O artista lançou 'Tembla', ao lado do C4 Trío, e 'Collab', com Gonzalo Rubalcaba
Heloísa Lisboa (@helocoptero) Publicado em 02/07/2024, às 10h48
O domínio de Hamilton de Holanda sobre seu bandolim o fez ser chamado de virtuoso. Embora o músico tenha uma habilidade fora do comum, ele nega o título concedido por jornalistas, especialistas e admiradores. "Essa palavra é muito usada mesmo, né? Mas posso te falar a verdade? Eu nunca pensei em ser virtuoso", confessou em entrevista à Rolling Stone Brasil.
Para o artista, não faltam ideias: ele revelou que, em 2021, durante a pandemia, compôs 366 canções, "uma por dia". Por isso, não foi um desafio criar e reinterpretar músicas ao lado do C4 Trío e de Gonzalo Rubalcaba.
Com uma diferença de duas semanas, Holanda lançou os discos Tembla e Collab. No primeiro, os venezuelanos do C4 Trío e ele aproximaram os sons da América Latina. No segundo, Hamilton transformou a inspiração por Rubalcaba em uma colaboração repleta de jazz.
"Temblar", em espanhol, significa "estremecer".
A ideia do Tembla surgiu durante o Grammy Latino de 2022, quando Hamilton de Holanda recebeu o prêmio de Melhor Álbum Instrumental, por Maxixe Samba Groove (2021). No evento, ele se sentou ao lado do C4 Trío e sugeriu uma parceria.
O convite não fazia parte de conversa fiada. Além de tocarem juntos no Teatro Colsubsidio, em Bogotá, Hamilton e o grupo venezuelano deram vida ao disco.
Holanda lembrou que sua primeira apresentação fora do Brasil foi na Venezuela: "Então, eu tenho uma aproximação, uma admiração e respeito muito grandes pela música venezuelana e pelos músicos".
Desde 1997, sou apaixonado por essa música, me lembra da primeira vez que estive lá, que eu fui tipo numa jam session, com a galera tocando. Eles tocaram um gênero, o merengue, que é em 5/8, que fiquei chapado. Eu me lembro de ir para o hotel depois, ficar até o amanhecer tentando tocar ali no meu bandolim. Gosto muito e acho que é importante fazer essas aproximações, aprender a falar espanhol — nem que seja o portunhol — porque a América Latina é muito rica, né?
Tembla foi uma oportunidade de unir ritmos latino-americanos e de celebrar o gosto do pai, Américo, pelo bolero. "Quando eu falo do meu pai, é porque meu pai ouvia muito bolero, ele adorava ouvir bolero, o próprio "Burbujas de Amor", "[Aquellos] Ojos Verdes", "Pras Crianças" — uma música minha que ele estava na gravação também —, "Anos Dourados" — uma música que ele adorava, com essa coisa mais abolerada... Meu pai gostava desse sotaque abolerado", argumentou.
O disco conta ainda com a colaboração de Varijashree Venugopal. A cantora indiana chamou a atenção de Holanda ao participar do Desafio Canto da Praya, proposto na pandemia para que artistas se juntassem a João Bosco e ele em vídeos de música.
"Quando eu vi, chorei e falei: 'Meu Deus, tenho que fazer alguma coisa com essa cantora'", disse Hamilton. Venugopal e ele consolidaram diversas parcerias, sendo que a mais recente, em conjunto com o C4 Trío, foi "Manzaneras".
Collab agrega reinterpretações de músicas como "Don't You Worry 'Bout a Thing", de Stevie Wonder, e composições próprias de Hamilton de Holanda e do cubano Gonzalo Rubalcaba, como "Flying Chicken" e "Blues Lundvall". O álbum representa o "cruzamento entre o choro e o son cubano".
Quando a gente foi ver, tínhamos um repertório com vários tipos de humor — tem coisa mais alegre, outra coisa mais introspectiva, aquelas melodias mais singelas, tipo trilha sonora de filme italiano... Tem ainda a música que fala da saudade, da Maro, que é uma cantora que a gente adora, cantora portuguesa — acho que era a única coisa que faltava no disco: aquele sentimento que essa música traz. Com isso, a paleta de sentimentos nesse disco com o Gonzalo ficou completa.
Um dos objetivos da dupla era transmitir uma gama de emoções, ainda que sem usar palavras na maior parte do disco, a partir das faixas. O toque final ficou por conta de "Saudade, Saudade", da cantora portuguesa Maro.
Quando eu toco fora do Brasil, eu não preciso falar nada. Se eu estou nos Estados Unidos, se eu estou na França, se eu estou na Alemanha, se eu estou na Holanda... Cada lugar desse tem um tipo de língua diferente. A música instrumental está no meio. Em qualquer lugar que eu tocar, a pessoa vai ouvir, claro, vai sentir o ritmo, mas vai criar a própria viagem na cabeça dela. Quero que a pessoa escute e que ela reconheça através das próprias histórias as histórias que eu vivi para fazer essas músicas.
Segundo Holanda, "tocar com os caras que são muito bons é fácil" — quadro em que Gonzalo se encaixa —, mas ele chegou a pensar que não conseguiria reproduzir a segunda canção do disco. Antes de transferir "Blues Lundvall" para as pontas dos dedos, o bandolinista precisou diminuir o BPM da música original até alcançar o ritmo adequado. "Foi um suor danado", contou.
Sobrou tempo para compor "Mandalagh", cujas consoantes adicionadas no final do nome representam as inicias de Gonzalo e Hamilton.
Leia entrevista com Hamilton de Holanda na íntegra:
Rolling Stone Brasil: Você já está acostumado a passear por diversos gêneros. Como foi nesses dois últimos trabalhos? Tem son cubano, jazz, choro, de tudo...
Foi uma coincidência. Foi acontecendo naturalmente. O C4 é da Venezuela. A Venezuela foi o primeiro país que toquei fora do Brasil. Então, eu tenho uma aproximação, uma admiração e respeito muito grandes pela música venezuelana e pelos músicos.
Desde 1997, sou apaixonado por essa música, me lembra da primeira vez que estive lá, que eu fui tipo numa jam session, com a galera tocando. Eles tocaram um gênero, o merengue, que é em 5/8, que fiquei chapado. Eu me lembro de ir para o hotel depois, ficar até o amanhecer tentando tocar ali no meu bandolim. Gosto muito e acho que é importante fazer essas aproximações, aprender a falar espanhol — nem que seja o portunhol — porque a América Latina é muito rica, né?
E o Gonzalo, essa aproximação acho que vem mais pelo jazz. A gente já tinha se cruzado em festival de jazz pelo mundo, e ele é um dos maiores pianistas do jazz, é um cara que é super respeitado — eu mesmo já tinha ele como referência. Na época que gravei a série Brasilianos, o som do Gonzalo era uma referência.
E claro, você citou o choro, né? O choro acaba sendo meio que o ponto de partida, né? Porque, antes de aprender a ler e escrever, eu já tocava bandolim, tocava os chorinhos do Pixinguinha, do Jacob, do Ernesto Nazareth... Então, eu acabo partindo da minha linguagem, aprendendo as outras linguagens e trazendo essas outras linguagens para minha linguagem. É uma maneira que eu tenho de reforçar semelhanças com essas outras músicas — no caso, a música latina, em geral — e aprender com as diferenças.
Rolling Stone Brasil: O que quer dizer quando fala que uma canção é rica para improviso? O que torna uma música rica para improviso?
Na verdade, se a gente parar para pensar, qualquer música pode ser cenário para improvisação. Mas eu acho assim: a parte rítmica, ela importa muito na hora da improvisação, né? Inclusive, tem uma máxima que diz: "nota certa no ritmo errado é nota errada, agora, nota errada no ritmo certo é nota certa".
Então, dentro da improvisação, o ritmo é a base do cenário. Só que tem outra coisa que faz ela ficar mais rica ainda: é quando a harmonia, os acordes, eles são bons para a gente criar uma melodia nova, para a gente encontrar um caminho novo.
O jazz é basicamente pensado e feito dessa maneira. E o repertório que gravei com o C4 também parte daí, porque tem melodias muito cantáveis e, ao mesmo tempo, dentro dessas melodias cantáveis, tem umas harmonias bonitas, uns ritmos que sugerem melodias novas. Acho que a riqueza vem daí, de ter uma harmonia que inspira a gente, e que, acima de tudo, tem um ritmo que empurra a gente para frente.
Rolling Stone Brasil: Como trabalhou em tão pouco tempo em dois discos?
Não sou o tipo de artista que grava um trabalho e fica um ou dois anos só tocando aquele trabalho. Eu tenho várias parcerias e tenho meus trabalhos originais também, de composições. Isso me dá uma flexibilidade, de poder chegar e tocar com um músico da Espanha, um músico flamenco, um músico do jazz dos Estados Unidos, um músico da música erudita da Itália ou da França, enfim.
Eu tenho essa predisposição para aprender e para mostrar a minha cultura. Esses dois discos, eles foram acontecendo naturalmente, como eu te falei. Terminei de gravar o disco do C4 e já estava tocando com Gonzalo. Quando eu gravei o disco com o Gonzalo, eu ainda estava mixando o disco do C4.
Então, agenda, coisa e tal... Foi coincidindo, sabe? Quando a gente viu, praticamente ao mesmo tempo, os dois discos estavam prontos. A Sony também gostou da ideia, comprou a ideia. Acho que tem um ponto importante: é uma maneira de abraçar a cultura latino-americana, de dar valor à cultura latino-americana, fazendo esses dois trabalhos, cada um com a sua particularidade, obviamente.
Rolling Stone Brasil: Você já falou um pouco sobre isso, mas queria que me detalhasse mais como surgiram as ideias do Collab e do Tembla.
Olha, a ideia do Tembla surgiu em 2022. A gente estava lá em Las Vegas, no Grammy Latino, e estávamos sentados na mesma mesa, eu e o C4 Trío. Eu ganhei, subi no palco, quando voltei, falei: "Da próxima vez, a gente ter que fazer algo juntos, para a gente tentar concorrer aqui".
A ideia saiu daí, e junto do Paulo Gil e o Marcos Portinari, que é meu empresário — eles estavam conversando ao mesmo tempo. Paulo Gil é o diretor do Teatro Colsubsidio, em Bogotá, e convidou a gente. A ideia era fazer o concerto no Colsubsidio, no sábado, mas a gente chegaria na segunda-feira. Teríamos dois dias para ensaiar, escolher repertório, dois dias para gravar, e no sábado a gente faria o show.
Com o Gonzalo, o repertório partiu do show. A gente fez os shows do projeto Tucca, aí na Sala São Paulo e aqui no Vivo Rio. A gente pensou: "Vamos gravar um disco". E daí foi um pulo. Enquanto a gente ia se falando no WhatsApp, coisa e tal, eu dava umas sugestões, ele dava umas sugestões também.
Partiu de composições nossas — fiz uma especialmente para esse disco, que se chama "Mandalagh", o Gonzalo me sugeriu algumas músicas dele, eu sugeri "Incompatibilidade de Gênios", que é uma música do João Bosco... O João Bosco também é um parceirão do Gonzalo, meu parceiro, a gente faz muitos shows. Ele que sugeriu música do Stevie Wonder. Surgiu também a participação do Gabriel Grossi.
Quando a gente foi ver, tínhamos um repertório com vários tipos de humor — tem coisa mais alegre, outra coisa mais introspectiva, aquelas melodias mais singelas, tipo trilha sonora de filme italiano... Tem ainda a música que fala da saudade, da Maro, que é uma cantora que a gente adora, cantora portuguesa — acho que era a única coisa que faltava no disco: aquele sentimento que essa música traz. Com isso, a paleta de sentimentos nesse disco com o Gonzalo ficou completa.
Rolling Stone Brasil: Quais dificuldades encontrou no caminho? Você disse que “Blues Lundvall”, do Collab, foi uma das músicas que você pensou que não conseguiria fazer. Por quê?
Todo processo sempre tem dificuldades, né? Dificuldade de agenda, dificuldade, às vezes, de pensar uma coisa... Mas o que realmente me tirou os cabelos foi essa música “Blues Lundvall”, que é uma música maravilhosa, linda e complexa, muito cheia de detalhes. Quando eu ouvi na primeira vez, ele mandou a partitura escrita à mão, com aquela caligrafia perfeita assim, sabe? Falei: "Pô, que foda". Coisa incrível, ele ainda escrevendo assim à mão, isso me tocou.
Mas quando eu fui olhar mesmo, ver as notas e perceber o que era aquilo, eu falei: "Eu não vou conseguir tocar isso no bandolim, isso não vai dar certo no bandolim". Fiquei uns 10 minutos aqui onde eu estou agora. Fiquei pensando, olhava para lá, olhava para cá, pensando o que eu ia fazer. Imediatamente, copiei [a partitura] para um programa do computador aqui que eu escrevo partituras, o Finale, e fui passando aos pouquinhos.
À medida que eu ia passando a música para o computador, eu já ia ouvindo também e aquela trilha já foi começando a ficar na minha cabeça. Depois eu passei o andamento dela — o original é 125 BPM — para 40, abaixei muito a velocidade dela. Treinava, gravava um trecho hoje, aí descia para a rua para fazer alguma coisa... Fiz isso com a música inteira.
Quando eu decorei ela inteira, fui aumentando aos pouquinhos até chegar no tempo original — passei um pouco para 130. Quando voltei para 125, continuava difícil, mas ficou um pouquinho mais confortável. Quando eu cheguei no estúdio, já estava com ela decorada e já com ela debaixo dos dedos. Foi um suor danado.
Rolling Stone Brasil: Quais você diria que são as semelhanças entre o joropo e o choro?
A relação que tem é a parte de harmonia, as melodias são parecidas... Inclusive, lembro de uma vez que eu escutei um joropo, e quando eu chegava na terceira parte, era muito parecido com o choro, que tem três partes. Então, eu ouvi alguns joropos também com três partes e, quando chegava na terceira parte, era muito parecido com "Naquele Tempo", uma música do Pixinguinha. Enfim, eu vejo muitas semelhanças melódicas e na parte da harmonia. Claro que o ritmo é completamente diferente e a instrumentação também, mas essa essência melódica e de harmonia é que vem muito da música europeia, da música clássica. É muito próximo e semelhante.
Rolling Stone Brasil: Você acha que foi mais difícil se adaptar ao ritmo do piano de Gonzalo Rubalcaba ou aos cuatro e ao baixo do C4 Trío?
Eu não acho que tenha sido mais difícil um ou outro, Heloísa. Eu acho que cada um tem uma particularidade, e são músicos que eu já conheço. Não sei se eu falei no começo aqui, mas a Venezuela foi o primeiro país que eu saí para tocar fora do Brasil. Então, eu já ouço essa música há muito tempo. O Gonzalo foi minha referência quando gravei a série Brasilianos.
Cada um é um tipo de adaptação. Tocar com um quarteto exige um tipo de adaptação diferente de tocar em duo. Quando a gente toca em duo, cada um tem uma responsabilidade maior pelos elementos da música. Quando a gente está em quatro, em cinco, no caso, a gente divide essa responsabilidade e as partes das músicas: a parte rítmica, a parte melódica...
Tudo parte de uma coisa que é fundamental, Heloísa: a escuta, estar com o ouvido aberto para ouvir o que o outro está tocando para daí você também propor coisas. Quando está em cinco, você tem que ouvir cinco elementos diferentes, né?
Acho que não tem mais difícil, tem coisas diferentes, como eu falei, características diferentes. Posso dizer? Não foi difícil, na verdade. Tocar com os caras que são muito bons é fácil, entendeu? Eles te deixam à vontade.
Rolling Stone Brasil: Você disse que seu pai, Américo, iria gostar muito do repertório de Tembla. Como foi a escolha de faixas nesse álbum e no Collab? Você disse que teve uma paleta de sentimentos...
O C4 partiu dessa ideia do repertório latino-americano. Quando eu falo do meu pai, é porque meu pai ouvia muito bolero, ele adorava ouvir bolero, o próprio "Burbujas de Amor", "[Aquellos] Ojos Verdes", "Pras Crianças" — uma música minha que ele estava na gravação também —, "Anos Dourados" — uma música que ele adorava, com essa coisa mais abolerada... Meu pai gostava desse sotaque abolerado.
O repertório, de uma maneira geral, vem daí, dessa questão latina dançante, sedutora, tem uma coisa melodiosa, né?
Já com Gonzalo, partiu de composições nossas, e a gente tentou preencher com outros sentimentos. Precisávamos gravar uma música conhecida, que gostamos e que traz uma outra ideia para o disco — também gostamos de outros estilos musicais. Então, ele sugeriu Stevie Wonder. A ideia veio com a necessidade de encontrar um outro tipo de sentimento, de humor. A da Maro, que traz uma nostalgia, aquele apertozinho no coração, entrou nesse lugar aí, porque não tinha música com essas características.
Resumidamente: tudo parte de algo afetivo, sabe, Heloísa? Porque música é sentimento, é emoção, né? Por mais que às vezes a gente se pegue em situações de músicas mais complexas, que exigem uma apuração técnica um pouco mais detalhada, tudo isso vem de um sentimento, de uma necessidade de mostrar um sentimento — seja ele de alegria profunda, seja ele de alguma tristeza, de alguma nostalgia, de algo introspectivo.
Rolling Stone Brasil: Falando na Maro... Vocês incluíram “Saudade, Saudade” em Collab, que é uma música sobre o luto. Para você, como é transmitir sentimentos por meio da criação de músicas que não têm palavras?
É a coisa mais gostosa do mundo, porque eu deixo as pessoas sonharem enquanto escutam minhas músicas, deixo as pessoas criarem suas próprias histórias. Eu amo poesia, amo música cantada, tenho minhas composições também com letra, mas a música sem letra abre um caminho para a cabeça e para o coração que talvez alcance lugares diferentes.
Além disso, quando eu toco fora do Brasil, eu não preciso falar nada. Se eu estou nos Estados Unidos, se eu estou na França, se eu estou na Alemanha, se eu estou na Holanda... Cada lugar desse tem um tipo de língua diferente. A música instrumental está no meio. Em qualquer lugar que eu tocar, a pessoa vai ouvir, claro, vai sentir o ritmo, mas vai criar a própria viagem na cabeça dela. Quero que a pessoa escute e que ela reconheça através das próprias histórias as histórias que eu vivi para fazer essas músicas.
Rolling Stone Brasil: Pode me contar como foi feito o convite para a cantora indiana Varijashree se juntar ao Tembla?
Ela é maravilhosa! Olha, foi curioso, porque, na pandemia, a gente fez um desafio — chamava Desafio Canto da Praya: a gente fez um vídeo que eu ficava no cantinho da tela, o João Bosco ficava no meio do vídeo, e ficava uma parte vazia no outro canto do vídeo, que era para as pessoas gravarem cantando, tocando ou dançando para nós.
Você lembra da pandemia, como foi difícil. A gente ficava inventando coisa na internet, essas colaborações. Choveu de gente cantando, dançando, improvisando, tocando a melodia. Uma das pessoas que, quando eu ouvi, fiquei chocado foi a Varijashree Venugopal. Quando eu vi, chorei e falei: "Meu Deus, tenho que fazer alguma coisa com essa cantora".
Daí para a gente ficar amigo foi um pulo. Trocamos mensagens, convidei a Vari para ela fazer uma participação num disco meu que chama Maxixe Samba Groove. Inclusive, eu ganhei o Grammy Latino com esse disco, e ela gravou o "Choro Fado", que é uma música que tá no disco com o Gonzalo, o Collab, também.
Então, a Vari está nessa teia nossa de músicos e pessoas que a gente admira. Ela acabou de lançar um disco no qual fiz uma participação. A Vari é impressionante, uma das musicistas mais impressionantes, mais emocionantes, que eu já conheci na minha vida. Ela é especial demais. Tem um timbre muito bonito, tem um controle rítmico que só os indianos têm, que é uma coisa fora do normal.
Rolling Stone Brasil: Voltando um pouquinho, você falou que "Mandalagh" foi uma composição feita para esse disco. Fiquei me perguntando quais sentimentos você colocou nessa música...
Boa pergunta. Ela partiu de um sentimento de admiração pela música cubana. Gosto muito e já toquei com outros artistas cubanos também, como Paquito D'Rivera, Chucho Valdés, Marialy Pacheco, que é uma grande pianista, Omar Sosa... Pensei em fazer alguma coisa que fosse no cruzamento entre o choro e o son cubano e que mostrasse que a gente é irmão, que a gente tem essa ancestralidade africana comum também, né? Então, partiu de uma admiração e de um desejo de ressaltar as nossas semelhanças e a parte rítmica, que a gente tem em comum.
Rolling Stone Brasil: Antes de fazer qualquer entrevista, faço uma grande pesquisa. Li muito que você é "virtuoso". O que acha dessa palavra?
Essa palavra é muito usada mesmo, né? Mas posso te falar a verdade? Eu nunca pensei em ser virtuoso. Nunca pensei nisso. Não penso. Nunca, quando eu estou fazendo uma música, penso em ser virtuoso. Eu simplesmente toco coisas que eu aprendi. Talvez isso venha do aprendizado que eu tive com choro. O choro é um gênero que exige uma dedicação ao instrumento, uma questão de estudo, é um gênero que não é fácil.
Não vou brigar, é claro, mas também nunca vou escrever alguma coisa sobre virtuosismo. Acho que a técnica não é o primeiro lugar na música — a música vem em primeiro lugar, o sentimento. A técnica vem para exaltar isso, para colocar isso para as pessoas sentirem. Mas é verdade que, quanto mais a gente estuda, quanto mais técnica e quanto mais a gente tem capacidade de acertar, mais a gente consegue chegar naquele sentimento.
A gente pode controlar aquilo que a gente pode controlar e aceitar aquilo que a gente não consegue controlar, sabe? Acho que quanto mais eu me dedico, afino meu sentimento e a vontade de fazer as pessoas se emocionarem também. Acho que a técnica é o caminho que eu tenho, que me ajuda a chegar no coração das pessoas.
Rolling Stone Brasil: Você me lembrou de uma entrevista com o Ian Anderson. Ele falou que não se considera um bom guitarrista. Ele queria se parecer com o Eric Clapton, mas não se achava tão bom quanto o Eric Clapton. Ele disse que, às vezes, não saber de tudo dá mais margem para criar coisas novas.
Boa essa fala dele, porque realmente quanto mais a gente se aprofunda nas coisas, mais a gente vê que a gente não sabe nada, que tem muito mais para aprender. Faz sentido isso que ele falou.
Rolling Stone Brasil: Agora, para finalizar: quais os próximos passos?
A minha cabeça não para um segundo. Meu computador está cheio de ideias anotadas aqui. Tenho muitas músicas que eu nem gravei. Você sabe que na pandemia eu fiz 366 músicas, no ano de 2021, uma música por dia — porque foi um ano bissexto, né?
Tenho muitas composições que eu ainda posso gravar, tem coisas novas que fiz outro dia, não paro de fazer, tem artistas que eu tenho vontade de tocar, tem lugares que eu não conheço e que eu quero conhecer...
Por enquanto, eu sei que, em julho, eu tenho uma turnê em Portugal. Vou tocar com uma orquestra de bandolins em algumas cidades de Portugal. Em outubro, eu tenho uma turnê grande lá nos Estados Unidos. Tem vários shows no Brasil. Amanhã estou indo para São João Nepomuceno, interior de Minas. Semana que vem estou aí em São Paulo, tocando no Sesc Pinheiros, sábado e domingo.
Então, são várias coisas que vão acontecer. E com certeza, nessas várias coisas, está planejado fazer uma turnê com Gonzalo, que já começou a marcar show para o ano que vem, e também com o C4 Trío.
Rolling Stone Brasil: Você citou alguns artistas e alguns lugares que você quer visitar e com quem você quer trabalhar? Tem alguns exemplos?
Tem! Você é curiosa, em [risos]. Claro que tem! Dois países que eu não fui ainda, que eu quero e preciso conhecer: Japão e Cuba. Nunca fui ao Japão, nunca foi a Cuba. Já viajei muitos países — já viajei mais de 40 países — mas esses dois eu não conheço ainda.
Eu tenho muita vontade de tocar com a orquestra lá da Alemanha, chamada Orquestra Filarmônica de Berlim. Eu toquei esse ano lá na sala deles em Berlim — a sala é espetacular, mas toquei com meu grupo, né? Eu queria tocar com meu grupo e com a orquestra de lá, que é uma orquestra que eu tenho uma admiração muito grande.
É claro que eu tenho vontade de rever pessoas com que eu já gravei também. Graças a Deus, as parcerias que eu faço ficam. Eu não tenho inimizades e nada que eu fiz me fez pensar: "Ah, não quero fazer isso nunca mais". Não! Às vezes, são contingências da vida que colocam a gente em outros caminhos.
Mas eu gostaria de repetir coisas também com o Zeca Pagodinho, por exemplo, com Chris Potter, que é um saxofonista americano amigo meu. Enfim, quero conhecer novos músicos e musicistas que estão surgindo e tocar, aprender com a galera mais nova, né? Porque eu estou bem no meio da estrada da vida — estou com 48 anos.
Quando eu era mais novo, eu tinha, claro, amigos do colégio, mas a maioria dos meus amigos músicos eram mais velhos. Hoje em dia, eu estou no meio, então eu quero aproveitar dos mais velhos e dos mais novos também. Vou descobrindo as pessoas e fazendo novos trabalhos para gerar emoção para mim e para todo mundo.
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