Álbum Gilberto Gil (1968) foi lançado um mês antes do disco-manifesto Tropicalia ou Panis et Circencis
Alexandre Matias Publicado em 01/02/2023, às 15h43 - Atualizado em 04/02/2023, às 10h31
Lançado um mês antes do disco-manifesto Tropicalia ou Panis et Circencis, em maio de 1968, o segundo álbum de Gilberto Gil não apenas é sua primeira obra-prima como também traz uma visão bem particular sobre como ele via o que depois passou a ser chamado de tropicalismo. O "som universal" que ele buscava com Caetano Veloso antes de a Tropicália ser batizada necessariamente passava pela psicodelia do rock britânico. Mas, ao lado do mano baiano, aquele novo movimento buscava contrapor extremos, buscando a essência da brasilidade a partir do contraste.
A versão de Gil era menos belicosa. Por mais que sua principal contribuição ao gênero seja uma música sobre um assassinato (“Domingo no Parque”), ela não entra no repertório para chocar, e sim para mostrar a realidade em que vivemos. Batizado apenas com seu nome, o segundo disco de Gil é conhecido por apelidos inspirados por sua capa (“o disco do fardão”, “o disco tropicalista”, “o disco psicodélico”), assinada por Rogério Duarte e Antônio Dias, com fotos de David Drew Zingg.
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Apesar das cores fortes e dos instrumentos elétricos, o disco segue a linha que Gil lapidava desde Salvador, trabalhando como um cronista do cotidiano do Rio de Janeiro. Músicas como “Domingou”, “Luzia Luluza”, mais uma regravação de “Procissão”, “Ele Falava Nisso Todo Dia”, “Coragem Pra Suportar” e “Domingo no Parque” descreviam cenas rotineiras, mas vistas com os olhos de um poeta forasteiro, encantado com as novidades da antiga capital.
Produzido pelo lendário Manoel Barenbein, o disco seguia o calor da época tropicalista, e ao trazer Gil vestido premonitoriamente com o fardão da Academia Brasileira de Letras (fazendo referência aos Beatles na capa de Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band, lançado em 1967), ficava evidente que seus rumos musicais não eram triviais: as músicas foram arranjadas pelo maestro Rogério Duprat e os músicos que acompanham Gil são Os Mutantes.
"O que a gente põe a mais na salada?”, perguntava o produtor a Gil, Duprat e aos irmãos Dias Baptista e Rita Lee, para sair da trivialidade das gravações da época. E assim, o disco assume-se psicodélico e transgressor, seguindo o mesmo caminho que os Beatles abriram para a música pop. Ruídos e efeitos sonoros atravessam as canções, dando um ar tanto lúdico quanto pós-moderno, provocando o ouvinte da mesma forma como eles se provocavam nas gravações.
Talvez o melhor exemplo seja o encerramento do lado A, o groove desembestado de “Pega a Voga, Cabeludo”, música do folclore amazonense transformada em rock, que marca o início da gravação, quando o técnico Rogério Gauss anuncia: “Atenção bicões, gravando!”. Daí em diante, o clima informal toma conta, até que o produtor resolve interromper o registro. Mas Rita Lee ironiza o professor, chamando-o de chato nas entrelinhas: “Manoel, me dá um Kri-Kri”, brinca com o nome do chocolate, que também era uma forma de se referir a quem queria cortar a onda dos músicos.
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Empolgados, todos emendam um coro à revelia do produtor: “Ê, Manoel, para de encher!”, cantam, antes de Gil chamar Sérgio Dias para um solo: “Serginho cabeludo danado, vamo lá!”. Não bastasse isso, Gil ainda chama o baterista Dirceu Medeiros e exige um discurso. O músico então profere a máxima que “o som psicodélico é redondo que só uma gota”, resumindo também o espírito deste disco clássico.
Gilberto Gil (1968) é um dos discos resenhados no Especial 80 Anos de Música, uma edição exclusiva da Rolling Stone Brasil dedicada à Geração 1942, que reúne nomes essenciais da MPB, como o próprio Gilberto Gil, Milton Nascimento, Paulinho da Viola e Caetano Veloso, além de um panorama global dos nascidos neste ano. O especial impresso já está nas bancas e nas bancas digitais. Clique aqui para saber mais. Ouça o disco completo abaixo:
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