Em entrevista à Rolling Stone Brasil, Luiz Bolognesi falou sobre a produção da série Funk.Doc: Popular & Proibido. Confira detalhes
Pamela Malva Publicado em 24/08/2022, às 11h00
Ostentação, proibidão, 150 BPM, eletro, brega. Com o passar dos anos, desde suas raízes no século 20, o funk tem passado por diversas mudanças. Mas onde tudo começou? Quem fez o primeiro beat? De onde ele surgiu? Essas são algumas perguntas que Luiz Bolognesi e seus convidados tentam responder na série documental Funk.Doc: Popular & Proibido.
Em entrevista à Rolling Stone Brasil, o cineasta lembrou que o processo da série começou alguns anos atrás, quando suas filhas começaram a escutar funk. Ouvindo as músicas em seu carro, Luiz começou a se preocupar, já que algumas faixas tinham mensagens problemáticas.
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Eu gostava do som musicalmente, mas me preocupava com algumas letras misóginas. Pensei que precisava entender o que é o funk. Então eu fiz a série. E aí o funk dissolveu meus preconceitos e me conquistou através dos artistas, dos dançarinos e dos intelectuais que pensam o funk que me explicaram tudo que eu pergunto.”
Dividido em seis episódios, então, o documentário foi criado com convidados ilustres, personagens do gênero e do cenário do funk. Com isso, a série se propõe a investigar, com entrevistas, vídeos e fotos, o que é o funk, quem o inventou, de onde surgiu e, tão importante quanto, por qual motivo o estilo foi — e ainda é — tão perseguido.
Todas essas perguntas eu passei para os meus entrevistados e eles responderam brilhantemente, na maioria das vezes com respostas surpreendentes. São grandes artistas, músicos, dançarinos e, às vezes, intelectuais, que têm uma capacidade maravilhosa de contar história.”
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As entrevistas de Funk.Doc: Popular & Proibido começaram a ser produzidas em 2018 e pararam pouco antes da pandemia. O documentário vem sendo montado desde então e, anos depois, será lançado pela HBO Max e pelo canal HBO no dia 30 de agosto.
Por isso, inclusive, Luiz pontua que muitas tendências que o funk possui hoje em dia foram apenas “beliscadas” pelo documentário, já que o cenário era bastante diferente na época. “O funk se transforma a cada seis meses, ele é uma loucura. Surge gente nova, muda o beat. A gente tem que se atualizar toda hora”, explica o cineasta.
Toda a cena que está acontecendo no pós-pandemia será objeto da segunda temporada. E, quando a gente for fazer, já vai ser diferente do que é hoje. Então toda essa transformação, que é muito rápida, é beliscada na série. Mas o principal é contar como tudo isso aconteceu.”
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Para narrar como o funk surgiu e como ele se transformou no que conhecemos hoje, Luiz fez questão de conversar com as pessoas que o criaram e que fazem parte do gênero ativamente. Assim, o documentário conta com relatos de artistas como Valesca Popozuda, Ludmilla, MC Carol, MC Guimê, Bonde do Tigrão, Kondzilla e muitos outros.
Um dos convidados mais ilustres, no entanto, é o famoso Mr. Catra, que faleceu poucas semanas depois da gravação do documentário, em setembro de 2018. “Tivemos o privilégio e a tristeza de entrevistar o Mr. Catra. Acho que foi uma das últimas entrevistas dele. Ele tinha uma vivacidade, um tesão, um amor incrível pelo funk”, lembrou Luiz.
Foram os entrevistados, inclusive, que responderam à pergunta mais emblemática do cineasta: “Onde vai parar o funk?”. “Teve gente que falou que ele vai parar em Marte, tem quem diga que o funk não vai parar no funk, porque ele está invadindo e trocando bola com outros gêneros. Eles mesmo respondem que o funk vai ocupar tudo”, conta Luiz.
E a minha resposta para essa pergunta, depois de ter entrevistado todos eles, é que o funk é uma revolução. É sobretudo uma emancipação, uma autonomia, uma conquista de autoestima das pessoas da quebrada que dizem ‘nós podemos fazer cultura, podemos ser ricos, ter grana, participar do jogo, entrar pela porta da frente de cabeça erguida, dar autógrafo, os branquelos ricos pedindo pra tirar foto com a gente’.”
Isso porque, segundo o cineasta, o funk tem se expandido bastante nos últimos anos. “Ele entra no sertanejo, no forró, no gospel. Tem o brega funk, que está bombando", lembra. “O funk invadiu, tá tomando conta, só que com essa característica de, em vez de bater de frente e confrontar os outros gêneros, o funk entra dentro dos outros gêneros.”
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Para Luiz, o fato do funk conquistar novos lugares vem de muitos anos atrás. “É uma característica da cultura preta de favela, porque o funk, no fundo, é música preta da quebrada, é o novo samba”, diz. “E uma característica desses movimentos culturais de resistência, sejam os indígenas, os afrodescendentes, é a de que, se não dá pra bater de frente, eles se infiltram, pela sedução e pela potência cultural que esses povos têm.”
O problema é que, apesar de sua criatividade, qualidade e potência, o funk continua sendo muito marginalizado no Brasil — mesmo sendo exportado para grandes festivais no mundo todo. E, para o cineasta, isso acontece por dois motivos bastante específicos.
Há duas razões para haver essa perseguição contra o funk. Primeiro: o Brasil é racista. Segundo: o Brasil é classista. E o funk é da quebrada e ele é preto. Então ele é objeto de perseguição e não só de preconceito. O preconceito está na academia, é preconceito intelectual. O país é racista, o país é classista. O samba também passou por isso.”
Por trás de uma produção que conta as origens do funk desde os bailes black, no entanto, Luiz deixa claro que o gênero, hoje em dia, também é uma força econômica. “O funk hoje tem uma potência gigantesca. Como elemento de distribuição de renda ele é importantíssimo", explica o cineasta. "Ele pega a grana que está rodando e puxa isso para dentro das comunidades, pros MCs, pros DJs, pros dançarinos, ele é cultura, é modo de ser.”
O documentário é uma oportunidade da gente mergulhar e entender o que é esse funk que a gente tanto gosta, ou odeia, e reverter esse ódio. Serve até para os intelectuais que criticam o funk, que têm uma visão preconceituosa, entenderem onde nasce o preconceito deles.”
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