Mais que uma reunião de hits, disco de 1984 trazia em si manifesto assinado por Marina e pelo irmão Antônio Cícero no qual a cantora rompia as amarras com os 'caretas' - uma rebeldia fundamental à revolução do rock nacional da época
Alexandre Matias (texto) e Pablo Miyazawa (edição) Publicado em 27/06/2022, às 16h47
Marina sabia que vinha para romper as amarras com o passado. O ano era 1984 e ela preparava o lançamento de seu quinto álbum, quando resolveu incluir em Fullgás (PolyGram, 1984) um manifesto que não deixasse dúvidas sobre a que veio:
“Como a música é a expressão mais viva da cultura no Brasil, é justamente a ela que os caretas querem impor sua ‘ordem’. E a ordem dos caretas é, e sempre foi, a da fidelidade às tais ‘raízes’ ou ‘purezas’ ou sabemos lá o que…”
Surgida no final dos anos 1970, ainda sob a égide da chamada MPB, a cantora e compositora carioca aos poucos aproximou-se de uma geração mais nova, e só conseguiu fazer o disco que queria – e não o que seus produtores até então queriam – quando mudou da gravadora Ariola para a PolyGram. Foi quando ela caiu nos braços do produtor João Augusto, que entendeu perfeitamente o tipo de som que Marina queria fazer.
E Marina queria fazer pop. Sua obsessão musical ia muito além da rixa entre a já estabelecida safra de artistas da MPB e aquela do rock que surgia no Rio de Janeiro e espalhava-se por todo o Brasil. No limite etário entre as duas gerações, ela queria trazer elementos modernos para uma música que considerava careta e paquerava timbres digitais, baterias eletrônicas, além de compor quase todo o novo disco a partir de um teclado portátil Casiotone. E o casamento musical com João Augusto tinha uma única trilha sonora: o disco Thriller (1982), de Michael Jackson, que havia se tornado parâmetro de qualidade no estúdio. Tanto que a faixa-título do novo disco teve sua linha de baixo levemente surrupiada da de “Billie Jean” – o baixista Liminha improvisou o hit do Rei do Pop sobre a base de Marina ao violão e o produtor o incentivou a mantê-la, trocando apenas algumas notas. Era a fórmula do sucesso.
Fullgás veio acompanhado de um texto-manifesto (mencionado no início deste texto), que a cantora assinou com o irmão e parceiro musical, o poeta Antônio Cícero. Além da faixa-título, um sucesso avassalador que tornou Marina um ícone daquela década, o álbum ainda trazia versões imortais para “Me Chama” (de Lobão), “Mesmo Que Seja Eu” (de Erasmo Carlos) e “Pé na Tábua” (“Ordinary Pain”, de Stevie Wonder). Ainda hoje, é uma joia única do pop brasileiro.
Destaques do disco incluem faixas como “Fullgás”, “Me Chama” e “Mesmo Que Seja Eu”:
Ouça abaixo o disco completo, Fullgás:
Somos brasileiros e estrangeiros. Somos estrangeiros porque a nossa verdadeira casa e a casa da nossa música não têm paredes, nem teto, nem cerca, nem fronteiras. Não vegetamos nem precisamos de raízes.
Mas nascemos aqui, aqui trabalhamos e escolhemos ser brasileiros. Por quê? Porque este país é a nossa casa. A força dele, como a nossa, não pode vir de nenhuma fonte pura. Fontes puras não existem. O Brasil vem da fusão de todas as águas, de todas as correntes culturais, da miscigenação. Por isso ele realmente mete medo em todos que sofrem de agorafobia.
Como a música é a expressão mais viva da cultura no Brasil, é justamente a ela que os caretas querem impor sua “ordem”. E a ordem dos caretas e, e sempre foi, a da fidelidade às tais “raízes” ou “purezas” ou sabemos lá o que…
Já para nós, bom é ser contemporâneo ao mundo. Tomamos partido pelo presente e nele pelo mais full gás e mais fugaz. Se nossa música é política? Nossa música É a nossa política. Queremos descobrir novas possibilidades: não de fazer “arte”, mas de viver.
Chega de ideais repressivos, cagando regras, fingindo estar acima do tempo e dizendo por exemplo que devemos ser heterossexuais ou bissexuais ou que devemos ou que não devemos ter ciúmes, ou que temos que gostar da bossa nova ou fazer samba ou ser new wave…
Melhor para nós são a descoberta e a liberação dos desejos e gostos autênticos de cada um.
Nossa música é simples, deliberadamente simples e direta. Por isso mesmo ela é mais difícil para aqueles que se viciaram às velhas fórmulas. Sabemos que somos profundos demais e superficiais demais para essa gente.
Não há CAMINHO REAL para fazer algo que enriqueça o mundo. Por mais que certos setores da “vanguarda” sugiram uma evolução linear da Música, a verdade é que às vezes é do mais “vulgar” que vem o toque mais sutil. E é claro que o novo vem de onde menos se espera. Assim somos nós. Assim é o que fazemos. Simples como fogo.
Fullgás (Marina Lima e Antônio Cícero)
Parte do Dossiê 40 anos do Rock Nacional, edição especial de colecionador da Rolling Stone Brasil, a lista "Os 80 Maiores Discos do Rock Nacional" reúne os principais trabalhos do que parece ter sido um levante artístico, unificado e contínuo mobilizado inicialmente pela juventude do Rio de Janeiro dos anos 1980, a geração 82. Na revista, já disponível em bancas físicas e digitais, você confere a curadoria realizada pelos editores da Rolling Stone Brasil com os 80 discos mais importantes do rock nacional, separados em quatro categorias e organizados por ordem cronológica de lançamento.
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