Analisamos as faixas mais reveladoras da reedição de cinco discos do clássico álbum solo de 1970
Rolling Stone EUA / Rob Sheffield Publicado em 05/08/2021, às 10h49
Quando George Harrison entrou no estúdio em 1970 para compor All Things Must Pass, ele estava em uma missão. Foram anos esperando por este momento. George possuía muitas músicas guardadas de seus anos com os Beatles, quando era limitado a apenas duas ou três músicas por disco. Até agora, estava com todo esse material armazenado, com vontade de mostrar para o mundo. Então, assegurou-se que ninguém poderia ignorar sua afirmação definitiva como artista solo - o sólido vinil triplo do clássico All Things Must Pass. Por todo o disco, você pode ouvir a empolgação conforme a energia criativa reprimida de Harrison se solta. "The Quiet Beatle" - ou "O Beatle Quieto" - emergiu do naufrágio da banda, porém, com muita confiança e ambição, de repente, soou como o único com um plano.
Toda essa ambição é ouvida em alto e bom som em All Things Must Pass: 50th Anniversary. A versão Super Deluxe contém cinco CDs, incluindo dois com demos e outro com gravações diretamente dos estúdios. O álbum original foi remixado, graças ao produtor executivo Dhani Harrison e ao engenheiro de som Paul Hicks. A Uber Edition vem em uma caixa de madeira, e entrega tudo aos devotos de George: contém um marcador de página feito de um carvalho caído no jardim dele. Em prévia exclusiva para Rolling Stone EUA, a obra mostrou-se cheia de revelações e tesouros nunca ouvidos. Algumas pessoas costumavam discutir se o disco triplo deveria ter sido arranjado em uma versão de um ou dois volumes - mas esta edição os farão pensar se deveria ter sido um álbum quádruplo.
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Não foi o primeiro disco solo de Harrison - havia lançado o experimental, baseado em sintetizadores, Electronic Sound, além da trilha sonora de Wonderwall. Porém, neste, encontrou sua voz e a levou a uma escala épica. Mesmo nos improvisos descartados ou nos lamentos com som folk, foi possível ouvir sua determinação feroz em não estar preso ao passado. Em maio de 1970, quando cortou as demos do álbum, ainda estava em aberto se os Beatles tinham ou não acabado, e George foi o único a andar pelo caminho certo. “Acho que talvez haja o que vocês chamariam de um pouco de sacanagem,” George falou de forma diplomática em abril de 1970, durante entrevista para rádio. “Estão sendo mal-intencionados uns com os outros. Infantil. Infantil.”
Tinha uma boa razão para se sentir confiante. O mundo ainda estava em choque com Abbey Road, maior disco dos Beatles até então, no qual ele roubou a cena com “Something” e “Here Comes The Sun”. Como John admitiu ao NME, “George tenta colocar músicas em nossos discos desde 1920. Ele precisa fazer um álbum.”
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O primeiro dia de demos contou com George em Abbey Road, apoiado por dois amigos de confiança - Ringo na bateria e Klaus Voormann no baixo. Fizeram 30 músicas naquela sessão, e, no dia seguinte, fez mais 15 demos acústicas para o produtor Phil Spector. As demos estão repletas de músicas em tom maior, das quais muitas encaixariam perfeitamente no disco. "Nowhere to Go" foi escrita junto ao amigo Bob Dylan, em 1968, apoiada no desencanto com a pressa na vida de uma estrela do rock. “Me canso de ser o Beatle Jeff/ Falando para os surdos,” ele reclama, com seu sarcasmo poético. “Me canso de ser o Beatle Ted/ Falando para os mortos/ Toda vez que 'bobby's getting blown.’”
Há um trecho incrivelmente sarcástico cortado de “Isn’t It A Pity”, no qual canta: “Não é uma merda? / Não é uma dor? / Como nós fazemos tantos takes / E agora fazemos isso de novo.” Há também um trecho antigo de “Beware of Darkness,” com os versos “Cuidado com a ABKCO,” provocando a nova gestão dos Beatles, talvez demonstrando um grau de desencanto com Allen Klein.
Porém, o sentimento geral da música é pura empolgação. As demos incluem versões simples de “What Is Life” (ainda melhor que a versão final do álbum) e “All Things Must Pass”, com apenas George e seu violão. Ele avança em direção ao country blues com “Woman Don’t You Cry For Me.” O disco original nunca soou tão bem, com clássicos como “My Sweet Lord”, “Wah-Wah,” e sua benevolente e afetuosa canção de amor para as fãs mulheres dos Beatles, “Apple Scruffs.” Aqui está um exclusivo passeio pelos 10 momentos mais reveladores em All Things Muts Pass: 50th Annviversary Edition.
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O imponente hino foi escrito em 1966, mas se tornou a peça central de All Things Must Pass, e possivelmente o melhor momento solo. A versão descartada é mais tranquila e serena comparada às versões grandiosas no álbum.
Uma ótima e espiritual canção de rock, com rascunho produzido para o White Album - seria uma boa substituição para “Piggies.” Harrison nunca lançou a música, escolheu doá-la para seu antigo amigo Jackie Lomax, quem a transformou num sucesso no Reino Unido. Esta gravação é a mais próxima de uma versão definitiva de Harrison, somente ele e sua guitarra, com contornos de blues.
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Uma colaboração na composição com Bob Dylan de 1969. É possível ouvir sua raiva fervente conforme se opõe às restrições da vida de celebridade, com ecos de sua apreensão com drogas em 1969 quando canta, “Me canso dos policiais da ronda / Apalpando meu intestino / Toda vez que alguém está ficando chapado.”
Esta meditação com guitarras não apenas deveria estar no disco original - deveria ser um dos destaques. Harrison escreve seu próprio hino indiano, cantando os nomes do Senhor, mas seu violão tem um profundo zumbido Celta. Não muito distante de experimentações de bandas como Velvet Underground ou Fairport Convention.
Outra demo acústica com potencial para ser uma das melhores do disco. É uma canção surpreendentemente otimista e espiritual, com Harrison cantando “estou esperando na fila para o império cósmico / Quero um banco de primeira fila no império cósmico.”
“Take it, Jojo!” George grita nesta celebração surpreendentemente alegre de uma música de sua banda antiga, repleto de afeto - tanto pela música como pelos colegas. Durante o solo, chama por seu ajudante de longa data, Mal Evans, com um pedido: “Mal, pegue um esfregão e outro copo de suco de laranja!”
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George abriu o álbum original com uma música de Dylan, “I’d Have You Any Time,” e fez um cover de “If Not For You.” Essa seria a terceira faixa de Dylan no álbum, uma canção cheia de arrependimento (“Não quero fazer isso / Eu não quero dizer adeus”) e talvez um toque emocional no desmanche dos Beatles. George revisitou a música anos depois para, finalmente, fazer um lançamento oficial - na trilha sonora para a comédia adolescente Porky’s Revenge (1985). Ah, os anos 1980.
Uma romântica e irresistível canção folk, com um toque de Smokey Robinson na melodia e o complexo toque de suas próprias músicas do Rubber Soul. É ainda um trabalho em progresso, provavelmente o motivo pelo qual guardou para seu álbum solo de 1976, Thirty Three and a Third - Olivia, sua esposa, inspirou-lhe para terminar. (O disco continha outro ótimo tributo a Robinson, “Pure Smokey.”)
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“Muitas estradas podem te levar lá, muitos caminhos diferentes,” George canta nesta canção leve e espiritual. “Uma direção levará anos / Outra leva dias.” Foi inspirada pela Índia - Deradum é perto da base de Maharishi, em Rishikesh- conforme George compara peregrinos com “pedintes em uma mina de ouro.”
Um dos momentos mais icônicos de todo o box: George encerra com esta desenvolta versão de um clássico dos anos 1920. A faixa provavelmente o comoveu à época, levando em conta a separação dos Beatles. (Também atingiu John - ele a citou na entrevista “Lennon Remembers” para Rolling Stone EUA; Paul tocou a música em Anthology.) É possível ouvir o afeto por como as pessoas e as o mundo eram antigamente. Porém, não há tristeza. É um novo homem, pronto para encarar o futuro, fazendo a música mais confiante de sua vida.
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