Tame Impala traz turnê do disco The Slow Rush ao Lollapalooza Brasil; Kevin Parker, mente criativa por trás do projeto, falou sobre canções pessoais, crescimento da banda e evolução no palco
Dimitrius Vlahos (@dimitriusvlahos) Publicado em 24/03/2023, às 09h00 - Atualizado às 10h00
Com a câmera desligada e hesitante em suas primeiras respostas, Kevin Parker tentou descrever sua relação com os “sons de outro planeta,” a fama e as grandes turnês em entrevista por zoom à Rolling Stone Brasil. O músico australiano, responsável por gravar e produzir todas as faixas do Tame Impala, admitiu a própria timidez e foi modesto ao relembrar faixas de seu segundo disco, Lonerism (2012), quando cantava sobre o desejo de se tornar uma estrela. Apesar de não se considerar tão popular, seu status de co-headliner do Lollapalooza Brasil não o deixa mentir: a honestidade de suas letras e o som psicodélico combinado à música eletrônica, pop e diversas outras camadas o trouxeram a esse patamar.
"Agora, é parte da minha vida," explicou. "Eu não odeio, não amo, apenas é o que é. Se tudo acabasse amanhã, eu sentiria falta da admiração das pessoas, mas não me apoio nisso, só aceito."
Era inevitável começar a entrevista com outro assunto a não ser seu estado de saúde. Kevin publicou, no dia 9 de março, fotos de sua lesão no quadril. Enquanto tentava completar uma meia-maratona, ele agravou fratura já existente na região e precisou passar por cirurgia. Mesmo com o susto - às vésperas de um festival que sofreu com cancelamentos repentinos -, Parker assegurou que viria à América do Sul, encerrando uma espera de sete anos.
“Estou me sentindo bem. Obviamente, durante os shows é como estar em outro mundo. É um processo de aprender como ficar no palco e não me sobrecarregar. Eu sou levado a outro lugar naquele momento. É fácil de esquecer o próprio corpo, ter uma experiência extracorpórea. Preciso aprender a fazer isso enquanto cuido dele [risos],” descreveu. No México, Argentina e Chile, ele fez as apresentações com muletas, se sentando quando precisava tocar guitarra.
A relação de Kevin com o palco é complexa. Apesar de sua ambição de se lançar ao pop, o músico não se descreve como uma pessoa extrovertida. No começo da carreira, não largava sua icônica Rickenbacker e optava por luzes que o ofuscavam durante os shows. A última passagem pelo Brasil, no Lollapalooza 2016, carregava muitos desses traços, embora o vocalista tenha se arriscado na execução de “Yes, I’m Changing” para se aproximar do público, segurando apenas o microfone.
De lá para cá, Tame Impala chegou a uma nova prateleira na música internacional. A banda foi alçada a headliner do Coachella e de diversos outros festivais nos Estados Unidos e Europa. Kevin, então, decidiu abraçar seu lado performer, dando uma roupagem grandiosa às faixas cheias de reverb e sintetizadores nostálgicos.
“Eu evoluí bastante como um artista no palco,” Parker defendeu. “Há alguns anos, decidi que eu seria essa pessoa, um performer. Levou um bom tempo até eu aceitar isso. Naturalmente, sou uma pessoa tímida, não sou extrovertido. Precisei de muito autotreinamento pra sair da minha concha e começar a celebrar o fato de tocar música ao vivo.”
O famoso disco voador - uma estrutura circular com luzes, fumaça e partes que se movem - foi uma das criações para aprimorar os shows na fase mais popular do Tame Impala, mas não vem ao Brasil. Segundo Kevin, os palcos dos festivais sul-americanos talvez não o comportassem.
+++ LEIA MAIS: A evolução do Tame Impala em 4 discos: da psicodelia ao eletrônico The Slow Rush
The Slow Rush (2020) foi lançado em meio a ascensão do Tame Impala, acrescentando contornos ainda mais dançantes à discografia da banda. O álbum conta com a mesma visceralidade e abertura presentes nas letras dos álbuns anteriores. “Posthumous Forgiveness,” faixa de seis minutos com versos sobre o relacionamento entre Kevin e seu pai, é o principal exemplo disso. Três anos após o lançamento, o artista ainda carrega parte da emoção que o levou a escrever a canção e não faz questão de esconder isso nos shows: “Sabe, é estranho. Em alguns dias eu me sinto mais emocionado do que em outros. Algumas coisas são como gatilhos. Tocando ao vivo, eu sou receptivo e me sinto conectado com o público. Se sinto que as pessoas estão emocionadas, eu vou me emocionar também.“
Um dos b-sides do álbum, coincidentemente, mostra um lado mais obscuro de Parker. Mantendo o mistério que cerca suas composições, o artista explicou as motivações por trás de “The Boat I Row”: “É um estilo que eu geralmente não uso, sendo sínico e negativo sobre as pessoas. Não me sinto assim na maior parte do tempo, mas me sinto assim às vezes. Não escrevo letras negativas no geral, mas essa encaixou na música. O sentimento de que sou eu contra o resto do mundo.”
The Slow Rush é o maior destaque dos shows da atual turnê, que leva o nome do disco. São ao menos quatro faixas na setlist atual, ainda que os singles “It Might Be Time” e “Is It True” sejam deixados de lado.
Kevin Parker costuma levar o tempo que for necessário para lançar um novo disco. Entre Currents e The Slow Rush, foram cinco anos de espera. Embora sinta o desejo de ser como artistas que lançam um disco por ano, ele segue o lema: “Quanto menos eu produzo, mais valioso se torna.” O único arrependimento, observou, é “que meus fãs não recebem tanto de mim quanto poderiam."
Após três anos do lançamento do último projeto, novo álbum não deve estar distante, mas Kevin não entregou detalhes. Há preocupações maiores na vida do artista, que é pai de Peach, de apenas dois anos de idade.
Desde o princípio, Tame Impala vem ao Brasil para apresentar seus novos discos. Foi assim em 2012, quando se apresentaram em duas datas no Cine Joia, pelo Popload. A banda retornou em 2013, na mesma casa de shows de São Paulo, e em 2014, como uma das principais atrações do Popload Festival. A última passagem foi no Lollapalooza 2016, com mais destaque, mas longe do atual estágio.
“É louco. Eu nunca sonhei com isso. Senti muito amor [no Brasil],” relembrou. “Tudo cresceu mais do que eu imaginava, especialmente na América do Sul. Então, tenho expectativas muito grandes. Eu não acredito que a última vez foi há sete anos, tanto tempo atrás.”
Segundo Parker, a demora não foi por falta de vontade de vir ao país. Em 2020, logo após o lançamento de The Slow Rush, o músico prometeu, em publicação no Instagram, que o Brasil estaria na rota. Após três anos e uma pandemia, ele pode cumprir a promessa:
“Em todas as turnês eu sempre perguntava: ‘Iremos pra América do Sul? Iremos pro Brasil?’ Tenho falado sobre isso há tanto tempo, mas simplesmente não foi possível antes. O mundo é um lugar estranho atualmente. Tentei convencer a todos de que era uma boa ideia e finalmente chegou a hora certa. É por isso que estou vindo.”
Confira a entrevista completa de Kevin Parker, do Tame Impala, à Rolling Stone Brasil:
Rolling Stone Brasil: Como está sendo a recuperação? A demanda física dos shows não pode te trazer problemas futuros?
Estou me sentindo bem. Obviamente, durante os shows é como estar em outro mundo. É um processo de aprender como ficar no palco e não me sobrecarregar. Eu sou levado a outro lugar naquele momento. É fácil de esquecer o próprio corpo, ter uma experiência extracorpórea. Preciso aprender a fazer isso enquanto cuido dele [risos].
Você se sente mais confortável no palco hoje em dia? Em shows no passado você costumava ficar com a guitarra o tempo todo, mas, atualmente, parece se dar liberdade de andar somente com o microfone na mão.
Eu evoluí bastante como um artista no palco. Há alguns anos, decidi que eu seria essa pessoa, um performer. Levou um bom tempo até eu aceitar isso. Naturalmente, sou uma pessoa tímida, não sou extrovertido. Precisei de muito autotreinamento pra sair da minha concha e começar a celebrar o fato de tocar música ao vivo.
Voltando um pouco no tempo, na faixa “Why Won’t They Talk To Me?”, do Lonerism (2013), você diz: “Um dia serei uma estrela e eles se arrependerão.” Como é sua relação com o estrelato enquanto mantém seus princípios artísticos?
Eu não diria que sou uma estrela necessariamente. Eu tenho um perfil público maior do que eu sonhei, mas isso está comigo há um bom tempo. Eu sou sortudo por ter sido um crescimento devagar. Não foi da noite pro dia. Devagar, ano após ano, mais pessoas começaram a ouvir falar sobre mim. Foi fácil me adaptar. Agora, é parte da minha vida. Eu não odeio, não amo, apenas é o que é. Se tudo acabasse amanhã, eu sentiria falta da admiração das pessoas, mas não me apoio nisso, só aceito.
Sobre uma faixa mais recente, “The Boat I Row,” dos b-sides de The Slow Rush (2020). Nela, você menciona “É difícil ter autoconfiança / Quando todo mundo é profissional/ Dizendo: ‘É tão óbvio’”. A letra é uma metáfora para seu trabalho como produtor? Queria que você contasse um pouco mais, sem estragar o mistério da letra.
[Risos] Essa música, por alguma razão, me levou a essas letras. É um estilo que eu geralmente não uso, sendo sínico e negativo sobre as pessoas. Não me sinto assim na maior parte do tempo, mas me sinto assim às vezes. Não escrevo letras negativas no geral, mas essa encaixou na música. O sentimento de que sou eu contra o resto do mundo. Essa era a ideia.
Em outras entrevistas, você disse que sempre imaginou começar The Slow Rush com “One More Year.” Os shows também começam com essa música e alguns terminam com “One More Hour,” continuando essa narrativa. Você pensou sobre isso no planejamento dos shows?
Sim, definitivamente! Ainda estamos na The Slow Rush Tour tecnicamente, quem sabe o que vem depois? Eu não pensava em terminar com “One More Hour” e começar com “One More Year,” mas aconteceu assim e parecia ser o certo.
Como é a construção do setlist? Recentemente, vocês voltaram a tocar “Runway Houses City Clouds,” e rolou “Nothing That Has Happened So Far…” em um dos shows do México no começo de março. Ter tocado o Innerspeaker (2010) e o Lonerism (2012) na íntegra para celebrar o aniversário dos discos ajudou a trazer essas faixas de volta?
Definitivamente ajudou. Queríamos tocar “Nothing That Has Happened…” há bastante tempo, mas não tivemos a oportunidade para ensaiar. Isso acontece durante as turnês, tem muita produção envolvida e tudo está conectado. As músicas estão conectadas às luzes, há partes no palco que se movem. Se queremos introduzir uma música, não podemos tocar aleatoriamente assim. Não tem a programação certa do som, mixagem, luzes. Conforme nossos shows ficaram maiores, ficou mais difícil de ser espontâneo. Mas sempre tento encontrar alguns caminhos, trabalhar nisso.
Em 2022, no Primavera Sound Barcelona, vocês tocaram um cover de The Strokes - após o cancelamento do show deles. Foi um desses casos de espontaneidade e o público ficou maluco.
Realmente ficaram [risos]. Aquilo foi muito divertido. Tivemos a ideia de tocar “Last Nite” duas horas antes do show. Usamos as luzes que estavam programadas para outra música, praticamos no camarim. Senti que fazia sentido.
Falando sobre “Posthumous Forgiveness,” single de The Slow Rush. A música é muito pessoal e fala sobre a relação com seu pai. Como você se sente tocando essa faixa noite após noite? Os sentimentos ainda estão lá?
Sabe, é estranho. Em alguns dias eu me sinto mais emocionado do que em outros. Algumas coisas são como gatilhos. Tocando ao vivo, eu sou receptivo e me sinto conectado com o público. Se sinto que as pessoas estão emocionadas, eu vou me emocionar também. Às vezes, vejo alguém tendo uma experiência emocional, e também me sinto assim… Acho que varia. Em outras vezes, não estou ouvindo o que estou cantando, só canto a música.
Kevin, como você se sente retornando ao mesmo festival que veio em 2016, mas agora como uma das principais atrações?
É louco. Eu nunca sonhei com isso. Senti muito amor. Tudo cresceu mais do que eu imaginava, especialmente na América do Sul. Então, tenho expectativas muito grandes. Eu não acredito que a última vez foi há sete anos, tanto tempo atrás. Parece ser algo que estou esperando há um bom tempo porque realmente é algo que estou esperando há um bom tempo.
Em 2020, você publicou no Instagram, durante o lançamento do The Slow Rush, que passaria pelo Brasil na turnê, por causa dos comentários de fãs.
[Risos] Sim! Em todas as turnês eu sempre perguntava: ‘Iremos pra América do Sul? Iremos pro Brasil?’ Tenho falado sobre isso há tanto tempo, mas simplesmente não foi possível antes. O mundo é um lugar estranho atualmente. Tentei convencer a todos de que era uma boa ideia e finalmente chegou a hora certa. É por isso que estou vindo.
O intervalo de tempo entre Currents e The Slow Rush foi de quase cinco anos. E já se passaram três desde o disco mais recente. Você acha que esse tempo é importante para chegar no lugar certo com as faixas ou acaba acumulando mais pressão no seu trabalho?
Bom, há algumas coisas diferentes. Eu adoraria ser um artista que lança álbuns todos os anos. Alguns conseguem esse ritmo louco. Uma parte de mim queria que eu fosse um artista assim. Mas, ao mesmo tempo, eu aprecio o fato de levar o tempo necessário. Quanto menos eu produzo, mais valioso se torna.
Imagino que, para os fãs, após passarem cinco anos com um disco, algumas faixas comecem a bater de uma forma diferente.
Com certeza. Meu único arrependimento sobre não fazer tantos discos é que meus fãs não recebem tanto de mim quanto poderiam.
Então entregar mais músicas para os fãs é uma preocupação?
Sim, quero que meus fãs tenham tudo que querem [risos].
Você já mencionou que gosta de confundir os ouvintes com os tipos de texturas e instrumentos que utiliza. Em “The Moment,” por exemplo, levei meses para descobrir que o solo não era um sintetizador, mas uma guitarra. Como é isso pra você atualmente?
Acho que é sobre o que soa mais interessante. Eu gosto de fazer música que soa como se fosse de outro planeta. Naturalmente, há sons que parecem vir de outro mundo e espero que as músicas sejam assim também. Não é exatamente confundir o ouvinte, mas fazer algo que não seja tão fácil de apontar, para soar menos óbvio. Isso acrescenta mistério, e mistério é importante para a música.
O “disco voador,” ou anel de luzes, estará presente no palco do Lollapalooza?
Não teremos ele desta vez. Acho que, por ser em um festival, seria impossível. Traríamos, mas é muito grande [risos]. Traremos tudo, menos o anel. Honestamente, o anel é épico, grande e tudo mais, mas o resto do show é o que torna tudo incrível. Temos lasers ótimos, cores ótimas, essas coisas são mais importantes.
E a música obviamente.
Claro, a música [risos].
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