulgar e animalesca que suas performances deveriam ser restritas ao cais do porto e a bordéis, não à televisão nacional.” O pomposo The New York Times opinou por meio das palavras do colunista Jack Gould. “O sr. Presley não tem habilidade vocal alguma. A visão do jovem Presley balbuciando suas letras ininteligíveis com sua voz inadequada, complementadas por seus movimentos primitivos, não pode ser descrita em um jornal de família. Ele nos remete à Idade da Pedra.” Até então, a mídia tinha se manifestado de forma tímida sobre o novo formato musical batizado por Alan Freed, o rock, e agora capitaneado por Elvis. Delinquência juvenil, o afrouxamento dos valores morais e culturais, desordem nas ruas, mistura racial e desinteresse pela religião: tudo agora era culpa do rock e, por tabela, de seu Flautista de Hamelin, Elvis Presley. A cultura do sul dos Estados Unidos, sempre tratada de forma indulgente e indiferente, agora era hostilizada pela mídia das grandes cidades.
Para Elvis, parentes, amigos e associados dele, a reação ao show de Berle foi de choque e pavor. Antes, Elvis era tratado calorosamente. Agora, era o inimigo público, o garoto-propaganda dos maus exemplos. Em uma entrevista para a agência de notícias Reuters, ele tentou se defender. “Eu não tento ser sexy, madame”, disse à repórter. “Eu só me mexo com a música. Só balanço as pernas. Não tem nada a ver com qualquer outra parte do meu corpo.” Elvis se ressentiu do apelido Elvis The Pelvis (“essa expressão é a coisa mais infantil vinda de um adulto”) e desabafou: “Eu não vejo como qualquer tipo de música possa ter má influência nas pessoas. Eu não entendo como o rock and roll pode fazer com que alguém possa se rebelar contra seus pais”. Ele também defendeu o estilo de música que cantava. “As pessoas de cor vêm cantando e tocando desse jeito por tanto tempo que nem mesmo sei. Eles tocam assim nos cortiços e ouvem essa música na jukebox. Ninguém deu a mínima até que comecei a cantar esse estilo. Aprendi com eles. Lá em Tupelo, Mississippi, eu ouvia o velho Arthur Crudup mandando bala. Pensei que se eu conseguisse passar esse mesmo sentimento, minha música seria como a de ninguém.” O Coronel Parker manteve a calma e não achou necessário um controle de danos. O importante era deixar as coisas esfriarem e tudo seguir seu curso – muitos acordos importantes, já nego- ciados, não poderiam ser banalizados em polêmicas. Indagado sobre os movimentos do pupilo, o empresário falou: “Da próxima vez, vou colocar um medidor de rebolado no show”.
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