Rapper quebrou hiato de 11 anos desde seu último álbum em 2012
Pedro Figueiredo (@fedropigueiredo) Publicado em 15/09/2023, às 12h26
Gabriel O Pensador, um dos mais consagrados rappers no cenário nacional, quebrou o hiato de 11 anos sem um álbum de inéditas nesta sexta, 15. Antídoto Pra Todo Tipo de Veneno (2023) chega às plataformas digitais celebrando um momento ainda mais consciente do artista.
Em conversa com a Rolling Stone, o rapper explica que o fez o intervalo entre o novo álbum e o antecessor, Sem Crise (2012), foi a forma como as pessoas estavam consumindo música. “Eu tive a sensação de que o formato álbum já não estava tendo a atenção merecida e as pessoas estavam muito na onda o single,” explica.
Apesar de faixas do álbum como “Linhas Tortas” e “Solitário Surfista/Surfista Solitário” performarem bem, Pensador entendeu que era o momento de se adaptar ao modo como se estava vivendo a música digital.
Foi então que Pensador mergulhou de cabeça e produziu durante esse período trabalhos como “Passaporte para a Fé”, em parceria com Gustavo Macacko, “Deixa Queimar”, com Amanda Coronha, “Tô Feliz (Matei o Presidente) 2” e “Fé na Luta”, com Taís Alvarenga e “Chega.” O rapper conta que durante a pandemia também lançou faixas: “Gravei com a Ivete (os dois lançaram juntos a canção “Aglomeração a 2”), com a Cynthia Luz (“A Cura Tá no Coração”).”
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O artista explica que um dos motivos que o motivou a lançar um trabalho mais robusto foi ter notado que esse tipo de formato voltou a ser apreciado — ainda que digitais. O principal motivo, no entanto, apesar dos mais de 10 singles lançados neste período, foi bem simples, segundo conta Gabriel.
Tinha tanta coisa para dizer que eu não saberia escolher qual era o próximo single. ‘E agora, qual vai ser o próximo tema? Eu tô escrevendo tanto. Não sei se vai ser uma letra séria, se vai ser a que falei do mar. Vamos lapidar isso aqui e fazer o álbum.”
A partir daí o desafio foi selecionar as faixas, fazendo com que elas se conectassem entre si. Dentre as músicas que integram o trabalho, há canções que já haviam sido escritas anteriormente e outras feitas pensadas no álbum. “Depois do meu último single, ‘Patriota Comunista,’ eu fui estudando alguns beats do Dree Beatmaker, fazendo algumas letras em cima deles.”
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“Também já conhecia o Kevin, do Malibu Studios, que estava sempre na minha cabeça como um bom produtor. Ele me convidou para gravar uma voz lá e eu decidi centralizar a produção nas mãos dele,” conta Gabriel. Nesse momento nasce o projeto de Antídoto Pra Todo Tipo de Veneno.
O rapper resgatou algumas canções que já estavam sendo feitas há mais tempo, “Burn Babylon,” escrita em parceria e produzida por Papatinho e “Obrigado Mar por Isso Tudo”, com André Gomes na produção. A partir de um beat do Dj Caique nasceu “Topo do Mundo/Fundo do Poço.” Houve também uma colaboração transatlântica, o rapper protuguês, produtor e amigo de longa, Sam The Kid produziu a faixa “Giro” em parceria com Kevin.
Gabriel também destaca um reencontro que o projeto proporcionou. O engenheiro de som responsável pelo álbum é Renato Bolonha. “Ele já tinha trabalhado comigo muitos anos atrás. Inclusive na música ‘2345meia78’ ele operou a mesa e faz uma das falas da letra: ‘Ela se mudou, casou com um delegado de polícia/Quer o número?,’” conta sobre trabalhar novamente com o amigo. “Dá para ver quando, além de ser bom, ele faz minuciosamente com vontade cada detalhe.”
Para o rapper, o esse é um dos melhores aspectos da criação de um álbum: o trabalho coletivo. Nos singles o trabalho é mais efêmero, ele explica. O projeto maior permite a criação de laços entre a equipe.
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Outra parceira do artista — dentro e fora do estúdio — foi Gab, (Gabriela Vicente), sua namorada. A sugestão da mudança de beat na faixa “Cachimbo da Paz 2”, uma parceria com Lulu Santos e Xamã, partiu dela. Gabriel conta que originalmente a canção seguiria uma linha mais clássica, um rap raiz. Mas eles consideraram trazer uma roupagem mais próxima do trap, o toque final foi dado por Kevin, que também assina a composição da faixa.
O nome do álbum foi dado a partir da canção “Liberdade,” feita em parceria com Armandinho, “Ele me entregou a música de presente, já pronta a levada, com a letra só no refrão e algumas ideias do que a gente poderia abordar,” conta o rapper.
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O rapper então se inspirou em situações da própria vida, aprendizados e atitudes para compor seus versos. “A gente tem um mundo de muita energia ruim, negatividade, violência, muita repressão em todos os sentidos, intolerância. O ser humano cada vez mais inescrupuloso, ganancioso,” relata. Gabriel conta ainda que situações que passou recentemente, com decepções e perdas e tudo isso acaba nos envenenando.
Mesmo coisas que damos importância, como esse mundo da imagem, da falsidade, que torna coisas supérfluas importantes e que provocam ansiedade, frustração. Tudo é muito veneno para nossa mento e nosso coração. Às vezes esquecemos de focar no antídoto”
Para cada veneno há um antídoto, explica o artista. Pode ser coragem, liberdade para vencer barreiras, paz de espírito, amor, perdão, força. Tudo isso está nas letras do artista ao longo das faixas do novo trabalho.
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“Acho que temos que extrair o antídoto sempre que podemos, às vezes está dentro de nós e não percebemos, no sorriso da pessoa do seu lado, no abraço,” sintetiza o rapper, que se classifica como uma pessoa muito sensível. “Até expus isso em um vídeo uma vez, falando que estava me fazendo mal tanto ódio no mundo. E falei pela primeira vez que tinha umas dores no peito.”
Gabriel, no entanto, sente muito prazer em transmitir alegras e boas vibrações, seja nas gravações ou nos shows. A música que originou o título do álbum traz essa energia. A colaboração com o cantor de reggae trouxe uma mistura interessante para o álbum.
Admirador do gênero e fã declarado de Bob Marley, Gabriel classifica o reggae como música de resistência, assim como o hip hop. A parceria com Armandinho já vinha sendo uma vontade dos dois artistas. “Ele traz muita positividade no trabalho dele.”
No álbum há também “Obrigado Mar por Isso Tudo,” outro reggae, dessa vez em parceria com Makua Rothman, músico e surfista, assim como o rapper. Os dois se encontraram em 2020, no Havaí. “Falando de uma coisa que eu amo, que é o mar, o surfe. Porque me trouxe muitas amizades, vontade de desbravar e o lance da coragem.”
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O rapper já chegou a surfar ondas gigantes, em locais como Nazaré, Portugal. Para ele a relação com o esporte é muito paradoxal. Ao mesmo tempo em que a atividade desperta coragem, também é um momento de pânico. “
Um dos aspectos mais interessantes dessas músicas sobre o surfe e o mar — Gabriel também tem canções como “Solitário Surfista/Surfista Solitário” e “Eu e a Tábua” — é a identificação de pessoas que estão longe do oceano por meio da canção.
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Além desses artistas, o álbum conta com diversas colaborações. A mais emblemática delas talvez seja “Cachimbo da Paz 2,” na qual Gabriel, acompanhado de Lulu Santos e Xamã, revisita um de seus hits mais clássicos, lançado em 1998, no álbum Quebra-Cabeça.
A primeira coisa que veio à cabeça foi a necessidade de falar de novo sobre a questão do tráfico de drogas. Não tinha nada a ver com essa votação que tá quase rolando da posse. Mas acho que há uma necessidade de falar disso porque estava se normalizando há muito tempo mais uma morte de inocente na favela, mais uma criança baleada, uma mulher grávida, seja o que for. Ao mesmo tempo que sabemos que o policial morre, o trabalhador morre. É ruim para todo mundo”
No meio dessas reflexões, durante a turnê comemorativa de 25 anos do álbum, o rapper resolveu então ressuscitar o cacique, personagem principal da canção, e abordar mais diretamente a questão indígena, o desmatamento e o massacre dessa população.
Durante as gravações da faixa, Xamã contou para Gabriel que havia feito na 6ª série um trabalho em que cantou a canção de 1998. “Ele me mandou um áudio semana passa explicando melhor que esse trabalho foi muito importante para ele se descobrir como um poeta. Fiquei muito felz, admiro demais o trabalho do Xamã.”
Em “Burn Babylon”, o rapper recebe Hélio Bentes, da banda Ponto de Equilíbrio, não é a primeira vez que eles se encontram profissionalmente, eles já colaboraram em “Nossa Música” e em “Vamo Aí,” que conta também com a participação de Gabz.
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Gabriel também fez uma parceria com o rapper Sant, na faixa “Boca Seca.” Ele buscava um poeta habilidoso para participar da faixa que é uma das mais pessoais do álbum, o convite foi aceito e a colaboração se tornou uma das favoritas do artista. “A música fala das questões pessoais do vazio, do pensamento raso e também questiona levemente a nossa dependência da inteligência artificial.”
Outra participação especial é a de Black Alien, amigo de longa data. “Ele até comentou: ‘Como demoramos 30 anos para juntar as canetas?’.” Em “Nunca Tenha Medo” os dois tratam de seus fantasmas, mas também de coragem e determinação.
O rapper destaca a importância das apresentações no momento que está vivendo. “Estou ansioso para trazer essas músicas novas para o show. ‘Profecia,’ uma das minhas favoritas, eu já cantei no show de Madureira, aqui no Rio, ‘Cachimbo da Paz 2’ também, mas agora a minha missão é o show novo. Estamos com uma banda muito boa e uma estrutura muito boa, é o momento ideal para trazer um álbum novo para o público.” Finaliza falando sobre a turnê que está por vir.
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