Da Argentina ao Brasil e ao México, a lista passeia pela psicodelia dos anos 1960 ao rock alternativo dos anos 2000
Ernesto Rechner (Rolling Stone EUA) | Tradução por Emanuela Lemes Publicado em 27/10/2023, às 17h10
As gerações de jovens artistas da América Latina misturavam a essência rock n’ roll com aquilo que cada país tem a oferecer de melhor: do samba brasileiro e da balada argentina à cumbia colombiana e ao bolero mexicano. Desde o início, o rock latino se fortaleceu com o melhor de dois mundos e visões contrastantes.
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Abrangendo seis décadas, desde os anos 1960 até o presente, a Rolling Stone EUA classificou quais são os 50 álbuns resumem os sons do rock & roll da América Latina em seu aspecto mais ambicioso e singular.
Artistas da Argentina e México dominam o ranking, ocupando 11 posições cada, seguidos do Brasil - representado por Roberto Carlos, Milton Nascimento no top 5 e mais - que tem oito artistas listados. Abaixo, confira alguns destaques da lista - escritos pelo jornalista Ernesto Lechner:
Muito antes de Los Van Van se tornarem os reis da salsa cubana com sucessos de timba como “Sandunguera”, a orquestra liderada pelo baixista Juan Formell – que morreu em 2014 – estabeleceu as bases do songo – uma mistura idealista de rock, soul, percussão afro e violinos que combinam majestosamente nos conjuntos tradicionais de charanga. O há muito esquecido segundo álbum da banda ainda é uma revelação, o churrasco funky “La Habana Joven” terminando com um solo psicodélico de piano elétrico da futura lenda da timba César 'Pupy' Pedroso.
O título intrigante alude aos misteriosos gritos de guerra de Tarzan, herói de história em quadrinhos. A música lá dentro é igualmente maluca: “Eu sou a mosca que pousou na sua sopa”, canta Seixas em “Mosca Na Sopa”, enquanto um riff bagunçado de blues-rock luta por espaço contra cantos agitados de samba.
Homem com muitas funções contraculturais, ele conseguia soar desanimado e folk em “Metamorfose Ambulante” e depois se vestir como um baladeiro romântico na fábula alquimista “Ouro De Tolo”, sobre transformar chumbo em ouro. Seixas morreu em 1989, aos 44 anos, mas o seu espírito irreprimível continua vivo.
Após uma passagem transformadora com os ícones da tropicália Os Mutantes, Rita Lee - que faleceu em maio deste ano, aos 75 anos - passou grande parte dos anos 1970 erguendo o trono musical no qual foi legitimamente ungida rainha do rock brasileiro.
O disco Fruto Proibido dança descontroladamente – ecoando os tons mais pesados de um Elton John – suas músicas repletas de vampiros de piano de cabaré e solos de guitarra de blues. Da atrevida “Esse Tal De Roque Enrow” ao hino “Ovelha Negra”, esta autoproclamada ovelha negra encontrou a redenção na música até ao fim.
“É como a mistura perfeita de Rage Against the Machine e Tito Puente”, declarou alegremente o produtor Gustavo Santaolalla enquanto dava os últimos retoques no ridiculamente compacto segundo álbum deste quarteto porto-riquenho. A propulsão irregular da faixa-título ganha uma camada extra de adrenalina com a adição de coros afro-caribenhos e riffs de trompete rápidos. Na atmosférica “Solo”, a seção de metal é imprensada entre grooves de salsa e jazz que evocam o rock tropical de Guaco, da Venezuela, e Los Van Van, de Cuba.
Com a aparição triunfante na primeira edição do Rock in Rio, em 1985, que confirmou o status d'Os Paralamas do Sucesso como uma das bandas brasileiras mais afiadas da década. No ano seguinte, o trio liderado pelo guitarrista/vocalista Herbert Vianna retornou com Selvagem?, seu mais ousado e alegre álbum.
O ícone da MPB, Gilberto Gil, participa da faixa de abertura “Alagados”, cuja letra condena a desigualdade social e as favelas do Rio de Janeiro. A marca registrada do reggae-rock dos Paralamas está no apelo e resposta de “Melô do Marinheiro” e no descontraído cover de Tim Maia “Você (Usted)”.
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Você realmente não viveu até assistir ao vídeo no YouTube de brasileiros pedidos de casamento em shows de Los Hermanos enquanto “Último Romance” toca. Escrita pelo cantor/guitarrista Rodrigo Amarante, a música descreve a devoção de um casal de idosos apaixonados, sabendo que este será seu último romance.
Terceiro lançamento da banda carioca, Ventura foi eleito o melhor álbum brasileiro de todos os tempos em pesquisa de uma rádio de 2012. Um exagero, talvez, mas sublinha a ligação emocional gerada por estes sucessos diabolicamente melódicos. A seção de metais descolados adiciona uma colher de açúcar ao eufórico “O Vencedor”.
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Pode não ser um disco de rock no sentido mais convencional da palavra, mas a estreia de grande sucesso do maior supergrupo brasileiro de todos os tempos é profundamente informada pelo espírito lúdico de Rubber Soul e Pet Sounds .
A cantora Marisa Monte, o percussionista baiano Carlinhos Brown e a voz rouca de Arnaldo Antunes – todos três estrelas por mérito próprio – estão no auge de seus poderes neste deslumbrante espetáculo de brilho da MPB, instrumentos de brinquedo e harmonias comoventes. Da batida eletrônica animada do mega-hit “Já Sei Namorar” à mal sussurrada balada de Natal “Mary Cristo”, a beleza neste lote de músicas é desarmante – e mágica.
Muito antes de se tornar um cantor latino que vendeu um milhão de cópias, Roberto Carlos encontrou sua vocação no rock'n'roll. Com seu violão estridente, uma parceria fenomenal de composição com Erasmo Carlos (sem parentesco) e um tom vocal meloso que encapsula a saudade e a exuberância da juventude, ele liderou a Jovem Guarda, movimento que tomou o Brasil de assalto.
Ritmo de Aventura é a trilha sonora de um filme que mostra o carismático Roberto dirigindo um carro esporte vermelho ao som da açucarada e pesada “Por Isso Corro Demais”. Do charme cru do hit soul-rock “Eu Sou Terrível” ao melancólico “Como É Grande o Meu Amor por Você”, este foi um dos primeiros álbuns que mostrou o potencial ilimitado do rock brasileiro.
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Inspirado pelas gravações de campo que acumulou durante suas viagens ao redor do mundo, o cantor e multi-instrumentista André Abujamra retornou à sua cidade natal, São Paulo, e passou três anos elaborando o álbum mais criminosamente subestimado da música latina: uma estreia ampla, cosmopolita e imensamente comovente sobre unidade e amor.
Para o disco de estreia, Karnak utilizou, de como descreve a Rolling Stone EUA: "um templo comovente de orquestra – além de dois atores e um cachorro que ficava sentado calmamente no palco durante os shows – e formatos de polinização cruzada com abandono: reggae e samba; rock orquestral com pop árabe, além de linguagens reais e imaginárias".
No final dos anos 1960, a excentricidade da psicodelia encontrou terreno fértil no Brasil, onde uma geração jovem de músicos condenava a ditadura militar do país. Auxiliado pelos engenhosos arranjos de Rogélio Duprat, o trio formado por Rita Lee, Sérgio Dias e Arnaldo Baptista criou um delirante país das maravilhas sonoras que deu ao Magical Mystery Tour uma corrida pelo seu dinheiro. Na icônica faixa de abertura “Panis et Circenses” – escrita por Caetano Veloso e Gilberto Gil, nada menos – cantos hippies colidem com flauta doce melíflua, percussão excêntrica e uma valsa distorcida de Strauss tocando no rádio.
Em Fabulosos Calavera, o grupo argentino pôde mergulhar em suas tendências experimentais: uma ópera vagamente conceitual povoada por esqueletos surfistas, diablitos e caveiras brilhantes, flutuando do thrash metal ao funk atrevido, spaghetti western e baladas sentimentais. O disco começa num espaço furioso, procurando zombar e subverter, mas depois torna-se incrivelmente terno, sendo também uma audaciosa declaração de princípios.
“Niño Diamante” transforma o riff de piano de “Take Five” de Dave Brubeck em melancólico art-rock e “ADRB” provou que as nuvens do desespero do tango estavam bem vivas. “Nós escrevemos músicas/Destruímos as músicas”, canta Vicentico em “Sábato”.
Há uma quietude sobrenatural nas músicas do Clube da Esquina, pilar da música brasileira do coletivo de Milton Nascimento, Lô Borges e outros compositores com ideias semelhantes. Mais do que um álbum conceitual, Clube da Esquina parece uma experiência religiosa.
No centro deste álbum está a genialidade de Nascimento – a maravilha infantil em sua fusão de nostalgia dos Beatles, folk sagrado afro-brasileiro, um toque de dissonância e peculiaridades de vanguarda. As músicas transbordam de imagens potentes: o sol na cabeça enquanto você anda em um trem azul em “O Trem Azul”, um girassol da cor de seu cabelo na psicodélica “Um Girassol Da Cor Do Seu Cabelo” – ambas de Borges.
Produzido em Londres por Phil Manzanera, La Pipa de la Paz é aquele álbum que funciona como um trem de carga descarrilado. A melhor banda que já surgiu na Colômbia, Aterciopelados lançou muitos discos superlativos.
Os vocais da autoproclamada chica difícil Andrea Echeverri atinge alturas vertiginosas enquanto ela minimiza o amor romântico no alegre joropo “La Culpable” – completo com uma ponte folktrônica enevoada – e então elogia as vibrações curativas do som em “Música”. O parceiro no crime Héctor Buitrago adiciona toques de baixo punk às paisagens sonoras panorâmicas da supersticiosa “Buena Estrella” e da ofegante “Baracunatana”.
Nos anos 1980, o trio argentino Soda Stereo liderou uma revolução no rock en español – e toda a América Latina prestou atenção. As conquistas do grupo nada mais foram do que um prelúdio para a relativamente breve mas gloriosa carreira solo de seu compositor Gustavo Cerati, que faleceu aos 50 anos em 2014 após ficar quatro anos em coma.
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Sua segunda apresentação solo – a primeira após a separação de Soda – Bocanada é uma declaração de liberdade, uma fatia resplandecente do glamoroso noir sul-americano que flutua sobre uma nuvem transparente de roxos e azuis.
“Bocanada” transforma uma amostra dos progressistas holandeses Focus em pathos existencial, e “Verbo Carne” evoca o sabor sombrio de um tema de Bond. “Tudo está acontecendo precisamente aqui e agora”, murmura Cerati no etéreo “Aquí & Ahora”. 25 anos depois, ainda é.
No segundo álbum da Café Tacvba, a banda consegue evocar o espírito do México em cada uma de suas 20 faixas, desde a caótica canção nortenha de “La ingrata” até a franqueza retrô do bolero de “Esa noche”, produzidas por Gustavo Santaolalla, ao lado do cantor Rubén Albarrán (apropriadamente apelidado de 'Cosme' neste LP), o tecladista Emmanuel del Real e os irmãos Quique e Joselo Rangel no baixo e guitarra.
Ao mesmo tempo, resume as cores e contradições mais amplas da cultura latino-americana com a mesma falta de inibição de um romance de realismo mágico: o humor sombrio, o fatalismo inato e o sentimento permanente de admiração.
Provou-se, sem qualquer dúvida razoável, que a música sonhada por jovens músicos latinos no contexto imperialista do rock'n'roll poderia ser tão original e reveladora como qualquer coisa do Radiohead ou do The Clash. Desde o seu lançamento, há quase 30 anos, tem sido comparado repetidamente ao Álbum Branco dos Beatles, e por boas razões.
50. La Conferência Secreta Del Toto's Bar (1968, Uruguai) – Los Shakers
49. Mira Lo Que Me Hiciste Hacer (2011, Colômbia) – Diamante Eléctrico
48. Revolución de Emiliano Zapata (1971, México) - La Revolución de Emiliano Zapata
47. Alturas De Macchu Picchu (1981, Chile)– Los Jaivas
46. Los Van Van (1969, Cuba) – Los Van Van
45. Vida De Perros (2005, Chile) – Los Bunkers
44. Génesis (1970, Colômbia) - Génesis
43. Krig-ha Bandolo! (1973, Brasil) - Raul Seixas
42. Un Día Normal (2002, Colômbia) - Juanes
41. Fruto Proibido (1975, Brasil) - Rita Lee & Tutti Frutti
40. Memo Rex Commander y El Corazón de La Vía Láctea (2006, México) – Zoé
39. Fundamental (2009, Porto Rico) - Puya
38. Virgin (1969, Peru)– Traffic Sound
37. Chúntaros Rádio Poder (2000, México) – El Gran Silencio
36. La Gran Feria (1973, Colômbia) - La Banda Nueva
35. La Síntesis O'Konor (2017, Argentina) – El Mató a un Policía Motorizado
34. Selvagem? (1986, Brasil) – Os Paralamas do Sucesso
33. Este Fuerte Viento Que Sopla (2002, Uruguai) – No Te Va Gustar
32. Fome (1997, Chile) - Los Tres
31. Mateo Solo Bien Se Lame (1972, Uruguai) - Eduardo Mateo
30. Santa Sabina (1992, México) - Santa Sabina
29. Ventura (2003, Brasil) - Los Hermanos
28. Vol. 1 (2015, México) - Mon Laferte
27. Descarga (1972, Uruguai) – Totem
26. El Rock de mi Pueblo (2004, Colômbia) – Carlos Vives
25. ¿Dónde Jugarán Las Niñas? (1997, México) - Molotov
24. El Salmón (2000, Argentina) - Andrés Calamaro
23. Corazones (1990, Chile) - Prisioneiros
22. El Amor Después Del Amor (1992, Argentina) – Fito Páez
21. Tribalistas (2002, Brasil) - Tribalistas
20. Treinta Minutos de Vida (1970, Argentina) – Moris
19. Em Ritmo de Aventura (1967, Brasil) - Roberto Carlos
18. Llegando os Monos (1986, Argentina) - Sumô
17. Karnak (1995, Brasil) - Karnak
16. Canção Animal (1984 Argentina) - Soda Stereo
15. Hasta la Raiz (2015, México) - Natalia Lafourcada
14. The New Sound of the Venezuelan Gozadera (1998, Venezuela) - Los Amigos Invisibles
13. Artaud (1973, Argentina) - Pescado Rabioso
12. El Silencio (1992, México) - Caifanes
11. Abraxas (1970, Estados Unidos) - Santana
10. Bueninvento (2000, México) - Julieta Venegas
9. Clics Modernos (1983, Argentina) - Charly García
8. El Circo (1991, México) - Maldita Vecindad y los Hijos del Quinto Patio
7. Jessico (2007, Argentina) - Babasónicos
6. Os Mutantes (1968, Brasil) - Os Mutantes
5. Fabulosos Calavera (1997, Argentina)- Fabulosos Cadillacs
4. Clube da Esquina (1972, Brasil) - Milton Nascimento e Lô Borges
3. La Pipa de la Paz (1997, Colômbia) - Aterciopelados
2. Bocanada (1999, Argentina) - Gustavo Cerati
1. Ré (1994, México) - Café Tacvba
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