Marina de la Riva levou público para uma viagem entre as origens latinas no sexto disco da carreira
Redação Publicado em 20/04/2022, às 12h58
Com uma mistura deliciosa entre Brasil e Cuba, Marina de la Riva apresenta o sexto disco da carreira Raices Compartidas (2022), lançado na última quinta, 14. Com nove faixas, a cantora leva o ouvinte para conhecer as origens latinas com letras de amor, esperança e mensagens sensíveis.
Em entrevista à Rolling Stone Brasil, la Riva explicou como tinha o nome do disco desde o primeiro álbum: "Venho de uma família cubana, tendo nascido no Brasil, convivi muito com os cubanos, no Brasil, fora do Brasil, e isso me influenciou muito porque para mim não tinha essa diferença de ‘isso é a música cubana, isso é música colombiana, isso é música espanhola, isso é música brasileira,’ era música. Então do que eu me alimentei, já que a música é o alimento da alma e o que eu coloquei para dentro, o que eu me alimentei, foi o resultado que eu estou mostrando agora."
Cantora revelou que o nome Raices Compartidas vem da ideia de que, mesmo em outros lugares do mundo, ainda é possível levar um pouco da própria cultura e compartilhá-la com os outros. Pensando nisso, a Rolling Stone Brasil convidou la Riva para um bate-papo descontraido que percorre faixa a faixa do novo trabalho. Confira:
"'Besame Mucho' é uma canção que eu gosto muito, bom todas que estão aí eu gosto muito, mas ela se revelou para mim quando o João Donato estava fazendo uma turnê com o Chucho Valdés ao mesmo tempo, que são dois pianistas e meus grandes mestres, e me convidaram para cantar com os dois. Era um show a quatro mãos e levei algumas canções para eles, canções mais complicadas harmonicamente, que a melodia eu poderia me expressar com mais dificuldade, e eles escolheram ‘Besame Mucho.’ E quando eles escolheram ‘Besame Mucho’ eu fiquei quase que insultada, falei ‘mas como um todas essas músicas eles escolheram ‘Besame Mucho’,’ e aí eles começam a tocar.
Eu fiquei tão emocionada que eu falei ‘meu Deus, eu não tinha enxergado a beleza dessa música.’ Primeiro que é uma fala feminina, a compositora é mulher, então essa chamada é do pedido do beijo e o beijo é agora, porque não existe amanhã, vai que você vai embora. E aquela expressão do desejo feminino... É difícil um lugar para você se expressar assim abertamente e eu acredito na delicadeza, acho que a delicadeza é uma força forte e para mim ‘Besame’ é forte, delicada, ela é de uma melodia maravilhosa. Então foi por causa do Chuchu Valdés e do João Donato tocando que eu pensei ‘um dia eu preciso gravar essa música'."
"'Ai, Ai, Ai' é uma música do Ivan Lins. Eu sempre gostei muito, ela me chamava atenção porque fala do Rio de Janeiro e de Havana, de Copacabana e de Guantanamera, então é exatamente essa ponte minha Brasil-Cuba e eu sempre quis fazer essa música porque eu me vejo nesses dois lugares. Eu fui fazer uma quarentena no Panamá e eu conversando com meu marido, ele falou ‘vamos fazer uma versão?.’ Ele é de família cubana também, pai e mãe cubanos, e aí durante a quarentena a gente fez a versão em espanhol. Então, pensei em gravar apenas em espanhol. Quando cheguei lá em Los Angeles e os músicos quebraram tudo, falei ‘quer saber? Vou fazer em português, em espanhol, em todas [as línguas]!’ Porque senti que eu tinha me apropriado da música. É muito difícil falar a razão de cada música porque, na verdade, a grande razão é que a gente se apaixona pelas canções. O grande termômetro do meu repertório é que todas as músicas dos meus discos eu escolhi porque eu não podia viver sem elas."
"Essa foi a última música entrar no disco. Já tinha fechado o repertório e estava voltando para casa, aí eu virei para o Carlos e falei ‘vou te mostrar uma música agora aqui toda vez que eu ouço eu lembro do meu avô.’ Eu sou apaixonado pelo meu avô, que infelizmente está mais nessa dimensão, e aí a nossa casa era em ‘L,’ era um sobrado em ‘L’ e o meu quarto era a última ponta da casa, e eu sabia quando ele chegava porque ele acendia o charuto e o humo de tabaco é a fumaça do charuto. E a música fala, ‘a fumaça do seu charuto entrou e ele me despertou, ele me acordou, e ao entrar pela janela eu pensei em você, e eu fiquei preocupada, porque eu não sei por que você foi fumar, se você está triste porque você não tem nada para inventar ou por que que você está fumando charuto?’
Porque o ato de fumar charuto em Cuba não é tem a ver com esse ritual de pensar, de estar sozinho, não necessariamente é uma coisa social, ele se transformou nisso, mas era um hábito indígena que passaram para os campesinos. Tanto é que o meu avô me dava para eu acender e me ensinava a cortar, e eu sou anti tabagista total, que isso fique claro, mas é um ritual. Então aquilo para mim, o cheiro, era um chamado e uma memória afetiva que eu tenho. E, pelo visto para o Alex Cuba, que é compositor, também porque ele fala isso, ‘o cheiro da fumaça do seu charuto entrou pela janela e eu percebi que você estava lá, estou preocupado’ e tem o refrão dessa música que fala que ‘quando eu tenho dúvida na vida, penso que você está me dizendo para eu continuar,’ então é uma celebração."
"‘La Gloria Eres Tu’ é uma música que eu cantei a vida inteira e nunca tinha gravado. É de um compositor que se chama José Antônio Mendes, que é um dos líderes do movimento filing. O movimento filing é um gênero musical cubano que veio depois do bolero e ele está mais próximo do jazz, dessa liberdade do jazz, mas ele é puro sentimento. Então quem está interpretando e tocando, que às vezes é uma única pessoa ou só podem ser duas, tem essa liberdade da canção. Às vezes, a forma tá solta e o que importa é de coração para coração, é a emoção nessa canção. José Antônio Mendes é um compositor que tem um repertório lindíssimo, que sempre quis gravar e eu acho o máximo a letra que fala que ‘Deus diz que a gente alcança a glória quando chega ao céu, mas para mim só de te amar la gloria eres tu,’ você é a minha glória, o máximo da minha vida é amar você. Na verdade, esse disco é um sonho realizado, como todos foram, cada um em um pedaço da minha jornada, e essas músicas sempre com esse filtro de que é um desejo de estar com ela para sempre."
"'Como Fue' é uma canção que foi imortalizada por Benny Moré, que é um artista cubano incrível dos anos 1940, e eu tive um presente imenso nessa gravação: o percussionista que foi convidado para tocar, que chama Rafael Padilla, virou para mim e falou, ‘Marina, tá vendo esse bongô?’ eu falei sim, e ele falou ‘foi meio tio que me deu. O meu tio era um bongozeiro do Benny Moré. Este bongô gravou a primeira versão de ‘Como Fue’.’ Eu falei, ‘nossa esses são os presentes que os céus, se você tiver olhos para ver, você fala okay, tem mais gente em outras dimensões que querem que a gente faça isso.’ E é uma música que eu acho lindíssima e que o eu lírico se pergunta ‘como foi que eu me apaixonei por você? Eu não sei, foi a sua voz, foram as suas mãos, foi esse teu olho, foi ansiedade de te esperar?’ e eu consigo me identificar com isso. Então é uma música que eu também tinha guardada no coração por muito tempo, cantarolava, cantava para mim, por isso que ela entrou. E eu olhando o repertório, ele todo faz sentido porque são belas canções de amor de diferentes matrizes, e ‘Como Fue’ é uma dessas canções imortais."
"É a minha primeira composição pública, porque eu sou compositora, mas eu nunca tinha gravado a minha composição. Um dia eu estava numa reunião, num jantar com amigos que eu gosto, e eu me dei conta que todo mundo tinha uma opinião sobre coisas que eles não tinham vivido e eu venho de uma família exilada, e percebi que fora dali, nem todo mundo conseguia entender a dor do outro. Então, voltei para casa, fui para o piano e eu compus.
Comecei pela pergunta, ‘o que você sabe das minhas dores? O que você sabe das minhas ansiedades, dos meus desejos, dos meus anseios, da liberdade que eu não tenho…’ Porque estou trazendo a questão das pessoas que não têm liberdade, como as pessoas num regime ditatorial como em Cuba… E agora muito amplo, porque nós estamos num momento de muito complicado com a China com os seus problemas, o Afeganistão, a Ucrânia… Então, eu compus essa música lá atrás, um chamado a compaixão que é você perguntar ‘você está falando de que?’, se você não sabe o que é aquela mãe entregando o bebê por cima daquela barreira para um soldado americano para que aquele bebê possa ter uma vida boa e alguém depois pode vir de virar para o bebê falar ‘nossa, tua mãe te deu?’.
Então você perguntar com respeito o que está por trás da decisão das pessoas, não perguntar, mas observar. As pessoas criticam sem realmente saber o que está por trás, então essa música é um chamado à compaixão, e ela está mais atual do que nunca porque as questões em Cuba estão cada dia piores, as questões da Ucrânia também, imagina uma família que manda as mulheres para a fronteira da Polônia e o pai fica para poder lutar numa guerra que ele não escolheu, um avô que vende a casa para poder pegar aquele dinheiro e mandar o filho e o neto para os Estados Unidos para poder estudar… Nessa diáspora desse trânsito de imigração pelo mundo tem muitas histórias que ficam para trás que os olhos não conseguem ver, então ‘Y Que Sabes Tu’ é uma chamada à humanidade e à compaixão."
"Essa música é maravilhosa. Teve muita discussão quando o Carlos Lyra liberou ela para que todo mundo ouvisse, desde o Tom Jobim que falava que o samba se misturou tanto com a influência do jazz que ele está se perdendo. Eu acho que o samba não se perde nunca, primeiro que eu amo samba né, tenho sempre que defender o samba, mas as coisas se misturam e se influenciam, é uma raiz compartilhada.
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Então, quando o jazz chega perto do samba, o samba observa o jazz e se mistura com o afro-cubano. É uma música que eu adorava e tinha esquecido dela, e de repente ela pinta na minha pesquisa do repertório, tanto é que ela era a única música em português. Eu via quando eu punha a minha banda, que eram brasileiros e cubanos, as diferenças. Porque o brasileiro faz samba como ninguém, os caras podem estudar, os gringos podem estudar, ninguém toca como brasileiro naquele lugar, você pode dar a contagem, pode dar a partitura, ninguém vai tocar com aquela linguagem, espírito, aquilo que não se diz. Da mesma forma que ninguém toca como os cubanos.
Então, é maravilhoso é colocar a banda, que geralmente é tenho metade metade, e ver todo mundo aprendendo e eu voando por cima daquela loucura toda, [...] porque graças a manhã África, a gente tem essa diversidade toda, porque é tudo sobre ritmo, a melodia para mim vem em cima do ritmo e o ritmo é minha primeira paixão. Então ‘Influência do Jazz’ para mim é o lugar que eu consigo mostrar isso. [...] O jazz é livre e é isso que eu quero para mim, ser não ser classificada. [...] E eu quis fazer essa minha gravação mais dentro do lado do jazz do afro-cubano, então essa é uma música bandeira dentro do disco."
"Eu tive muitas perguntas para fazer esse disco, como eu tenho de todos, mas por causa da pandemia eu estava com mais dúvida ainda, se faço ou não faço, para que eu estou fazendo, por que eu estou gravando um álbum novo se a gente está vivendo um mercado de singles, o que as pessoas querem ouvir, se as pessoas vão ouvir, se vale a pena seguir sendo um artista independente… Mais perguntas que respostas. Um dia eu escrevi para o Ney [Matogrosso], deu saudade dele, eu escrevi, ‘ai, Ney, querido estou pensando em você, quando você puder, quem sabe, você marca comigo para gente conversar,’ ele falou ‘agora?’ e aí ele me liga e a gente começa a conversar; foi uma conversa longa e eu falei das minhas dúvidas e anseios e ele falou, ‘olha, Marina, foi por causa disso que eu fui gravar o meu disco. Eu não estava sendo eu mesmo durante a pandemia, eu estava triste, por isso eu fui fazer música.’
Ele me falou com as palavras dele de que a música é a nossa resposta, e é mesmo, eu tenho isso para mim e ele falou ‘você vai gravar’ eu falei, ‘tá bom, eu vou mas então vai comigo?’ e ele falou, ‘vou, qual música?’. Eu já tinha pensado, tem ‘Cachito’ [...] O que eu percebo de ‘Cachito’ é que muitas pessoas têm memória afetiva, o que o avô cantava, o que a avó cantava, o que os pais dançaram… É uma música linda, amorosa, alegre e que fala ‘do teu lado eu não sei o que é tristeza, eu não vejo o tempo passar.’
Eu também quis fazer esse disco com ares de positividade, de alegria, de amorosidade, de vontade de dançar… A gente vem de momentos muito tristes e eu gosto muito da poesia, das emoções densas, das coisas sérias, mas eu acho que há um tempo para tudo nessa vida e é tempo da gente se fortalecer nas delicadezas, nas relações, no amor, na humanidade… Esse meu disco é mesmo para levantar o espírito amorosamente lembrando da compaixão humana, mas dando valor a quem está do teu lado.
Todas as músicas conversam entre si com essas qualidades e também sempre agradecendo aqueles que vieram antes de nós e fizeram tudo ser possível para que a gente desenrolasse o nosso destino [...] Tem tantos mestres que nos rodeiam e são raízes que nós compartilhamos, então além de todas essas qualidades, tem essa gratidão, e isso tudo me faz ter força de novo e seguir pelo meu caminho, por isso que eu estou lançando esse disco agora."
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