Joe Duplantier, vocalista do Gojira, relatou pressão de fãs sobre ativismo, reassumiu posicionamentos políticos e garantiu mais visitas ao Brasil
Heloísa Lisboa (@helocoptero) Publicado em 13/11/2023, às 19h57
Pouco mais de um ano após apresentação no Rio de Janeiro, o Gojira retorna ao Brasil na companhia do Mastodon, com a The Mega-Monsters Tour. A banda desembarca no país sem álbum novo, mas deve focar em um disco de inéditas ao final da turnê. Joe Duplantier garante que o show em São Paulo — que acontece nesta terça-feira, 14 — marcará o "fim do ciclo do Fortitude" e será tecnicamente melhor.
Em entrevista à Rolling Stone Brasil — concedida em agosto deste ano —, o vocalista também opinou sobre o governo brasileiro: "Me senti [otimista] por um tempo, e depois não tanto, quando vi algumas notícias. Sonia Guajajara fazendo parte do governo é ótimo, mas não sei se ela consegue ser ouvida pelos lobistas e fazendeiros."
O cantor tem posicionamentos políticos claros e chegou a participar de protestos no Brasil contra o marco temporal das terras indígenas. Guajajara fez um apelo durante o encontro anual sobre Desenvolvimento Social e Sustentável do Club de Madrid, nesta segunda-feira, 13. A ministra dos Povos Indígenas pediu que a comunidade internacional ajude a impedir que o veto ao projeto de lei seja derrubado pelo Congresso Nacional.
Engajado em diversas questões sociais no Brasil e no mundo, Duplantier pondera que não é seu "trabalho fazer política." Ainda assim, o grande alcance é bem aproveitado pelo Gojira, que veicula protestos por meio da música, a exemplo da faixa "Amazonia".
Joe se desculpou por ainda não saber falar português, mas quer recompensar os brasileiros com mais visitas nos próximos anos. O apelo de quem não mora em São Paulo foi ouvido e, "aos poucos", o grupo pretende contemplar fãs de outras cidades.
Confira entrevista na íntegra de Joe Duplantier à Rolling Stone Brasil:
Rolling Stone Brasil: Como se sente fazendo uma turnê com o Mastodon?
Joe Duplantier: É ótimo! É muito incrível! Mastodon é uma das minhas bandas preferidas de todos os tempos. Então, sim, é muito legal. E os fãs também... Nossos fãs e os deles são meio que... Eles são amigos. Nós compartilhamos os fãs.
Rolling Stone Brasil: Vocês pretendem compor algo novo juntos?
Joe Duplantier: É uma possibilidade. Na verdade, nós improvisamos juntos, sabe? Eles estão bem aqui. Estou sentado perto deles, no camarim ao lado. Nós saímos, conversamos, trocamos ideias e, às vezes, tocamos juntos. Então, não é impossível que, em algum dia, haverá uma música do Mastodon com o Gojira. Mas não considere isso uma promessa. Não estou anunciando nada.
Rolling Stone Brasil: O Gojira veio ao Brasil no ano passado. O que trarão neste ano? O quão diferente será esse show?
Joe Duplantier: É diferente de alguma forma, porque estamos caminhando para o fim do ciclo do Fortitude. Será, provavelmente, nossa última turnê antes de descansarmos e gravarmos um novo álbum.
Eu diria que vai ser muito melhor, porque estamos muito mais ensaiados. Sabe, é engraçado: não ensaiamos muito entre turnês porque fazemos muitas turnês. Para esse álbum, saímos muito em turnê. Então, como nos concentramos tanto durante os shows, ficamos melhores, eu acho. Continuamos progredindo como músicos. É uma realidade. Estamos muito focados na nossa entrega e na nossa técnica.
Quero muito dizer àqueles que nos viram no Rock in Rio: acho que esse show que faremos em São Paulo será muito melhor tecnicamente. Todas as sutilezas, outro setlist... E, é claro, não é apenas um show do Gojira, é um lance da Mega-Monsters Tour. Além disso, ver Gojira e Mastodon no mesmo dia é algo bem legal, eu acho — pelo que ouvi falar.
Rolling Stone Brasil: É diferente de um festival também, não?
Joe Duplantier: Sim, claro! Em um festival, é mais difícil trazer as pessoas para nosso som e nosso universo. Há tantas limitações quando se trata do que podemos fazer em um festival. Só podemos realmente gritar para todas essas pessoas. Não há soundcheck. É muito difícil de controlar o som, as luzes e tudo mais. Então, nosso show fica limitado. Desde o Rock in Rio, fizemos alguns importantes shows na França, na Europa, no Japão, na Austrália... Isso nos forçou a trabalhar mais na nossa apresentação e no nosso conteúdo visual. E, sim, será algo a mais. Estamos muito ansiosos.
Não é apenas mais uma turnê.
Rolling Stone Brasil: Você já disse, em outra entrevista, que rock é uma forma de ativismo. Eu concordo, mas acho que muita gente que ouve esse tipo de música é, estranhamente, conservadora. Aqui no Brasil, muitos que viveram o período de ditadura votaram no Bolsonaro, por exemplo. Como você encara isso? Acredita que fãs de heavy metal estão entendendo o que o Gojira, o Rage Against the Machine e muitos outros artistas estão dizendo?
Joe Duplantier: Não posso me preocupar tanto com isso. Tudo o que podemos fazer é iluminar e expressar algo o máximo possível. Quando você está ocupado dançando, cantando ou fazendo um discurso, não pode se preocupar tanto com como isso está sendo captado. Você tem que se preocupar pouco, porque, do contrário, não será entendido. Então, tem que garantir a articulação e a clareza da mensagem. Mas, quando sua mensagem já está por aí, inegavelmente clara, aí as pessoas podem fazer o que quiserem com ela. Às vezes, estamos sendo criticados e incompreendidos. Só que não deveríamos nos preocupar, certo? Senão, não faríamos nada.
É engraçado como esse estilo de música — e é assim que também vejo o punk, hip hop, rap e rock — é uma ótima ferramenta e arma para combater a escuridão e a ignorância. Para mim, não é apenas entretenimento. É também cultura, poesia, arte, música... E está tudo bem em ser politizado, porque ser politizado é ter uma opinião. Então, desde que dê sua opinião, estará sendo politizado. Sempre há essa linha tênue para os artistas.
No meu caso, eu estou bem confortável no meu lugar, porque sou um artista. Posso dizer coisas estúpidas e isso não importa. Não sou pago para isso. Não é meu trabalho dizer coisas inteligentes, e eu não sou político, ninguém vai votar em mim ou algo assim. Mas, se o público não compra ingressos, é isso, estamos demitidos. Nosso chefe é a plateia. Ela precisa ser entretida. Ao mesmo tempo, como eu já disse, acho que temos o dever de comunicar o que consideramos importante. Desculpe, estou atirando em todas as direções aqui...
Rolling Stone Brasil: Soube que você é um grande fã de Sepultura, certo? Também tocou no Cavalera Conspiracy... Você escuta algum outro artista brasileiro?
Joe Duplantier: Não muito. Estou envergonhado por admitir isso, mas não me aprofundei muito. Estou sempre muito sintonizado quando vejo uma banda tocando, presto atenção. Moro em Nova York há 15 ou 12 anos, frequento shows e conheço a cena underground do lugar. Então, estou aberto ao novo, mas não descobri muitas bandas brasileiras, para ser sincero. Conheço uma banda, OverDose, lá dos anos 1990. Eles lançaram um álbum incrível, o Progress of Decadence.
Rolling Stone Brasil: Acho que não conheço.
Joe Duplantier: São bem parecidos com o Sepultura, é engraçado.
Rolling Stone Brasil: E outros gêneros, como Música Popular Brasileira, MPB? Já ouviu falar dos Mutantes?
Joe Duplantier: Não tenho certeza, desculpe. Amo a cultura e a música brasileiras. Alguns dos meus amigos ficariam bem bravos comigo por não conhecê-la.
Rolling Stone Brasil: Está tudo bem! O último álbum do Gojira é tido como um dos melhores discos de heavy metal de 2021. Devemos esperar por um novo em breve? Vocês já estão trabalhando em algo? Pode dar alguma pista?
Joe Duplantier: Estamos trabalhando livremente em algumas músicas inéditas. Mas, em 2024, vamos diminuir o ritmo de turnê e começaremos a compor coisas novas. Já tivemos umas ideias aqui e ali, então vamos fazê-las acontecer mais cedo ou mais tarde.
Rolling Stone Brasil: Você se sente mais otimista sobre a preservação do meio-ambiente? Especificamente sobre a Amazônia, agora que temos outro presidente...
Joe Duplantier: Me senti por um tempo, e depois não tanto, quando vi algumas notícias. Sonia Guajajara fazendo parte do governo é ótimo, mas não sei se ela consegue ser ouvida pelos lobistas e fazendeiros. Parece ser a obsessão número um de todo governo. Tenho um pouco de medo de falar sobre isso, porque não fiz minha lição de casa. Não sei todos os detalhes, mas meu instinto diz que estamos condenados. Meu cérebro me diz para permanecer positivo, é claro.
Às vezes, você está tendo um dia ruim e pensa que vai se atrasar para uma festa, um show, uma prova importante ou algo do tipo. Então, você finalmente consegue chegar e percebe que estava se preocupando por nada. Tenho que me lembrar disso. Manter a fé e a cabeça erguida, pois nunca se sabe. Talvez algo bom ainda pode acontecer, e uma situação que parece completamente horrível pode se tornar ok no fim do dia. Talvez consigamos fazer dar certo. Vamos ver. Mas, sim, a situação no Brasil é tão interessante quanto a de outros países ao redor do mundo. Há tanta coisa acontecendo neste momento, que pode ser sufocante para todos.
Eu convidaria qualquer um que vai ler isso, caso coloque isso na entrevista, a se manter focado.
Mas não vou me preocupar muito. Se os humanos decidirem se destruir, o que você vai fazer? Tem tanta gente nesse planeta. Vamos ver o que acontece. Claro, estou feliz que o Bolsonaro não é mais presidente. Espero que as coisas caminhem cada vez mais para a direção correta.
Parece que os indígenas continuam sofrendo, mesmo com um novo governo. Isso é um pouco decepcionante. É meio vergonhoso. Fico triste com isso. Tenho grandes amigos em meio aos indígenas, especialmente envolvidos com o povo Guarani Kaiowá. Fui batizado, recebi um nome como o deles, e isso mudou minha perspectiva. Virou algo mais pessoal. Todo o apoio à comunidade amazônica, à importância de proteger a floresta e ao reconhecimento das pessoas que vivem nela. Elas são a chave para proteger a Amazônia. Vamos ver. Estarei observando, mas não há muito o que eu possa fazer. Coletivamente, conseguimos.
São necessárias revoluções individuais para se fazer uma verdadeira revolução.
Rolling Stone Brasil: Acho que já respondeu a próxima pergunta, mas vou fazer mesmo assim.
Joe Duplantier: Qual é?
Rolling Stone Brasil: O Congresso vai discutir sobre uma lei relacionada às terras indígenas amanhã. Você continua engajado com questões indígenas? Tem trabalhado em algum projeto nesse sentido?
Joe Duplantier: Sim. Posso acrescentar algumas coisas. Não é meu trabalho fazer política. Eu sou um músico. Estou extremamente ocupado com turnês, gravações, lidando com todas as demandas técnicas e praticando. Tenho minha família. A única coisa que posso fazer é comunicar isso. Não tenho grandes planos. O único plano é acenar para outros amigos artistas e para nossos fãs e dizer: "O que você vai fazer sobre isso?" Fazer essas entrevistas é, para mim, uma forma de manter esse tipo de coisa sob o holofote.
Às vezes, recebo mensagens de pessoas que dizem: "O que você vai fazer sobre isso? Por que não está mais falando sobre isso?" Quero lembrar as pessoas de que esse não é meu trabalho, mas é algo com o que nos preocupamos profundamente. Como resultado, está nas nossas entrevistas, nas nossas letras... Mas continuamos sendo artistas.
Rolling Stone Brasil: Você se sente sobrecarregado com essa situação?
Joe Duplantier: Sim. Gosto de me colocar nessa situação de alguma forma, porque estou constatemente lembrando de todas essas coisas. Tenho amigos que são ativistas. Acho que, futuramente, terei mais tempo para me dedicar à caridade e ao meio ambiente. O estado é tão crítico. Parece que agora tem muita coisa acontecendo e já é quase tarde demais em algumas questões. Muitos animais estão desaparecendo e a situação dos oceanos é dramática. Há uma guerra acontecendo na Ucrânia. A família da minha esposa é da Lituânia, nos Países Bálticos. Eles estão sob muito estresse com o despertar do dragão da Rússia.
Autographed guitar by Joe on sale for Ukraine.
— Gojira (@GojiraMusic) September 25, 2023
During last Eurockéennes festival édition in france, Joe offered his guitar autographed in profit of UAME Ukrainian association.
More info:https://t.co/vYYx7G0gxc pic.twitter.com/2x3p1SuWm0
Quero lembrar a todos que fiquem calmos e que tentem fazer as decisões certas. Talvez não cair na armadilha de consumir muito e ter cuidado com o que compra. O que você está patrocinando através do que compra, do que come? Como você se sustenta? Que tipo de comida você está colocando dentro de si mesmo? O que você promove com isso? Que tipo de carro você está comprando? Todos temos um poder e ele começa nos supermercados e nas lojas.
Rolling Stone Brasil: Acho que temos que encerrar agora. Quero saber se tem algo a dizer aos brasileiros. O que devem esperar do show?
Joe Duplantier: Muito obrigado! Gostaria de falar mais português. Não falo português. Tem algo muito diferente do francês. Na França, as pessoas são tipo... Nós gostamos disso. Amamos isso. Também quero me desculpar por não tocar com tanta frequência no Brasil. Estamos prestes a fazer esse show em São Paulo. Muita gente diz: "Venha para Brasília, venha para o Rio..." Vamos aos poucos. Voltaremos depois do show em São Paulo. Por favor, tente ir ao show!
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