Bad Religion, Deep Purple, HAIM e mais: é hora de celebrar as experiências musicais que tornaram o ano memorável
por Pablo Miyazawa, com colaborações de Alexandre Matias, Pedro Só e Carlos Eduardo Freitas Publicado em 19/12/2023, às 08h38
No 2023 da música no Brasil, o “ao vivo” foi a lei e a ordem. Deixando a crise sanitária definitivamente para trás, o ano confirmou a consolidação de uma gama diversa de experiências sonoras coletivas – dos grandes festivais de marcas estrangeiras aos megashows superlotados (e quentes) dos maiores nomes pop do planeta, além de apresentações intimistas, para poucos e bons, de visitantes inéditos e muito aguardados.
De janeiro a dezembro, todos os gostos e estilos foram contemplados, comprovando o que mais ninguém tinha dúvidas: o Brasil hoje representa uma rota prioritária para os principais artistas do mundo. Para celebrar momentos que merecem ser guardados não apenas no rolo de fotos do celular, a Rolling Stone Brasil apresenta alguns dos mais importantes shows internacionais que o país teve a sorte de presenciar no ano que passou. E que venha 2024.
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Mantendo a ética punk à risca, veteranos celebram 40 anos de uma bela história
Primavera Sound - Autódromo de Interlagos - São Paulo (SP) - 3 de dezembro
Ver o atual Bad Religion no palco causa um impacto imediato: a compreensão de que o tempo passa mais rápido do que gostaríamos. Beirando a casa dos 60, o vocalista Greg Graffin ostenta óculos de grau e a cabeça calva ornada por fios brancos. Os guitarristas Brian Baker e Mike Dimkich passariam facilmente por professores universitários descolados, enquanto o topete grisalho do baixista Jay Bentley lhe concede o ar heróico do Dr. Reed Richards do Quarteto Fantástico. O único que destoa (mas não muito) é o baterista Jamie Miller, de regata, tatuagens à mostra e cabelos arrepiados.
A embalagem parece gasta, mas o conteúdo permanece intacto. Emblemática, a voz de Graffin ainda exprime a potência dos tempos em que o Bad Religion era um dos nomes mais interessantes a marcar território na cena punk de Los Angeles. Se a pregação convence até hoje, é porque o discurso do Bad Religion nunca é ameno ou vazio: todas as canções são de protesto, contra algo ou alguém. Mais do que palavras ao vento, as letras escritas nos últimos 40 anos pelo cantor e por Brett Gurewitz (guitarrista fundador, que não faz mais turnês) representam um estilo de vida a ser seguido.
Velhos conhecidos dos brasileiros (visitaram o país uma dúzia de vezes desde 1996), os senhores do Bad Religion impuseram à plateia variada do Primavera Sound sua ética punk de dispensar firulas e perdas de tempo. Com energia no talo e quase sem respiros, o quinteto dissecou a longa carreira em um repertório democrático de 25 músicas, contemplando quase toda a discografia de 17 álbuns. “Infected”, de Stranger Than Fiction (1994), fez pular quem conheceu o Bad Religion pela MTV, mas a grande maioria parecia acompanhar a banda desde sempre, dadas as movimentadas rodas de pogo proporcionadas por “You” , “We’re Only Gonna Die”, “Generator” e “21st Century (Digital Boy)”. Como de se esperar, o encerramento foi com a pérola radiofônica “American Jesus” (de Recipe for Hate, de 1993), que deve ter sido cantarolada em pensamento até pelos fãs do The Cure. (PM)
Decepcionando quem esperava por brigas, Anton Newcombe e sua trupe fizeram shows memoráveis
Cine Joia - São Paulo (SP) e Festival Picnik - Brasília (DF) - 20 e 21 de abril
Poucas bandas são tão imprevisíveis ao vivo quanto o Brian Jonestown Massacre. Ao comprar ingresso para ver os ícones do folk rock psicodélico estadunidense, o fã nunca sabe se verá uma apresentação à altura da egotrip do líder Anton Newcombe ou uma pancadaria generalizada entre seus integrantes – como a que aconteceu na Austrália em novembro último, algo recorrente nos mais de 30 anos de carreira do grupo. Em sua primeira passagem pelo Brasil para dois shows concorridos, o BJM deixou uma excelente impressão.
Newcombe e sua trupe não precisaram se esforçar para ganhar a pequena plateia do Cine Joia, que presenciou o que mais parecia um ensaio aberto aos fãs. Do lado direito, olhando para os colegas, e não para a plateia, Newcombe começava a tocar as faixas quando queria. No centro do palco, o carismático fiel escudeiro Joel Gion conduziu o set de 18 músicas espancando seu pandeiro meia-lua, enquanto os outros oito músicos criaram o paredão sonoro de cordas que dão cor ao som chapado da banda. Por mais exagerado que pareça ter quatro guitarras – às vezes cinco ou até seis, como na saideira, a inédita “Abandon Ship” –, o efeito criado por tantas palhetadas sincronizadas chama a atenção numa época em que os grupos de rock diminuem de tamanho e abraçam cada vez mais a tecnologia. Isso ficou claro quando tocaram o maior hit “Anemone”, já na reta final, para delírio dos presentes.
No dia seguinte, em Brasília, o BJM repetiu o setlist de cabo a rabo no festival Picnik, com a base formada pelos dois últimos discos, Fire Doesn’t Grow On Trees (2022) e The Future Is Your Past (2023). Com o som mais alto e bem definido do que na véspera, a banda pareceu não se importar muito que boa parte do público da Praça Portugal não tivesse ideia de quem eram aqueles sujeitos. Ainda que tenha dado seus chiliques, Newcombe mostrou que, quando todos no palco estão na mesma sintonia, o Brian Jonestown Massacre conseguem chamar a atenção também com a música. Sorte de quem os viu. (CEF)
Monstros sagrados do hard rock provam que a experiência sempre será uma virtude
Monsters of Rock - Allianz Parque - São Paulo (SP) - 22 de abril
Dá para contar nos dedos os artistas surgidos nos anos 1960 que continuam a se apresentar em alta performance meio século depois. É por isso que cada aparição do Deep Purple merece ser celebrada. Não se constrói a reputação de “uma das bandas mais trabalhadoras do rock” com preguiça, e é notável como os integrantes atuais (três deles da formação clássica) demonstram tamanha satisfação fazendo o que fazem há tanto tempo.
A começar pelo homem de frente, Ian Gillan. Aos 77 anos, o cantor britânico é um respeitoso frontman à moda antiga: com cabelos brancos ligeiramente compridos e penteados, elegante em seus jeans e camisa social de botões, ele respeita suas limitações com empenho na entrega, mesmo que o alcance das notas não seja o mesmo de outras era. É bonito vê-lo em cena, feliz de ser o centro das atenções quando canta clássicos essenciais como “Perfect Strangers”, “Black Night”, “Smoke on the Water” e “Highway Star”.
Seus parceiros não ficam atrás na empolgação. Ian Paice, um dos melhores bateristas de todos os tempos (e um dos mais subestimados), é a estrutura incansável por trás da química do Deep Purple, inspirando gritos entusiasmados a cada vez que surgia com sua franjinha nos telões. Em sincronia perfeita, o baixista Roger Glover empunhava agressivo seu instrumento, emulando as poses marrentas de décadas atrás e extraindo notas bem definidas a cada palhetada. A figura icônica de Jon Lord nos teclados continua fazendo falta, mas o veterano Don Airey dá conta do recado há mais de 20 anos, com direito a uma palhinha da intro de “Mr. Crowley”, de Ozzy Osbourne (na qual tocou na gravação original). Correto, o guitarrista Simon McBride (que substituiu Steve Morse, que por sua vez ocupou o espaço de Ritchie Blackmore por quase três décadas) também cumpriu o papel de jamais chamar mais a atenção do que os membros fundadores. Tocando à luz do dia antes de Scorpions e Kiss, o Deep Purple mostrou em pouco mais de uma hora e meia que ainda merece encerrar um festival como atração principal. (PM)
Um verdadeiro bailão (eletrônico) sem saudade
C6 Fest - Vivo Rio - Rio de Janeiro (RJ) - 18 de maio
No palco, havia apenas Ralf Hutter como membro original, acompanhado por Fritz Hilpert, Henning Schmitz e Falk Grieffenhagen, substitutos saídos da linha de montagem dos estúdios Kling Klang, em Düsseldorf. Mas o espírito revolucionário do robótico grupo alemão Kraftwerk estava ali, de corpo presente em som e – importante! – vídeo. Foi mais do que suficiente para manter o assombro do admirável mundo criado pelos sintetizadores do quarteto nos anos 1970. Um mundo que há muito não é novo, mas que ainda domina o planeta. Isso ficou claro quando chegou a vez da segunda atração da noite, o duo galês Underworld, consagrado globalmente em 1996 com o hit “Born Slippy”, sempre associado ao filme Trainspotting – Sem Limites, de Danny Boyle, e hoje tido como clássico atemporal da música pop.
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Se a primeira noite carioca do festival C6 Fest não lotou o Vivo Rio, azar de quem deixou de comparecer. A dobradinha de atrações não proporcionou apenas camadas de nostalgia para velhos fãs, como abriu portais do tempo, dobras que permitiram apreciar o viço inventivo da música eletrônica em diferentes décadas.
Nesta que foi a quarta visita do Kraftwerk ao Brasil, os arranjos foram baseados, com sutis variações, nas versões registradas no álbum ao vivo Minimum-Maximum, lançado em 2004. O clima de “baile alemão” evocou o sincretismo do funk carioca com o “se joga no electro” imposto pelo hit “The Robots” e pelos breaks tonelada de “Trans-Europe Express”. Já na apresentação do duo Underworld, sem gosto de bala de naftalina, a eletrizante viagem no tempo induziu ao transe sacudido das boas e velhas raves do fim do milênio passado. O espetáculo não ficou a dever aos melhores shows punks no quesito energia, ancorado na surpreendente voz (cantando ao vivaço) e na presença de palco do hiperativo Karl Hyde, um prodígio, aos 66 anos. Fazendo justiça ao pique do parceiro, Rick Smith lançou bases sem dar descanso aos dançarinos e deixou gostinho de quero mais na saída, fissurada ainda para ouvir hits que não couberam no setlist, como “Pearl’s Girl”. (PS)
Felizes da vida, as irmãs californianas se esbaldaram no Brasil
MITA Festival - Novo Anhangabaú - São Paulo (SP) - 4 de junho
A primeira visita ao Brasil de Este, Danielle e Alana Haim foi um acontecimento histórico – mais até para as três irmãs do que para o público, que as acolheu apaixonadamente. Após versões maravilhosas para “3 AM” e “Gasoline”, ambas do disco lançado em 2020, o ótimo Women in Music - Part III, Alana se dirigiu às outras duas: “Ei, caras! A vida pode ser melhor do que esse momento?” Quando responderam que achavam que não, a caçula do trio cravou que elas de fato viviam a melhor fase de suas trajetórias durante a apresentação no MITA Festival, em São Paulo.
Aquele era o segundo show do grupo no Brasil (elas se apresentaram na versão carioca do evento na semana anterior), o que tornou o palco paulistano o ápice da passagem das Haim pelo país, que se jogaram na noite brasileira e se esbaldaram como se não houvesse amanhã. No palco montado no Novo Anhangabaú, as irmãs até fizeram o público ajudar na escolha entre duas opções de after party para depois do show, entre outras gracinhas.
Vestidas com calças de couro preta e partes superiores de biquínis amarelas bordadas com a bandeira local, as irmãs levaram o populismo à brasileira para outro patamar, quando simplesmente tocaram uma versão de “Ilariê”, o hit proto-axé de Xuxa (algo que também fizeram no Rio). Entre conversas com o público e trocas de instrumentos (todas as três se revezando entre baixo, violão, guitarras, teclado e bateria), as Haim não apenas se divertiram por aqui como trouxeram a energia dessa diversão para os palcos, contagiando a plateia até nos momentos mais melancólicos do setlist, como em “Summer Girl”. Também foi demais presenciar a mãe das três, Donna Haim, divertindo-se no backstage, enquanto cantava as músicas das filhas.
O show terminou com uma lembrança dupla do ótimo primeiro disco, Days Are Gone (2014), ao emendar os primeiros hits “Forever” e “The Wire” para deleite dos fãs, que ainda festejaram o encerramento com a melhor música do álbum mais recente, “The Steps”. (AM)
Uma força da natureza chamada Karen O
Autódromo de Interlagos - São Paulo (SP) - 9 de setembro
A noite era do Foo Fighters no apinhado festival paulistano The Town, e o Yeah Yeah Yeahs nem devia estar lá: chamado às pressas para preencher a vaga deixada pelo Queens of the Stone Age (que cancelou em cima da hora por motivos de saúde de Josh Homme), o trio formado em Nova York não se intimidou diante de um público desinteressado que queria somente ouvir a banda de Dave Grohl.
A potência sonora do YYY ao vivo é difícil de ser mensurada, ainda mais por se tratar de apenas quatro pessoas no palco (o guitarrista de apoio David Pajo complementou a formação com os fundadores Karen O, Nick Zinner e Brian Chase), mas funciona melhor em ambientes fechados. Na noite anterior, diante de um público só seu no pequeno Cine Joia, o grupo havia oferecido um espetáculo mais longo e consistente, mostrando que boa parte de sua força tem origem na energia compartilhada com quem os assiste de perto. No The Town, a história foi diferente, mas também teve final feliz, graças à presença iluminada de Karen O. A magnética cantora de origem sul coreana é a perfeita definição de força da natureza, um tudo-ao-mesmo-tempo-agora difícil de descrever e resistir: ícone fashion, frontwoman raivosa e performer brilhante, que surpreende e arrebata pela habilidade de conduzir a sonoridade moderna do Yeah Yeah Yeahs para outras dimensões musicais.
Após um início morno, a apatia do público cansado transformou-se em curiosidade genuína (pelo menos entre pequenas parcelas da multidão), principalmente quando as faixas mais conhecidas surgiram. As empolgantes “Gold Lion”, “Heads Will Roll” e “Zero”, além do irresistível hit “Maps”, provaram aos desavisados que o YYY era bem mais do que um peixe fora d’água em uma festa para a massa mainstream. Mais do que isso, também foi um jorro de ânimo na noite mais roqueira do evento, que muito prometeu mas não se cumpriu por lamentáveis problemas de organização. Em meio ao caos, aqueles que deram a devida atenção ao Yeah Yeah Yeahs foram recompensados com uma apresentação para ficar na memória. (PM)
De olhos bem fechados, Adam Granduciel flutuou e emocionou com sua melancolia
C6 Fest - Parque Ibirapuera - São Paulo (SP) - 21 de maio
Muito se dizia sobre a impossibilidade de o The War on Drugs tocar no Brasil – o cachê elevado de uma banda de muitos músicos seria um dos motivos; o outro seria a falta de um evento apropriado para receber o show, por ser um nome relativamente desconhecido para os grandes festivais de apelo jovem. Demorou, mas o projeto pessoal do talentoso Adam Granduciel aportou no Brasil para apresentações no C6 Fest (criado das cinzas dos antigos Free Jazz e Tim Festival), para plateias interessadas que aguardavam há anos pela oportunidade.
Com guitarras, baixo, bateria, teclados, saxofone e percussão, o The War on Drugs é um monstro de sete cabeças dos mais competentes no palco. Discretos e diligentes, seus integrantes performam na média de suas habilidades, sempre a serviço da música e sem brechas para improvisos ou individualidades.
Assim mesmo, o time reunido por Granduciel na Filadélfia se especializou na arte de criar climas para emocionar, representados por temas baseados em tons menores e acentos melancólicos. Cada faixa é uma experiência envolvente e particular, em que camadas de timbres entrelaçados proporcionam sensações variadas, de acordo com os sentimentos de cada freguês. Isso se deu já na abertura, com a dolorosamente bela “Pain”, que soou ainda mais sofrida do que a gravação original. Falando pouco como de costume, Granduciel é um frontman relutante, apesar do carisma: não faz contato visual com a plateia e sola como se extraísse lágrimas da guitarra, de olhos fechados, talvez sonhando com o sentido da vida perdido. Cinco faixas mais curto do que no Rio de Janeiro, o repertório do show de São Paulo dividiu-se entre os três álbuns mais recentes, I Don’t Live Here Anymore (2021), A Deeper Understanding (2017) e Lost in the Dream (2014), com o encerramento épico de “Under the Pressure” levantando uma multidão que parecia em transe na maior parte do tempo. Havia tempo para mais, mas acabou por aí – um gosto agridoce de quero mais para quem esperou tanto por aquele momento. (PM)
Menos cáustico mas ainda politizado, o icônico guitarrista deixou sua mensagem
Best of Blues and Rock - Parque Ibirapuera - São Paulo (SP) - 2 de junho
A maior graça de um show de Tom Morello é notar o quanto ele se diverte tocando qualquer música, por mais distante que seja do estilo e temas que o consagraram. Acompanhado do trio Freedom Fighter Orchestra, ele fez de tudo um pouco como atração principal do festival Best of Blues and Rock: cantou, tocou solos com todas as partes da guitarra (inclusive a ponta do cabo na palma da mão), contou histórias e pregou.
Iconicamente equipado (boné, echarpe vermelha e a icônica Mongrel azul com a frase "Arm The Homeless") e bem disposto, Morello conduziu um espetáculo de cunho politizado ao estilo “esta é sua vida”, percorrendo democraticamente quase todos os discos que já gravou. Já nos discursos, sem citar nomes ou apontar dedos, proferiu slogans good vibes (“fuck fascism!”, “estamos juntos nessa”).
Um show de Tom Morello também é um “best of” que passa longe do tédio, já que variedade é uma de suas (muitas) palavras de ordem. Isso incluiu canções de seu álbum recente The Atlas Underground Fire, um cover de Jimi Hendrix (“Voodoo Child”) e até uma versão do Måneskin (“Gossip”, da qual participou originalmente). O Rage Against the Machine que o tornou famoso foi evocado em medleys (“Bulls on Parade”, “Guerrilla Radio”, “Sleep Now in the Fire”, “Testify” e “Freedom”) e na clássica “Killing in the Name” em versão instrumental, com a letra exclamada pela plateia como em um gigantesco karaokê. A homenagem à fase com o Audioslave veio em “Like a Stone”, cantada pelo guitarrista Carl Restivo, com direito a imagem de Chris Cornell ao fundo. O falecido ganhou outra reverência pela voz de Gary Cherone, do Extreme, que foi chamado com Nuno Bettencourt para uma versão de “Cochise”. O palco se encheu para o desfecho (além do Extreme, surgiu também Steve Vai) com “Power to the People”, hino de John Lennon. Maestro das massas, ainda exigiu que a plateia se agachasse por instantes e pulasse na hora certa, encerrando a noite em astral elevado. Do jeito dele, Tom Morello mais uma vez deixou sua mensagem. (PM)
O duplo privilégio de dar adeus a uma lenda viva da guitarra
Best of Blues and Rock - Parque Ibirapuera - São Paulo (SP) - 3 e 4 de junho
Buddy Guy é um dos poucos músicos ao qual o jargão “lenda viva” de fato se aplica. Aos 86 anos, o último blueseiro de sua geração emociona pela simples presença em cena. Tirando lindas notas da guitarra sem esforço, combinando força e leveza, exala a serenidade de quem já viu e tocou de tudo. A voz, aveludada e confortável, parece um carinho nos ouvidos.
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Em seu adeus ao Brasil, a jornada de Guy foi dupla. Na primeira das duas noites como headliner do Best of Blues and Rock, fez tudo o que quis: esfregou a guitarra no antebraço e na barriga, tocou o riff de “Sunshine of Your Love” usando uma baqueta e uma toalha e solou “Voodoo Child” com os dentes, emulando Jimi Hendrix. “Se você não gosta de blues, está no palco errado. Porque eu vou tocar um blues”, ele alertou, só para garantir, antes de homenagear velhos comparsas como Willie Dixon e Muddy Waters. Os filhos Carlise e Greg ocuparam o palco para o número final – vestido com uma camiseta do Brasil, Greg usou a Stratocaster Polka Dot eternizada pelo Guy-pai.
A despedida real dos palcos brasileiros ocorreu logo no dia seguinte, o domingo. Notando que o público estava mais distraído, Guy debochou e abusou dos truques. Fez solos ainda mais barulhentos, esfregou a guitarra na barriga e afinou a corda mizinho durante um verso. “Se deixarem, eu toco a noite toda”, falou com a voz baixinha, que soa incrivelmente musculosa quando canta. Em uma apresentação mais curta do que no sábado, desfilou o típico repertório de highlights do blues, incluindo novidades como “I Let My Guitar Do The Talking”, do recente The Blues Don’t Lie (2022). Já acompanhado dos descendentes Carlise e Greg, fez uma versão aconchegante de “Little by Little” (Junior Wells), com pai e filha dividindo carinhosamente o microfone. Ao final, um inesperado convidado: Tom Morello entrou solando em uma das Polka Dot de Buddy Guy, que aos poucos foi deixando a cena. Jogou palhetas para a plateia, acenou agradecido e caminhou lentamente até sumir no fundo do palco, sem olhar para trás. (PM)
Engajado como sempre, ex-Pink Floyd aprimorou seu rock ativista para estádios
Estádio Nilton Santos - Rio de Janeiro (RJ) - 28 de outubro
A tradução para carioquês da mensagem introdutória até aliviou o “fuck off” do original em inglês: “Se você é um daqueles que diz ‘eu amo Pink Floyd, mas não suporto a política de Roger’, vaza pro bar!”. A essa altura, só um desavisado se surpreenderia com o tom inflamado e libertário de um show de Roger Waters. O disclaimer, porém, faz sentido: afinal, This is Not a Drill, a turnê de despedida do ex-baixista do Pink Floyd, 80 anos, é um espetáculo itinerante em que o ativismo é tão importante quanto a música.
Em 2012, quando tocou a íntegra de The Wall no mesmo estádio, Waters inseriu em “Another Brick in The Wall, Part 2” uma homenagem ao brasileiro Jean-Charles, executado pela polícia de Londres em 2005, ao ser confundido com um terrorista. Já em outubro de 2018, na turnê Us and Them, no Maracanã, vestiu camiseta com a frase “Lute como Marielle Franco”, lembrando a vereadora assassinada meses antes.
Já em 2023, Waters elogiou o presidente Lula e exortou líderes mundiais a conversarem e tentarem se entender. Falou o tempo todo de política, reiterando as mensagens marteladas pelos vídeos. Em meio à overdose narrativa, injetou doses espontâneas de humanidade. Ensaiou passos de discothèque, derreteu-se pela mulher, Kamilah Chavis, contou um causo do pai e do irmão, lembrou o amigo Syd Barrett, cofundador do Pink Floyd, fez metade do estádio ficar com olhos úmidos em “Wish You Were” e apresentou a nova “The Bar”. Terminou no backstage, virando shots de algum líquido branco (destilado real ou cênico).
Ancorada no superbaterista Joey Waronker, a banda reproduziu com excelência os principais clássicos do Pink Floyd em um setlist equilibrado – embora fãs tenham reclamado da ausência de “Time”. Coube à dupla Jonathan Wilson e Dave Kilminster (a mesma dos shows em 2018) a missão quase impossível de suprir a ausência de David Gilmour, desafeto de Waters que todo mundo no estádio gostaria que estivesse ali. Não são só os líderes de grandes potências que poderiam tentar uma conversa para se entender, né? (PS)
Temporal lavou a alma da última apresentação do eterno beatle, hors concurs de nossa lista, em São Paulo
Allianz Parque - São Paulo (SP) - 10 de dezembro
O derradeiro show de Paul McCartney em São Paulo – se os boatos sobre sua aposentadoria se confirmarem – foi debaixo de um pé d’água histórico, o que tornou a apresentação ainda mais intensa. Afinal, foram poucos momentos em que os fãs se arriscaram a tirar seus celulares para registrar o show para a posteridade, tamanha a chuva. Assim, o terceiro show de Paul na cidade em 2023 repetiu que o ex-beatle havia proporcionado semanas antes, quando realizou o já histórico show-surpresa no Clube do Choro, em Brasília. Naquela ocasião, uma pequena multidão de centenas foi proibida de fazer qualquer registro em foto ou vídeo. Já no estádio do Palmeiras, Iansã e São Pedro providenciaram a queda drástica da quantidade de lentes apontadas para o palco, fazendo o público abraçar a inevitável tempestade e se jogar no rosário de hits que forma o repertório-padrão de qualquer show deste nobre senhor.
À frente de uma banda que capitaneia há 20 anos, Paul é o maestro que rege tanto a movimentação de seus músicos (sempre atentos para corrigir eventuais deslizes do patrão, que já sente a idade) quanto a massa de dezenas de milhares de vozes em uníssono. Estas entoam versos e refrãos vigorosamente, tanto da maior banda da história da música gravada quanto das diferentes fases da carreira solo do músico canhoto, que escolhe a dedo cada uma das pérolas do setlist – quase como se administrasse uma palestra musical sobre a importância histórica de sua carreira. Assim, ele caminha pelos degraus da trajetória dos Beatles, revê seus Wings e músicas dos álbuns mais recentes, além de dedicar canções a seus antigos e saudosos “parças”, como disse em português típico de um tiozão querendo se enturmar: John Lennon (“Here Today”, com quem também fez um dueto virtual em “I’ve Got a Feeling”), George Harrison (“Something”) e Denny Laine (seu comparsa de Wings, que faleceu na semana anterior). Foi um show previsível como sempre, mas nem por isso menos emocionante. Apenas Paul McCartney sendo Paul McCartney. (AM)
A lista acima faz parte da edição especial Rolling Stone Brasil - Primavera Sound São Paulo 2023, que já está nas bancas.
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