Além da tour que passou por São Paulo no dia 07 de março, Joe Elliott ainda falou sobre o novo disco do Def Leppard em entrevista à RS
Esteban Tavares Publicado em 07/03/2023, às 18h00
Com 46 anos de carreira, o Def Leppard volta ao Brasil para turnê com o Mötley Crüe, em uma apresentação única no estádio Allianz Parque, em São Paulo, no dia 07 de março. E, deixando de lado as tragédias do passado, Joe Elliot se diz mais feliz do que nunca.
Simpático como sempre, ele conversou com a Rolling Stone Brasil sobre a nova tour, o novo disco, gravação remota, a pandemia, longevidade na carreira e o calor humano da América Latina. Confira a entrevista na íntegra:
Esteban Tavares [ex-Fresno, para Rolling Stone Brasil]: Vou começar com uma pergunta simples, mas bem importante depois de quase 47 anos: Como vocês estão? Como está a vida hoje, Joe?
Joe Elliot: Não poderia estar melhor, cara! Como ser humano, é a mistura perfeita fazer parte dessa banda! Nós estamos nesta tour sul-americana de três semanas e meia, estamos longe de nossas famílias, o que é um pouco traumatizante, mas não são como as antigas turnês de 1 ano. Então, teremos seis semanas para ficar em casa e passar um tempo com a família antes da turnê europeia, o que me faz sentir falta da banda de novo! Tem sempre alguma coisa faltando, mas se você balancear, você sabe que sempre tem um momento para voltar e tudo vai ficar bem.
Do ponto de vista profissional, essa é uma das maiores turnês que já fizemos [sul-americana] e como um britânico, nós enxergamos a América do Sul como um grande país, com diferentes cidades ao invés de diferentes países. Quando saímos de Lima, Peru, para Santiago do Chile, é como voar de Los Angeles para Chicago, de Londres para Sheffield. O público aqui é muito parecido, desde o México até o Brasil, do mesmo jeito que o público europeu é parecido entre si. Suécia, França, Alemanha, por exemplo.
Os ingleses são um pouco diferentes, assim como os norte americanos. Aqui na América do Sul, nós tivemos essa experiência incrível de fazer dois shows por semana, o que nos proporciona um bom tempo de descanso. Desse jeito você canta e toca melhor para esse público que é completamente maluco. Desde o México, Peru, Chile, passando por Brasil e Argentina, nós criamos uma enorme expectativa. Por enquanto tem sido ótimo.
Na última noite, tocamos em Santiago e foi uma atmosfera incrível, especial. Não parecia um show de uma banda com 47 anos de estrada. Não nos sentimos deslocados, foi como fazer parte dos Rolling Stones, que estão por aí há 60 anos. É uma celebração do nosso legado. Mas para nós foi maior ainda, pois estamos divulgando um novo álbum, tocando um quarto dele, que é um quarto do set list. É muito empolgante não andarmos em círculos tocando somente os velhos hits. Claro que nós tocamos os hits, mas podemos promover o novo disco, o que é duplamente empolgante para nós.
ET: De onde veio a ideia da tour com o Mötley Crüe? Estádios lotados, um avião enorme rodando todo o mundo. Como aconteceu?
JE: Bom, foi uma ideia dos mais velhos [empresários], porque nós continuamos sendo garotos. Bem, pelo o que disse Nikk [Sixx, baixista do Mötley Crüe], assim que o filme The Dirt (longa biográfico do Crue) saiu, eles tiveram um sentimento de “quem sabe nossa história não acaba aqui, talvez devêssemos fazer mais turnês”.
Como nós temos o mesmo escritório, aquelas pessoas que tomam café e pensam por nós tiveram a ideia. “Que tal colocarmos o Leppard e o Cruentações na estrada?”, e eles sabem que nós adoramos essas turnês conjuntas. Estivemos com Journey em 2018, com o Kiss em 2014, Bryan Adams em 2005 e por aí vai.
Nós gostamos que nossos shows sejam eventos e não somente uma noite qualquer em um clube. Então aceitamos a proposta na hora e eles não demoraram para aceitar também. De repente comecei a receber mensagens dos caras dizendo “Hey cara, fiquei sabendo que vamos fazer uma turnê juntos” e ficamos muito empolgados! Do outro lado, tivemos um grande problema, pois anunciamos a turnê em 2019, tivemos ótimas vendas, tudo estava preparado para ser enorme e então “boom”, a covid chegou e pensamos “e agora?”.
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ET: Sim, foi muito triste…
JE: Foi muito ruim, sabe? Eles não são mais jovens, nós não somos mais jovens… Quem saberia o que poderia acontecer em dois anos? Cruzamos os dedos para que os shows não fossem cancelados, mas que fossem adiados um ano. Então o que fizemos foi seguir em frente, sem um plano concreto, e gravarmos um novo disco.
Nós iríamos nos encontrar em março de 2020 no meu estúdio em Dublin, mas acabou não acontecendo pois ninguém podia voar devido às novas normas. Então liguei para Phil [Collen, guitarrista da banda] que estava na Califórnia e perguntei “o que faremos agora?”, e então viemos com a ideia de gravar remotamente, porque na época ainda acreditávamos que a turnê estaria de pé, pois quando o lockdown foi anunciando, todos pensávamos que seria por 2 ou 3 semanas. Mas tudo piorou, passamos a crer em 2 ou 3 meses, e depois recebemos a informação que que a turnê não aconteceria naquele momento, que ainda precisaríamos esperar mais doze meses, o que acabou nos dando a chance de seguir na gravação.
Não era como “vamos ver o que temos de material”, mas sim uma ideia de “vamos fazer um disco!”, e fazer isso de maneira remota foi completamente diferente. Nós tínhamos um grande engenheiro de som e produtor, Ronan McHugh, e já que tínhamos a turnê cancelada não uma, mas duas vezes, então gravamos um álbum que poderia ser lançado quando a turnê realmente começasse.
ET: Vocês gravaram esse disco na Irlanda, Inglaterra e Estados Unidos, certo?
JE: Sim! Eu vivo na Irlanda, Savage [Rick, baixista] mora em Sheffield (Inglaterra), Vivian [Campbell, guitarrista] no leste americano, e Phil e Rick [Allen, baterista] no oeste dos Estados Unidos, mas isso não importou porque o Def Leppard não faz mais discos como vocês assistem nos filmes. A última vez foi em 1981.
Nós gravamos as baterias, depois colocamos os baixos e assim por diante, e quando tudo está pronto começamos a colocar as vozes e algumas guitarras extras, e de repente podemos mudar tudo. É como um quebra cabeça que montamos juntos. Somos como arquitetos da música. Aprendemos a fazer do nosso jeito, e trabalhando com Ronan McHugh que tem seu próprio estúdio, e todos nossos computadores em casa estavam ligados ao seu console de gravação.
Basicamente estávamos trabalhando em seis estados ao mesmo tempo e foi ótimo, estávamos em casa, com nossas famílias ao invés de estarmos trancados em uma sala. Não tivemos ego envolvido, foi tudo muito tranquilo e natural. Era do tipo “hoje eu não quero trabalhar, quero levar meus filhos no parque”, assim poderíamos trabalhar três horas por dia, ou por semana. Você podia dar sua melhor performance dessa maneira. Todos ouviam e diziam que estava ótimo, sabe? Foi a melhor maneira possível de gravar um disco. E para uma banda que está junta a tanto tempo, não vou dizer que é o melhor álbum que já fizemos, mas é um dos melhores e, com certeza, o mais divertido de fazer.
E como dissemos desde que o disco saiu, é provável que só gravaremos assim daqui pra frente. Como eu disse, nós fazemos longas turnês e passamos muito tempo longe da família, por que ficaríamos longe deles na hora de gravar? A tecnologia está do nosso lado, por que não usá-la? Nós ouvimos o álbum e não deve nada para o analógico, não soa plástico. Poderia ser feito no Electric Lady [famoso estúdio de Jimi Hendrix] ou no Abbey Road, onde você quiser, mas no fim o que importa é um bom engenheiro de som e um bom produtor.
O clima entre nós foi o mais importante, estávamos confiantes e felizes por gravar desse jeito pois não sofríamos pressão. Não tínhamos uma data para entregar, não tínhamos nem um acordo para o lançamento. Apenas quando o disco ficou pronto que nossos parceiros da Universal Music disseram: “sim, nós queremos lançar isso!”. Nós não paramos de escrever, pois tínhamos mais tempo e algumas músicas nem entraram no disco, porque o vinil [nota: o disco de vinil possui uma limitação de tempo] ainda é muito importante, mas devido ao covid, o tempo de entrega aos compradores se tornou muito extenso, coisa de 8 meses, então para lançá-lo em março de 2022, precisamos entregá-lo em setembro de 2021. Então pensamos em deixar algumas músicas de fora para usá-las no próximo álbum.
ET: On through the night foi o primeiro disco, Diamonds Star Halos é o lançamento mais recente. O que muda na hora de compor? Algum de vocês é o mais enérgico ou é apenas uma grande família que ainda ama fazer música?
JE: Bom, On through the night foi nosso primeiro disco e ainda precisávamos de muita direção. O disco era uma coleção de riffs muito difícil de cantar em cima deles. Pete Willis [primeiro guitarrista] não deixou muito espaço para cantar, sabe? Savage e eu escrevíamos músicas mais baseadas em bateria e baixo, o que deixava mais espaço para cantar. Steve [Clark, guitarrista falecido em 1991] era mais híbrido e entendia melhor o que queríamos
Quando começamos a trabalhar com Mutt Lange, ele nos apresentou o conceito de que tudo girava em torno das melodias e arranjos das músicas, e nós crescemos com isso, a direção finalmente deu certo quando Phil se juntou à banda, porque ele era muito mais orientado à música do que Pete. Para Pete, tudo girava em torno dos riffs, como Ritchie Blackmore [guitarrista original do Deep Purple], para Phil o importante estava em escrever uma canção. Phil escreve músicas como Sting, músicas para sua voz.
Logo, se ele escreve para seu alcance vocal, ele está escrevendo para mim ao mesmo tempo, como a dupla Pete Townshend e Roger Daltrey [guitarrista e vocalista do The Who, respectivamente]. Eles criam grandes riffs com espaços para a voz, entende? Nós crescemos muito desse jeito, e do ponto de vista de um compositor, se existe um exemplo fora Beatles e Stones — onde a canção estava acima de tudo — esse exemplo é o Queen.
Se você observar a carreira do Queen, banda que crescemos ouvindo, eles podiam escrever grandes músicas de rock, mas também escreviam grandes canções como “Bohemian Rhapsody” e “Love of my Life”. Eles eram muito diferentes dentro da própria carreira, e foi assim que nos encontramos quando escrevemos “Diamond Star Halos”, sempre tentamos ser essa banda durante nossa carreira. Sempre dizíamos “a força do AC/DC e a variedade do Queen" era a mistura perfeita do que queríamos ser.
Depois de tanto tempo, finalmente conseguimos atingir isso com o novo disco. Repito: não estou dizendo que é nosso melhor disco, porque isso fica a cargo dos fãs, mas é um dos maiores, e atingir esse nível é impressionante para nós. E isso vem dessa inesperada energia, desse inesperado álbum, em circunstâncias tão bizarras. Lockdown, quatro estúdios diferentes, gravando quando queríamos, aceitando as músicas de todos sem aquele papo de “deixe eu ouvir primeiro”. Nunca ficou triste, nós aceitamos um ao outro, porque estamos juntos há tanto tempo que todos sabemos como escrever uma canção. E todos amamos as 15 músicas escolhidas.
ET: Para terminar, Joe: você ainda ouve novas bandas? Alguma nova canção ainda toca seu coração?
JE: Eu tento, mas não procuro por músicas novas. Às vezes alguém me manda algo e eu ouço e posso me inspirar ou não. O que é triste na minha idade é que não sei mais ouvir música como quando era adolescente. O novo disco do Ozzy é ótimo, eu gosto muito do Muse, dos Strokes, mas eles estão por aí há mais de 20 anos. Nada me pega mais como Bowie fazia, mas eu tinha doze anos, sabe? Hoje estou com 63, e a novidade não me pega mais tanto. A indústria mudou muito na última década, focando muito em artistas solo como Harry Styles, Taylor Swift, mas ainda sinto falta das bandas.
ET: Bem, sr. Elliot, obrigado por seu tempo, nos vemos dia 07 em São Paulo!
JE: São Paulo, claro. Espero ver você por lá. Muito obrigado e até terça!
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