Após uma década de desânimo motivada pela resposta aos seus primeiros trabalhos, Lana Del Rey, que tem shows marcados no Brasil, se sente inspirada, empolgada e pronta para lançar o disco ‘mais fácil da carreira’
Por Hannah Ewens / Fotos por Chuck Grant / Tradução: Dimitrius Vlahos Publicado em 08/03/2023, às 13h00 - Atualizado em 09/03/2023, às 19h00
Lana Del Rey não se sentia entusiasmada há mais de uma década. A carreira não era tão empolgante quanto costumava ser. Tudo parecia um teste de resistência. Isso durou por um período terrivelmente longo, segundo ela, mas chegou ao fim. Acabou há três meses, na verdade. Ela e seu irmão mais novo, Charles, com quem tem uma perfeita sintonia, foram a um shopping com o bebê de Caroline, irmã deles. Foi um dia lento, de total serenidade. Eles flutuaram pelos corredores, com máscaras no rosto, invisíveis para as outras pessoas. Após deixarem o estacionamento em carros separados, Charles ligou para ela e perguntou: “Você sente que algo está diferente?”. Lana Del Rey, com uma visão emocional e metafísica de sua própria atmosfera, respondeu: “Isso é engraçado. Eu realmente sinto.”
Não há uma razão óbvia para essa mudança. “Essa é a parte mais engraçada da vida,” ela me conta com sua voz sussurrada da Era de Ouro de Hollywood, sentada em um sofá em um jardim de Los Angeles. “Você pode rezar e rezar para se sentir aliviado, mas sem explicações, de repente, tudo decola.”
A falta de empolgação de Del Rey começou com a dura recepção crítica de seu disco de estreia, Born To Die (2012). Apesar de seu status cult imediato para os fãs, o pop orquestral inspirado pelo hip hop foi mal avaliado pelos jornalistas de música. Os detratores afirmaram que ela era uma fraude, uma criança rica cuja identidade inteira foi construída por uma grande gravadora e sua equipe. Mudanças de última hora na produção do álbum alteraram o projeto drasticamente, o que não ajudou a capturar quem ela era de fato. “Eu pensei: ‘Isso soa muito diferente agora. As baladas eram como hits pop.’ Por isso, em vez de ser avaliada como uma artista baseada na razão, do cotidiano, fui avaliada em um nível padrão, o que foi desafiador,” Lana relembrou. “Lidar com uma crítica tão dura faz com que progredir de forma alegre seja difícil.”
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Suas ideias estavam à frente do tempo e anteciparam uma nova era do pop alternativo, com Lorde, Halsey, Sky Ferreira e a maior estrela pop da próxima geração, Billie Eilish, emergindo temperamentais, jovens e tristes. Talvez se pessoas da sua idade - Del Rey tinha 27 anos - tivessem feito resenhas sobre ela, tudo teria sido diferente, ela acredita. Isso não significa que alguns críticos não tenham conseguido reconhecer o seu poder. Em um artigo no jornal The Guardian - um dos muitos a falar sobre a irrelevante questão da sua ‘autenticidade’ - um editor de uma revista sobre cultura pop defendeu a artista dizendo: “Acho que ela se importa com a arte que está criando. Não penso que isso seja falso. Lana Del Rey pode ir a qualquer lugar que ela queira. Ela estampará a capa da Rolling Stone algum dia.”
No ano do lançamento do álbum, Lana deixou Nova York, o estado em que ela cresceu, para ir à Los Angeles - uma forma de escapar da mídia e das pessoas na rua, que a tratavam com uma negatividade visceral. Experiências e encontros durante seus 20 e 30 anos levaram ao sentimento de que o mundo não refletia como ela se sentia sobre si mesma. “Era como estar em uma terra de cabeça para baixo,” afirmou. O impulso de seu trabalho não era mais autoexposição, que era verdadeira em sua estreia e, em um grau menor, em seu segundo disco - o melancólico e despojado Ultraviolence. “Era sobre sobreviver, tentando acrescentar um pouco de glamour e explicações sobre como eu queria enfrentar algumas coisas sobre as quais eu cantava,” disse. Em Ultraviolence, o assunto era um romance insolente, sendo que a “outra mulher” era o isolamento e a perda. Posteriormente, seria a codependência, passividade em relacionamentos, fama e suas conexões complicadas com homens, sua mãe e os Estados Unidos.
Enquanto Del Rey explica como reconquistou seu apreço pela vida, ela se questiona se os relacionamentos atuais, com mais abertura para discutir saúde mental e traumas, poderiam ter contribuído para isso. “É quase como se ninguém pudesse fazer algo errado, a não ser que você seja o Kanye falando sobre nazistas, o que, vocês sabem, é um problema. Mas tirando isso, você pode dizer: ‘Bem, quando eu tinha 10 anos, uma árvore caiu e desde então sinto que não posso andar até aquela loja…’ Todos têm essas histórias específicas, mas cheias de nuances, que são universais para as pessoas. Acho que isso está relacionado à mudança e à suavização da cultura, sem que eu soubesse sobre isso.” É algo bom, porque Lana estava realmente se perguntando: “Onde está o período de cura?” Finalmente, ela está empolgada mais uma vez após 11 anos. Encontrar Lana Del Rey pessoalmente é estranho, dado o grau de iconografia ao redor dela. Ela não está em tons monocromáticos ou sépia, nem usando um daqueles vestidos brancos com uma aura de alto padrão. Na verdade, temos um senso estranho de experienciar um ser humano como David Lynch, Joan Didion ou Patti Smith: um artista que criou um mundo, documentou o mundo ou realmente viveu no mundo. Se você é Lana Del Rey, você fez todos os três prolifica e simultaneamente.
É o meio da tarde, alguns dias antes do Valentine’s Day. Estou no jardim de uma casa ao oeste de Hollywood que parece ser feita de pedra, vidro e luz pura. Del Rey é exatamente o que um fã obcecado pelas fotos feitas por paparazzis esperaria. Quando ela sai pelas portas do pátio para a nossa entrevista, está vestida com um agasalho branco de gola V e calças de ioga, com a cara limpa, exceto por seus extensores de cílios e seu longo cabelo moreno, como uma mãe de família fora de serviço. Ela equilibra um vape vermelho, a chave de sua caminhonete, um copo grande do Starbucks e um iPhone que ela derrubou no caminho até aqui. Resumindo, ela é o gênio mais normal que você já viu.
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Del Rey se move enquanto fala, com gestos de uma luminária dos anos 1950, transportada para um mundo com Instagram, Sephora e Brandy Melville. Suas respostas para as perguntas são elusivas e parecem fazer curvas como nuvens de fumaça, o que só destaca o fato de não sabermos muito sobre ela. Ela é engraçada de um jeito indecifrável, assim como aquele seu amigo criativo seria caso fosse famoso. Como quando ela fez tweets para Azealia Banks, rapper com quem teve desentendimentos: “Você sabe o endereço. Apareça quando quiser.” Ou quando fez uma live no Instagram de uma lanchonete Denny com seu então namorado enquanto ele dava atualizações a ela e seus fãs sobre as eleições presidenciais norte-americanas. Ou, se os rumores são verdadeiros, quando ela pagou por um outdoor para promover seu álbum na cidade natal de um ex - apenas nesta cidade. Sua casualidade vai de encontro com a imagem que aparece nos ensaios e clipes - a dona de casa de cabelo moreno arrumado encontra a estrela de cinema - porque ela é predominantemente uma compositora e, desde o lançamento de seu ambicioso disco de folk-pop Norman Fucking Rockwell! (2019), considerada uma das melhores em atividade.
A rotina de Lana é básica, sem complicações. O amigo e produtor de alguns dos melhores e mais recentes trabalhos dela, Jack Antonoff, é uma testemunha constante disso. “Lana está em sua caminhonete em um posto de gasolina de Los Angeles, pensando e escrevendo algumas letras, fazendo chamadas de vídeo comigo, visitando amigos, indo a outro posto de gasolina, apenas sentada em sua caminhonete no estacionamento pensando. Isso não é um personagem,” ele diz. “Nem todos entendem isso, porque muitas pessoas interpretam um personagem. Ela é uma alma selvagem.” Como ela disse em uma entrevista à Billboard dias atrás, quando a musa assume o controle, ela escreve, mas quando está sozinha, fica no Starbucks, jogando conversa fora com os amigos.
A normalidade mistica de Lana Del Rey ganhou um novo peso pelo fato de que ela decidiu escapar da “cultura dominante” em 2021. Naquele ano, ela anunciou que deixaria o Instagram para focar em seus projetos criativos. Ela continuou a usar uma conta privada, onde postava para dois milhões de fãs que não desperdiçavam os breves momentos em que a conta estava pública e acessível. A ideia de uma cultura dominante - como o termo cunhado pela psicanalista Clarissa Pinkola Estés para denominar a cultura pela qual tentamos navegar sem perder nossos talentos - foi apresentada a Lana por sua psicóloga Tessa Dipietro, com quem se encontra semanalmente, às quintas. “Eu estava falando com Tessa sobre sentir que não havia um lugar para mim, mental e fisicamente. Acho que se você é um cantor e a opinião das pessoas sobre o seu trabalho muda tantas vezes, você acaba percebendo: Ok, há algo a aprender com o que escutamos. Paralelamente, definitivamente não sou a pessoa mais preocupada com a validação externa. Era importante para mim não ter nenhuma influência da cultura exterior, a não ser pelo que ressoasse em mim. Sempre soube que eu faria outras coisas além de cantar. Para me conectar mais com esse novo caminho, eu precisava entrar em sintonia comigo.”
Com isso, ela acredita ter passado a ver a cultura de forma mais clara. Seus discos sempre são acompanhados de falas humoradas e análises. Ao mesmo tempo, não importa em qual gênero, sua sonoridade encontrou algo que é puramente Lana: clássica e glamorosa, com sua voz teatral característica. Ela encontrou uma companhia parcialmente desconectada em Antonoff. “Jack Antonoff e eu somos muito parecidos em relação ao quanto sabemos sobre o que acontece culturalmente, só não sei como. Definitivamente não lemos ou ouvimos muito sobre isso, mas sempre identificamos as viradas de chave na cultura,” Lana explicou. Frequentemente, ela e Antonoff se sentam no estúdio para discutir o que eles farão para resistir às modas da tecnologia, autopromoção, música e sociedade. “Penso que se eu estivesse em uma área remota, sempre saberia o que está acontecendo. Sempre tive essa intuição sobre cultura,” continuou. “Mesmo quando comecei a cantar. Eu sabia que isso não iria desaparecer completamente.”
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Esse fascínio com o sobrenatural começou quando ela era jovem, crescendo em Lake Placid, Nova York. “Eu me divertia praticando esportes e fazendo novos amigos, mas eu tentava entender o motivo de não existirem programas de TV ou conversas de pessoas próximas sobre a nossa origem, o motivo de estarmos aqui. Isso me deixava profundamente perturbada desde os quatro anos,” relembrou. “Meus pais tinham muitas dúvidas esotéricas. Acho que é uma predisposição.” Frequentar uma escola católica durante o ensino fundamental apenas encorajou essa busca, assim como suas aulas de filosofia aos 15 anos. Nos anos 2000, ela foi para a Fordham University, no Bronx, para estudar em uma graduação de filosofia, com especialidade em metafísica. “Eu tentei responder o máximo de perguntas possíveis nesses quatro anos,” disse. “E, então, aprendi que filosofia é um estudo sobre as perguntas, e não respostas. Não havia respostas, o que deixava tudo pior.”
Muitas das meninas tomadas pela expectativa de serem acompanhadas por um plano divino crescem e se tornam mulheres que existem com o propósito exclusivo de encontrar um amor romântico abrangente. Um relacionamento apaixonado oferece um escape para a existência cinza em uma dinâmica complicada de família com as quais viveram durante anos. Del Rey se definiu como uma dessas mulheres em sua primeira declaração artística: “Eles dizem que o mundo foi feito para dois / Só vale a pena viver se alguém ama você.”
“Video Games,” seu primeiro single, cativou os ouvintes com a repetitiva ideia do abandono: “É você, é você, é tudo por você.” Sobre esse sentimento, Del Rey diz: “Estávamos em uma cidade de 600 habitantes na maior parte da minha vida. A trajetória parecia ser: escola, faculdade, ensino técnico… me casar?”
Ao fazer um diagrama de Venn das pessoas que fazem narrativas com a dor para sobreviver e aquelas que tornam um homem o protagonista de suas vidas, encorajando sua própria mitologia, encontraríamos Lana Del Rey na intersecção. Por motivos óbvios, mulheres jovens e homens gays foram possuídos pela estrela melancólica quando ela estreou. No início, sua música sintetizava todas as preocupações dos meus últimos anos de adolescência e o começo dos 20: a busca por dinheiro, como o sexo (e não fazer sexo) se tornou uma arma, como eu ressentia e queria aquilo, a projeção exaustiva e obsessiva do amor que poderia ser facilmente desmantelada por um idiota jogando video games. Na era do empoderamento feminino nos anos 2010, Del Rey representou o prazer e diversão de ser uma mulher, mas também a indignidade de ser uma quando você acredita que o amor romântico resolverá qualquer problema material ou emocional.
Ao mencionar esse grupo devoto de fãs da era Born to Die, Del Rey respondeu com um suspiro: “Eu pensei que seria para os garotos! Mas, novamente, engraçado como se tornou o oposto. Que lição incrível para levar às garotas.” Os olhos dela cresceram de forma conspiratória. “Ame as meninas. O quão incrível é isso? Mas não, definitivamente eu escrevi Born to Die para os meninos.” Lana Del Rey soltou uma grande risada pela grande ironia que é o público de seu trabalho. “Quero dizer, se você não ouve, é meio que…” Quase inaudível, completou: “Me escolha! Ouça o que eu digo!”
De Ultraviolence em diante, críticos e críticas acusaram Del Rey de romantizar relacionamentos abusivos. Enquanto isso, outras mulheres - incluindo Del Rey e seus fãs - estavam vivendo essa dor comum de relacionamentos tóxicos. “Uma coisa da qual nunca me livrei são esses relacionamentos normais, mas controversos,” Lana explicou, pontuando os pensamentos com as sobrancelhas levantadas. “Não é como se, quando você se torna uma cantora, as pessoas começassem a ser boas com você. Isso nunca acontece. As pessoas ainda são elas mesmas. Acho que é por isso que algumas consideram meu trabalho polarizador, porque ou você esteve em uma dinâmica controversa na família e nas relações interpessoais, ou não esteve. Então, se você não esteve, talvez use as palavras e frases que ouvi: ‘glorificando a submissão,’ ‘fragilidade forçada.’ Ok. Eu chamaria isso de ver a luz no fim do túnel, talvez?” Trazer essas narrativas para um contexto musical e torná-las deprimentes sonoramente ou com visuais pouco apelativos não funcionaria para Del Rey. “Você está escrevendo o que aconteceu, mas tenta se colocar para cima, talvez melodicamente no refrão,” Lana disse.
Se relacionamentos abusivos são tudo que você conhece, há lições a serem completadas antes de partir para dinâmicas saudáveis. Provavelmente, essa é a razão das canções de Lana possuírem cada vez mais humor sobre esses relacionamentos (“God damn, man child,” ela quase pisca para nós na abertura de “Norman Fucking Rockwell!”). Frequentemente, essas lições vêm de pessoas específicas, Del Rey explica, se referindo a um relacionamento com um homem em particular: “A lição foi tão chocante e eu sequer consegui aliviar minha dor. Mas percebi que apenas uma pessoa com aquela aparência específica, estatura e disposição alegre que consideravam que ele tinha - que dava a impressão de que eu não era a pessoa positiva - apenas esse tipo de pessoa poderia me fazer perceber que eu precisava de uma base, para sempre poder voltar para mim mesma.”
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Em um poema de sua primeira coleção, Violet Bent Backwards Over the Grass, ela descreve uma viagem desesperadora para uma reunião do Alcoólicos Anônimos, sabendo que ela deveria deixar para trás o relacionamento com um homem reservado e discreto. Ela chora diante dos adolescentes na reabilitação enquanto conta a história. Del Rey finaliza “Thanks to the Locals” com os versos “Eu não tenho um dístico para solucionar esse poema / nada muito eloquente a se dizer / exceto que fui corajosa / e que seria mais fácil ficar”.
Isso foi completamente autobiográfico e é incrível para Del Rey que ninguém saiba que ela e esse homem estiverem em um relacionamento por anos, porque nunca foram fotografados juntos. “Há muita dor que vem ao ser o parceiro da pessoa que é a mais engraçada, brilhante no ambiente,” ela fala sobre esse relacionamento, rindo ao acrescentar: “Agora eu penso: ‘leve seu brilho para longe de mim.’’” Ela relembra esta pessoa brevemente, olhando através da piscina que cobre a maior parte do jardim. “Todos querem você…” O que é engraçado, ela diz, porque pensam que, como cantora, todos desejariam você, prestariam atenção em você, não no parceiro dela. “Esse é o motivo de eu estar interessada nesse tipo de pessoa, nunca é sobre mim nesses casos, é sempre sobre ela. E eu adoro isso, não tenho que pensar no que as pessoas vão achar.”
Algumas pessoas se encontram por meio do trabalho, viagens. Acho que minha forma de me encontrar, aprender mais de mim mesma, é estar com outras pessoas.
A conversa avança para a incapacidade da nossa geração de manter um relacionamento. Eu pergunto se ela pensa que isso é menos por causa dos nossos ideais sobre casamento e compromisso e mais porque estamos conscientes de nós mesmos e como evoluímos, o que dificulta encontrar uma pessoa e ficar junto por mais de…“um ano”, ela diz, completando minha frase. “Eu não entendia o ditado ‘o tempo é rei’, mas entendo agora.” Eu reflito que é possível se torturar pensando no que aconteceria se o momento tivesse sido o certo, se ainda estaríamos juntos. “É isso o que eu faço. Literalmente, nos últimos meses eu deixei essa questão de lado, porque realmente me incomodava.”
As visões metafísica e romântica estão entrelaçadas na mente dela. Um relacionamento recente que teve com alguém afundado nos próprios problemas pessoais surgiu, e Del Rey descreveu, misteriosamente, se ficar ou sair de uma parceria como essa pode resultar em mudanças: “Eu estava deitada na grama e muito feliz comigo mesma. Estava dedicada a esta ideia de que ‘não importa, as coisas não precisam ser perfeitas ou tradicionais, eu o amo, está tudo bem,’” ela relembra. “Quando ele chegou em casa eu pensei: ‘Não posso continuar com isso.’ Tessa sempre me dizia que assim que a pessoa, que tem dúvidas de alguma forma, tenta colocar os dois pés no relacionamento, se não é o certo, o universo dá um jeito de tirar as duas pessoas de lá imediatamente.”
Quando pergunto a razão do amor romântico estar tão presente em seu trabalho, a resposta parece tão óbvia, como se estivéssemos sendo redundantes. “Todos se encontram de alguma forma,” ela rebate. “Algumas pessoas se encontram por meio do trabalho, viagens. Acho que minha forma de me encontrar, aprender mais de mim mesma, é estar com outras pessoas. Sobre o lado romântico das coisas, se você é monogâmico e está com apenas uma pessoa, há muita importância nisso.” Apesar disso, o quebra-cabeça das mudanças de humor é diferente para ela agora. Na vida e na escrita, ela está voltada ao que acontece no dia a dia, “sem ser reativa às circunstâncias, sendo proativa na medida do possível, mas deixando que as coisas aconteçam.
Caso tenha se perguntado sobre o motivo de Del Rey lançar dois álbuns em 2021, é porque um deles era um álbum reativo. Era a última decisão de responder diretamente às circunstâncias. A capa de Chemtrails over the Country Club era uma foto em preto e branco de um grupo de mulheres, incluindo Del Rey, sentadas na mesa de um desses clubes. Algumas pessoas comentaram que, pelo clima político do movimento Black Lives Matter, seria importante que mulheres pretas estivessem na capa (as mulheres presentes são amigas de Del Rey e algumas delas não eram brancas). Imediatamente após ser condenada pela resposta a esta crítica, Del Rey decidiu criar e lançar mais músicas sobre as acusações de apropriação cultural e as acusações antigas sobre romantização de abuso doméstico. “Eu pensava: ‘Vou escrever mais um disco que talvez consiga explicar porque eu poderia me identificar com alguns desses conceitos,” ela diz. “Blue Banisters era mais um disco explicativo, de defesa. Por isso não promovi o projeto. Não queria que ouvissem. Queria que estivesse ali, caso alguém precisasse de mais informações.”
A música de Del Rey continha proximidade. Parecia que ela cantava melancolicamente por cima do ombro do ouvinte. Agora, no entanto, ela fala direto com a câmera e quebra a quarta parede em vez de falar com o público diretamente. Há diversão, liberdade e honestidade sobre a realidade dela em seu novo álbum, Did You know that there’s a tunnel under Ocean Blvd. As faixas carregam o transe jazzístico; piano clássico e músicas acústicas combinadas com hip hop, gospel e corais. Os versos coloquiais se movem tão rapidamente quanto um poema: eles parecem conversar com um amigo sobre cultura, atualizações mundanas sobre a rotina, visões do presente sobre relacionamentos sombrios. Mas as canções, conforme Antonoff destaca, são frequentemente acompanhadas por uma “voz de Deus, alegria e esperança.”
Antonoff é o produtor de algumas faixas. “É estranho não saber como você deveria se sentir,” ele diz sobre o segundo single, o encontro entre folk e rap feito para a internet de “A&W.” “Essa sensação continua no disco inteiro. Você poderia dissecar os sons, se vêm do gospel ou de sintetizadores antigos. Mas no estúdio, era sobre encontrar o que era chocante naquele momento.”
O túnel embaixo da Ocean Boulevard é um lugar real. No centro de Los Angeles, em Long Beach, o Jergins Tunnel ainda brilha se você jogar luz em seus azulejos brancos e marrons e nos mosaicos bege no chão. As pessoas passam por cima sem saber o que está lá. No final dos anos 1960, ele foi fechado ao público, mas funcionava como um acesso subterrâneo à praia, com vendedores de algodão-doce e suvenires se alinhando nas paredes. A ideia era não soar tão literal, Del Rey explica sobre o título. “Seria um conceito preocupante estar trancada com todas essas coisas bonitas, sem ter acesso a ninguém, exceto a família?”
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É um questionamento que mostra a sensibilidade de Lana sobre o quanto ela se entende e se percebe, o quanto isso ameniza as preocupações. “Isso era uma dúvida, porque é algo muito plausível de acontecer com a música, com a percepção das pessoas sobre como a música pode ser,” ela explica. “Chegaria a um ponto em que o trabalho me tornaria um navio sequestrado, e apenas minha família teria acesso a esse túnel metafórico.”
O álbum é uma caixa de tesouros dedicada à família. É possível ouvir nos constantes lembretes de que este é um disco, como Del Rey descreve, para “chamar as pessoas pelo nome.” Ela menciona o pai, irmã, irmão, o bebê de Caroline e todos os entes queridos para mantê-los próximos a ela na música, assim como estão no dia a dia. Algumas piadas e versos vieram diretamente de conversas com amigas, como em “Fishtail,” quando um interesse amoroso de uma amiga prometeu que iria à casa dela para trançar seu cabelo, mas nunca apareceu. “Se pensam que minha música é boa, é porque outras pessoas se envolveram nas canções. Muitas pessoas,” ela diz, com um sorriso.
Na faixa-título, Del Rey pergunta: “Quando será minha vez?” Embora ela diga que isso se refere a quando será a vez de algo acontecer com ela, a questão sobre continuar a linhagem da família como mãe (e se casamento e amor estão incluídos nisso) aparece muitas vezes durante o disco. Ela fala sobre os anseios da maternidade com trecho de A Redoma de Vidro, de Sylvia Plath. A protagonista reflete sobre a árvore de escolhas que encaram uma mulher: casamento, crianças, diferentes carreiras e assim por diante. “ Eu não conseguia prosseguir. Encontrei-me sentada na forquilha da figueira, morrendo de fome, só porque não conseguia optar entre um dos figos. Eu gostaria de devorar a todos, mas escolher um significava perder todos os outros. Talvez querer tudo signifique não querer nada. Então, enquanto eu permanecia sentada, incapaz de optar, os figos começaram a murchar e escurecer e, um por um, despencar aos meus pés,” Plath escreveu.
“Parece Sylvia Plath,” diz Lana Del Rey. “Há muitos figos e, se eu não escolher o primeiro, todos irão apodrecer e não haverá figos para eu escolher.”
A música é como um pequeno pássaro que está sempre no meu ombro. Mesmo quando estou dando um tempo, alguém chega e toca uma pequena canção e eu penso: 'Merda, está acontecendo de novo'
Quando o assunto é amor, não há dúvidas no disco. Lana viaja de Paris ao Alabama sem mais se perguntar sobre o relacionamento falido em casa: “When you know, you know / The more you know, it’s time to go” (Quando você sabe, você sabe / Quanto mais você souber, essa é a hora de ir). Após isso, em “Margaret”, no estilo de uma comédia romântica, percebemos que aquela pessoa especial não é um mito. A faixa foi escrita para a noiva de Antonoff, Margaret Qualley - o tipo de música que poderia tocar no casamento deles. “So if you don’t know, don’t give up / Because you never know what the new day might bring” (Se você não sabe, não desista / Porque você nunca sabe o que o próximo dia pode trazer), Del Rey diz a alguém que não esteja tão certo quanto Antonoff e Qualley. Para aqueles que ainda procuram sua pessoa, sempre haverá o amor devocional que ultrapassa os 77 minutos na forma de Deus e de um espiritualismo quente e melancólico.
Ainda na esteira de incluir as pessoas próximas no disco, o ex-namorado de Lana, o cameraman Mike Hermosa participa como produtor. Se não fosse por ele, o álbum não existira. Todo domingo, Hermosa tocava sua guitarra ao lado de Del Rey, que começou a gravar secretamente. Em uma ocasião, ele pediu que ela cantasse junto, e assim surgiu “Did You Know.” “A música é como um pequeno pássaro que está sempre no meu ombro,” ela afirma. “Mesmo quando estou dando um tempo, alguém chega e toca uma pequena canção e eu penso: ‘Merda, está acontecendo de novo.’”
Desde então, em todos os domingos disponíveis, eles gravaram uma música no celular. Cinco delas aparecem no disco. “Quando terminamos, fiquei tipo: ‘Em algum ponto vamos precisar conversar sobre o fato de você ter feito metade desse álbum,” Lana disse. Hermosa ouviu o disco finalizado e ligou para a cantora para dizer que amou. “A água está quente e pode se transformar em várias coisas. Ele está no encarte do álbum fumando um vape. Está ferrado!”
Did You know that there’s a tunnel under Ocean Blvd soa diferente de tudo que ela fez antes, mas também se assemelha a uma colagem de sua discografia - o disco até termina com uma versão inédita de “Venice Bitch.” "Lana não tem limites. Ela atingiu um ponto no trabalho, que é o meu lugar favorito, onde não há mais para onde ir a não ser nossa própria selvageria artística. Seguir as tendências seria estúpido. Ela cria novas tendências. É um lugar libertador se você consegue aceitar. O único lugar possível é a liderança," disse Antonoff. Então, com o pássaro em seu ombro, ela criou o que, segundo ela, foi o disco mais fácil de sua carreira.
Ela está empolgada agora, elegantemente refazendo as fronteiras. “Não importa o que aconteça a partir daqui, eu já aprendi tudo. Aprendi tudo que precisava saber, não preciso experienciar nada mais. Estou realmente feliz que passei por todos esses períodos turbulentos, às vezes causados por mim mesma, ou impostos a mim por outras pessoas. Isso mostra que eu tenho sorte por meu coração não estar fragmentado por todo o mundo, pedaços com pessoas a quem ele não pertence. Minha mente está sã e não deixará minha teimosia fazer o que quiser.”
“E,” continua com um pequeno sorriso no rosto,” posso curtir a porra do fato de que estou na capa da Rolling Stone. Está brincando? Conseguir aproveitar e saber que é uma experiência. Curtir o fato, o engraçado fato literal de estar na capa da Rolling Stone. Na primeira vez em que estive na capa da Rolling Stone EUA, não conseguia acreditar. Mas sabe o que é mais inacreditável? Estar na capa da Rolling Stone UK. Isso é imensurável. Não consigo registrar. É selvagem.” Após isso, ela passou pelas portas do pátio em direção à cozinha de conceito aberto e usou a força das mãos e dos membros superiores para passar por cima da mesa dizendo: “Estou na capa da Rolling Stone!”. É uma surpresa para quem testemunhou.
A entrevista no pátio terminou porque seguimos para a parte em que Lana Del Rey me deu conselhos em um assunto no qual é especialista (homens). Em seu celular, olhamos uma foto que ela tirou de uma cópia esquecida de Songs of Innocence and of Experience, de William Blake. Ela descobriu o item ao revisitar pertences antigos. Anos atrás, Del Rey escreveu algo na orelha do livro: “Que lindo conceito: ter uma definição do que você não vai fazer. Eu adoraria ser alguém que não acredita na pressão, que emana paixão, alguém cujo olhar me lembra do porquê eu amo viver. Uma pessoa cuja naturalidade lembra a mim mesma e que a beleza é para ser aproveitada.”
Sentamos nos móveis do jardim enquanto ela me lançou um olhar paciente, de uma irmã mais velha transmitindo conhecimento. Então, ela disse delicadamente, “Eu tive muitas ideias lá.”
Lana Del Rey vem ao Brasil para o Mita Festival. A cantora toca no Rio de Janeiro, nos dias 27 e 28 de maio, e em São Paulo, nos dias 3 e 4 de junho. Sua última passagem pelo país aconteceu no aclamado show no Lollapalooza 2018, quando foi a headliner do palco Onix.
Créditos: Fotografia por Chuck Grant. Syling por Joseph Kocharian. Cabelo por Sheridan Ward. Maquiagem por Etienne Ortega. Produção de Brendan Garrett. Digi tech por Michael Cardiello. Iluminação por Thomas Pat. Assistência de iluminação de Per Thomas. Assistência de moda por Aaron Pandher.
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