Cantora diz lidar frequentemente com fãs que dizem ter compreendido as letras do clássico disco apenas duas décadas depois —e ela mesma passou por isso com Legião Urbana
Igor Miranda Publicado em 22/09/2023, às 09h30
Lançado em maio de 2003, o álbum Admirável Chip Novo apresentou Pitty em definitivo ao Brasil. Não é o primeiro disco de sua carreira, já que ela havia gravado anteriormente com a banda Inkoma. Porém, o trabalho responsável por reunir canções como “Máscara”, “Equalize”, a faixa-título e tantos outros hits tornou a baiana de Salvador tão conhecida a ponto de o material ter mais de 350 mil cópias vendidas no país.
Não é exagero definir Admirável Chip Novo como um clássico. E uma característica imprescindível para dar tal adjetivo a um trabalho musical é a atemporalidade. Este não é um produto apenas de sua época: suas músicas e letras soam atuais.
Um grande reflexo disso é que muitos fãs parecem estar entendendo somente agora, duas décadas depois, algumas das reflexões propostas pela artista de nome Priscilla Novaes Leone. A própria destaca isso em entrevista a Felipe Grutter para a Rolling Stone Brasil.
Na ocasião, ela admitiu ouvir frequentemente comentários como “bateu para mim agora”. Às vezes rolam até algumas manifestações engraçadas, do tipo: “Caraca, tem vinte anos que eu ouço essa música e só agora eu entendi o que isso quer dizer”.
É algo encarado por Pitty com naturalidade. Para ela, mudanças proporcionadas pela vida — incluindo a própria maturidade conquistada com o passar dos anos — fazem com que as letras ressoem de forma diferente a depender do momento. Aconteceu até com a própria, em relação a canções da Legião Urbana.
“Isso é um fenômeno bem interessante de pensar: como a música atravessa nossa vida e gerações. Entendo esse sentimento porque lembro de escutar Legião Urbana com uns 14 anos e absolutamente não sabia quem era [o poeta simbolista francês Arthur] Rimbaud. E anos depois, estudando poesia, percebi: ‘Rimbaud é aquele cara que estava na música’. Então eu entendo também que isso pode acontecer com determinadas canções.”
A canção de Renato Russo e companhia mencionada pela artista é “Eduardo e Mônica”. O hit presente no álbum Dois (1986) capricha em referências, a exemplo do trecho: “Eduardo e Mônica eram nada parecidos; Ela era de Leão e ele tinha dezesseis; Ela fazia Medicina e falava alemão; E ele ainda nas aulinhas de inglês; Ela gostava do [poeta Manuel] Bandeira e do Bauhaus [banda]; [o pintor Vincent] Van Gogh e dos Mutantes [banda], de Caetano [Veloso] e de [Arthur] Rimbaud; E o Eduardo gostava de novela; E jogava futebol de botão com seu avô”.
No fim das contas, o mesmo está acontecendo com Pitty. Como a artista também explorou referências diversas — inclusive da literatura — ao escrever as letras de Admirável Chip Novo, muitos de seus fãs estão fazendo conexões conforme se tornam mais experientes. Além disso, vários pontos da realidade “conectada” atual foram antecipados pelas canções, com destaque à faixa-título e sua reflexão sobre alienação.
“Vejo que isso aconteceu muito com ACN. Tem muitas referências literárias e de situações que batem agora na contemporaneidade, especialmente por causa da tecnologia, pelo fato das redes sociais e dos algoritmos e de toda aquela história distópica e utópica que estava sendo contada ali. De certa forma, estávamos vivenciando isso.”
Em outro momento da conversa, a musicista comentou sobre como tem gostado de revisitar o repertório desse disco na atual turnê, celebrando seus 20 anos. O material tem apresentado certo frescor até mesmo para ela.
“Tô curtindo muito a experiência. Tem sido atual, não sinto como era lá atrás, é tudo novo, essas músicas são totalmente novas para mim.”
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