Composições conjuntas, amizade espontânea e aprendizados da pandemia - Xamã e Agnes Nunes trocam um papo sobre música
Yolanda Reis | @_ysreis Publicado em 20/01/2022, às 11h00 - Atualizado em 09/02/2022, às 19h04
A playlist de Agnes Nunes enche o estúdio enquanto a cantora se prepara para um longo ensaio fotográfico. Ela passa algumas horas ajustando o cabelo e a maquiagem, enquanto suas músicas vão de uma ponta a outra da feminilidade brasileira - de Luísa Sonza a Elza Soares - refletindo o repertório da carreira dela. Depois de algum tempo, a maquiagem emoldura o rosto e cada cacho está imaculadamente posicionado. A música segue, e aqui e ali podemos ouví-la cantar baixinho. Xamã chega na sequência, um pouco atrasado, mas com uma explicação: chegou em São Paulo virado. Mas logo se adiantou para a preparação.
Agnes e Xamã foram dois nomes marcantes da música do Brasil em 2021. Fazem parte de um movimento crescente no país desde pouco antes da virada da década, o renascimento do rap com um pouco do pop, um pouco da MPB, às vezes quase eletrônico. A categoria divide espaço nas paradas musicais com o funk e com o sertanejo, e traz um lado mais melódico, por vezes crítico, da nossa cultura. Embora a divisão do microfone seja comum no estilo (com o exemplo principal é Poesia Acústica), Agnes e Xamã se encontraram um pouco mais no outro - "o santo bateu, profissionalmente," como definiu a cantora.
E como bateu: Xamã viu um vídeo da interpretação de "A Bela e a Fera" da colega; encantado, convidou-a para um novo projeto. Entendeu o potencial de Agnes ao vê-la gravar músicas cover em casa, na frente do guarda-roupa cor de rosa do quarto adolescente. Ele, com alguns anos de carreira; ela, então com 17, começava na música. Foi uma parceria bem forjada - junta, a dupla lançou Elas por Elas em agosto de 2019. Mais um feat, "Pulp Fiction", chegou em dezembro daquele ano. E daí para frente, tantos outros.
Para 2022, há alguns planos. Agnes prepara o lançamento do primeiro disco, Menina Mulher, para mostrar a própria evolução e a chegada da maturidade adulta. Xamã é um pouco mais reservado sobre os trabalhos do ano. Mas explica: pretende lançar singles durante a maior parte do período, se aprofundar em parcerias e preparar um disco para o final do ano (não falou mais nada para não "estragar a surpresa").
A química entre os cantores ultrapassa os estúdios de gravação e vai até o estúdio fotográfico. Com um figurino brilhante (e as músicas escolhidas por Agnes ainda ecoando), engajam em poses ora espontâneas, ora calculadas, e mostram sorrisos sinceros para a câmera. O clima amigável se mantém enquanto as horas se alongam. Entre os cenários, Agnes muda o penteado (e calcula mais uma vez a posição de cada mecha), e Xamã descansa de uma semana corrida - cria um contraste engraçado: bebe café na rua, pés descalços, vestido com uma calça bem cortada de grife. No meio do caminho para o glamour ensaiado dos cliques seguintes.
Entre trocas de roupas, cabelos, maquiagens, e o calor do dezembro brasileiro, o dia é longo. Quando sentam para conversar, é noite. Xamã e Agnes mostram o cansaço somado da última semana do ano e trabalho acumulado por dias. Mas, embora comecem as respostas com a voz baixa, quase calculada, não demoram para unir-se na cumplicidade amigável demonstrada ao longo do dia, e entre elogios e sorrisos, completam frases em conjunto e parecem satisfeitos em papear entre amigos. Leia a entrevista:
Como a música chegou em vocês, como vocês decidiram fazer música?
Xamã: Ouvia muita música. Morava numa casa com muitas pessoas e acabei pegando referência - as músicas de rock, rap - de criança. Sempre tive aptidão para fazer música, mas depois do contato com batalhas de rap, aflorei esse lado. O rap apadrinhou todos os estilos musicais.
Agnes: A música está comigo desde que fui concebida. Tenho uma influência muito forte da minha mãe e da minha avó. Minha mãe gostava muito de MPB, bossa, e minha avó da música mais popular, como forró. Cresci num meio muito musical, familiar.
A gente viu a música do Brasil renascer. Forró nas paradas, músicas que não eram consideradas boas, sendo fenômenos. Como vocês decidiram entrar na música que vocês fazem hoje?
Agnes: Não me limito. Todo mundo pergunta: "Agnes, o que você canta?" Eu sou cantora. Gosto de cantar música que o coração pede. Não vou me limitar e falar que sou uma cantora de bossa nova, porque não sou. Eu adoro rap, adoro transformar forró numa música menos agitada. A música é muito do coração. Canto o que meu coração pede para cantar. Talvez seja por isso que as pessoas chegam: "Nossa, você cantou aquela música, eu tava num dia ruim, você me fez sentir a coisa de um jeito tão diferente. É de coração para coração. Depende da música. O que escolhi fazer é música."
Xamã: A gente não pensa na música como empresa. Pensamos com o coração, de verdade. Tem músicas que adoro, de outros estilos musicais, [e sempre tento] transformar na nossa visão. A gente faz muito mais porque gostamos, do que por um formato.
Falando sobre rap, vimos, desde 2019, a ascensão de artistas de rap, a maior explosão gênero. Como você viu isso? Como você cresceu dentro disso como artista?
Xamã: O rap sempre foi muito censurado, dependia de um grande canal para passar os artistas no horário nobre. Depois da internet, que socializou tudo, todo mundo consegue colocar um som e fazer ter visualização, além de apreender com artistas que tiveram sucesso. Então, a internet possibilitou que outros artistas - não só de rap - artistas de cinema, blogueiros, coisas que você dependia de um curso, hoje é um vídeo.
O que vocês têm ouvido de bandas brasileiras?
Agnes: Liniker, Rubel...
Xamã: A gente é muito vira-lata, escuta tudo, tipo jukebox. Começa a tocar uma coisa, depois está tocando outra. Aí, já reduziu o BPM de uma música. Gostamos de todos os tipos de música brasileira, de todas as épocas, e flertamos com o mercado latino. A gente se apresenta muito som também.
Agnes: A gente se apresenta muito som!
Xamã: É da hora chegar com um som novo que a pessoa não conhece.
Agnes: É uma troca constante.
Como vocês se conheceram e viraram amigos?
Agnes: Gravei um vídeo cantando "A Bela e a Fera", do Xamã; gosto muito dessa música. Marquei ele nesse vídeo, e ele viu. Tinha um projeto que ele queria gravar com algumas mulheres, e me chamou para participar. Fui para o Rio em 2019.
Xamã: Na primeira vez que fomos para o estúdio, gravamos umas duas, três músicas. Ela consegue transmutar muito. Quando escrevo uma música, por exemplo, às vezes ela é raiva, às vezes frustração, saudade, carinho... A [Agnes] consegue transformar. Consegue fazer isso muito bem.
Agnes: [Risos] A gente foi para o estúdio e, quando viu, \já tinha algumas músicas. O santo bateu, profissionalmente falando.
Xamã: Tem umas músicas que a gente não lançou até hoje.
Agnes: "Pedras de Março" a gente não lançou. Nossa relação foi incrível. Temos essa troca constante no estúdio. É assim desde quando nos conhecemos.
Em 2019, você [Xamã] estava no Rock in Rio, mas logo depois veio a pandemia. Como vocês mudaram com esse momento? Como vocês lidaram? Queria que vocês falassem da pandemia e vocês como artistas.
Agnes: A pandemia me ensinou a ressignificar muito, a ter mais paciência. Quando a pandemia veio, eu tinha acabado de estourar. Todos os shows que eu faria foram cancelados. Mas a gente cantou muito.
Xamã: Cantamos todo dia, todo dia, todo dia. Porque não tínhamos para onde ir.
Agnes: A música foi nossa melhor companheira nessa pandemia.
Xamã: Fiz mais músicas em 2020 do que minha vida toda. Você fica muito tempo fora da sua rotina comum, então, foge um pouco das suas referências. Se você fica correndo de cima para baixo, escreve de um jeito. Se você fica trancado, escreve de outra maneira. A gente montou um home studio e saiu várias coisas da hora.
Com a vacinação, a gente tem uma perspectiva de volta. O que vocês estão planejando para 2022?
Xamã: Tomara que isso acabe logo, o mais rápido possível. Todos os procedimentos de vacinação amenizam um pouco disso tudo. A gente fica meio indeciso se vai rolar ou não. Espero que consigamos imprimir os projetos que estamos desenvolvendo. Não só música, com cinema, com moda... Tentar reverberar de outras formas e trabalhar normal, não aguentamos mais.
Agnes: Quero que os shows voltem e que possamos ter calor humano com nossos fãs. É a melhor coisa do mundo receber o carinho deles, ter o contato, troca de olhar, sentimento.
Em 2022, quero seguir aprendendo. Com o Xamã, aprendi muita coisa. Ele é um poeta, o poeta mais incrível do mundo. Sinto que a minha escrita super melhorou depois de nos conhecermos. Aprendi a escrever de outras formas.
Antes de chegar 2022, o que vocês vão fazer no Natal e ano novo?
Xamã: Descansar um pouco e celebrar com a família, a coisa mais maneira. Esse ano foi uma loucura. Comemorar o que conquistamos. Foi um ano difícil, mas conseguimos, de certa forma, manter o nosso trabalho numa linear. [Em 2022], voltamos no gás atropelando todo mundo… Gírias de rap [risos].
Agnes: Para mim, a mesma coisa. Quero descansar, ficar com a minha família o máximo que conseguir. Quero trabalhar muito, também, no próximo ano - mas, agora, preciso descansar. Meu cérebro está um pouco machucado. 2021 foi um ano muito louco.
Xamã: Paz mundial.
Taylor Swift: O dia em que Sarah Michelle Gellar pediu folga para ver a artista
Lady Gaga no Brasil: Subsecretário do Rio de Janeiro confirma show da cantora em 2025
Como o Slipknot foi alvo de ódio de outras bandas em sua 1ª grande turnê
SZA promete mais músicas novas logo após lançar o álbum deluxe "Lana"
Beyoncé, Kendrick Lamar e mais: Confira as músicas favoritas de Barack Obama em 2024
Teimosia: MK e Edgar buscam resgatar a essência do rap clássico em EP